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73 PSIQUIATRIA CONSILIAR E DE LIGAÇÃO E OS CUIDADOS DE SAÚDE

Psiquiatria de Ligação

O grande marco histórico da psiquiatria de ligação remonta aos anos 30, tendo surgido nos Estados Unidos, numa altura de grandes mudanças, fundamentalmente ligadas ao avanço tecnológico da medicina e da sua formação a nível hospitalar (CARVALHO, 2010, p. 36). A primeira unidade de psiquiatria num hospital geral foi criada em 1902 em Nova York no Albany Hospital. Em 1913, Adolf Meyer, defensor acérrimo da integração entre a psiquiatria e a medicina em geral, funda a Clínica Psiquiátrica do Hospital John Hopkins. A ele se deve o desenvolvimento da psiquiatria de ligação e da medicina psicossomática (CARVALHO, 2010, p. 36).

DUNBAR e cols (1936), cit. por MOTA (2000, p. 239) deram o seu contributo para o progresso da psiquiatria de ligação escreveu, “...não deve vir longe o momento em que a colaboração dos psiquiatras seja requerida em todas as enfermarias médicas e cirúrgicas”.

Edward Billings foi o fundador do primeiro serviço de psiquiatria de ligação, em 1934, no Colorado General Hospital. Tratava-se de um serviço sem camas, cujo modelo de intervenção era dar assistência aos outros serviços (CARVALHO, 2010, p. 36).

Alguns anos mais tarde (1949) este modelo foi ampliado M. RALPH KAUFMAN, cit. por MOTA (2000, 240), referia que o psiquiatra deve ser elemento integrante da equipa médica, exercendo actividades clínicas e de consultadoria.

Nos anos 60 a psiquiatria de ligação foi alvo de grandes avanços, em termos de prática clínica, ensino e investigação, não só nos EUA e Canadá mas também na Europa. Em 1989 a Psiquiatria de Ligação foi formalmente designada como sub-especialidade da Psiquiatria (CARVALHO, 2010, p. 37).

Em 1995 foi criada a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria de Ligação que, segundo CARDOSO (2006, p. 410), tem por objectivo ser o fórum nacional de comunicação entre técnicos desta área e representá-los a nível nacional e internacional.

Segundo BARBOSA & GAGO (1997, p. 933) é exemplo desta evolução o número crescente de psiquiatras contratados para trabalharem em Psiquiatria de Ligação, em hospitais gerais, e de internos de psiquiatria a realizarem um estágio de três meses em tempo completo, neste domínio.

Verifica-se, assim, que a psiquiatria de ligação é uma área da prática clínica e da investigação psiquiátrica em franco desenvolvimento, cujo processo evolutivo é um reflexo das tendências futuras da saúde mental.

Na diversa literatura existente, podemos encontrar o termo interconsulta psiquiátrica em vez de psiquiatria de consultoria e ligação, é uma questão de terminologia de diferentes países, que serve para indicar o conjunto de actividades desempenhadas por profissionais de saúde mental junto dos outros serviços de um hospital geral.

74 Segundo LIPOWSKI (1986) cit. por NASCIMENTO [et al] (2006, p. 103), “A interconsulta psiquiátrica pode ser definida como uma sub-especialidade da psiquiatria que se ocupa de assistência, ensino e pesquisa na interface entre psiquiatria e medicina”.

QUERQUES e STERN (2004) referenciam ainda que a psiquiatria de ligação “...difere da prática psiquiátrica no tipo de abordagem ao paciente, no ambiente em que ocorre e pela intensa interacção com outras especialidades” NASCIMENTO [et al] (2006, p. 103).

Para NASCIMENTO (2006, p. 103), existem dois modelos de interconsulta psiquiátrica: a psiquiatria de ligação e a consultadoria psiquiátrica.

No modelo de ligação o psiquiatra faz parte de um serviço ou departamento, estando integrado na equipe. “ O psiquiatra não espera que os doentes lhe sejam referenciados, intervém ao identificar a necessidade de cuidados psiquiátricos, (...) e intervém também, junto da equipa médica e de enfermagem, quando surgem problemas inter-relacionais entre estas e o doente” MOTA (2000, p. 244).

Neste modelo, a comunicação entre médicos é feita, frequentemente, através de pedidos de pareceres. Fundamentalmente este parecer consiste no “...registro da história, dos achados do exame e da impressão do psiquiatra acerca do paciente” NASCIMENTO (2006, p. 103).

A função do psiquiatra de consultadoria “...ultrapassa a condição assistêncial, pois o parecer psiquiátrico também contribui para a educação e o treinamento dos profissionais que o solicitaram” ALEXANDER e BLOCK (2002) cit. por NASCIMENTO (2006, p. 103).

BARBOSA & GAGO (1997, p. 935), descrevem os aspectos mais relevantes do processo de «Consultadoria e Ligação», da seguinte forma:

Compreender e responder às necessidades do profissional de saúde que pede apoio, mesmo que não haja perturbação psiquiátrica.

Envolver-se em interacções eficazes com diferentes especialistas e técnicos de saúde, nomeadamente na identificação das questões postas, na transmissão dos dados de observação, na formulação simples e directa das recomendações e no suporte e estímulo aos membros da equipa terapêutica.

Obter dados das fontes apropriadas, nomeadamente dos registos clínicos, dos membros da equipa, da família e de outros informadores relevantes.

Redigir um registo de observação pertinente e útil.

Monitorizar a evolução do doente durante a hospitalização, fornecendo continuamente as informações necessárias.

Apesar dos vários modelos existentes importa referir que cada hospital ou serviço deve adoptar o que for mais conveniente.

O diagnóstico psiquiátrico é fundamental para o psiquiatra de ligação. Há doenças psiquiátricas que, especialmente em doentes internados, podem dificultar o tratamento da doença orgânica.

Na fase inicial é feita formulação do diagnóstico. Depois de ter sido apresentado ao doente pelo médico assistente ou por um enfermeiro conhecido, é a realização da entrevista. Esta deve ser adequada ao estado do doente e para MOTA (2000) é importante ter em atenção alguns aspectos tais como: abordar os sentimentos do doente sobre o pedido da consulta; facilitar a expressão de ideias; questionar sobre os sintomas físicos, história da doença e curso; detectar aspectos da comunicação verbal e não verbal; utilizar um estilo empático; pesquisar os sintomas psicológicos; estabelecer elos sobre as queixas físicas e psicológicas.

75 Existem situações de adaptação à doença orgânica que se manifestam por sintomas de ansiedade e medo e que muitas vezes se alteram com pequenas modificações no relacionamento entre os técnicos e o doente. É da competência do psiquiatra de ligação a sugestão destas alterações aquando da formulação do plano terapêutico que deve ser transmitido ao médico assistente.

O psiquiatra de consultoria e ligação pode recomendar uma terapia específica, sugerir áreas de investigação médica adicional, informar médicos e enfermeiras sobre o seu papel no tratamento psicossocial do doente, recomendar a transferência para um serviço de psiquiatria, sugerir ou assumir uma terapia breve.

As orientações do psiquiatra são extremamente importantes para o sucesso da observação, tendo em atenção “...o que o psiquiatra comunica, como o faz e a quem o faz, tendo em conta quatro critérios: relevância (o que é dito tem de dar luz ao problema), valor explicativo, inteligibilidade e praticabilidade” MOORE (1978, 413-419) cit. por MOTA (2000).

Enfermagem Psiquiátrica de Consultadoria e Ligação, e a sua Prática

Analogamente aos contextos anteriormente referidos existem vários autores que referenciam em que consiste a enfermagem de consultadoria e ligação e quais os seus benefícios. LEVY (1998) cit. por RAMOS (1999, p. 35) refere que a mesma surge como uma sub-especialidade da enfermagem de saúde mental e psiquiátrica, fornecendo um suporte de conhecimentos especializados cujo objectivo consiste em dar resposta a um pedido de um prestador de cuidados directos. E este autor explica a aplicação da enfermagem de consultadoria e ligação em quatro fases: a solicitação, que tanto pode ser feita pelo utente, no caso da consulta externa, ou pela comunidade, pelo enfermeiro, pelo médico, por um familiar ou por um técnico do serviço social; avaliação e aplicabilidade; identificação dos problemas; por fim a prestação de cuidados directos e indirectos, conforme o estado do utente e o modo como o consultante adere.

Serão cuidados directos se o problema não for muito claro e o consultor tiver necessidade de fazer uma observação mais completa para clarificar o problema e melhor definir o diagnóstico de enfermagem. No caso de a situação ser perfeitamente clara para consultor e consultante optar- se-á pela prestação de cuidados indirectos. Neste caso há a pretensão de alterar o comportamento do utente propondo mudanças no comportamento do enfermeiro consultante; ou seja, “melhorar os aspectos terapêuticos da relação enfermeiro-utente como meio de melhorar os cuidados de enfermagem” (TUNMORE, 1990, p. 15).

Em alguns dos estudos consultados, principalmente, o realizado por SHERER [et al] (2002, p. 12), verifica-se que, apesar de não compreenderem a função do Consultor em Enfermagem de Ligação, ou mesmo desconhecerem a sua existência, alguns enfermeiros de outros serviços consideram que este é uma mais-valia para o hospital. Este desconhecimento, em parte, pode ser atribuído ao facto das escolas de enfermagem não incluírem nos seus programas de formação a Enfermagem de CL e nem englobarem um estágio estruturado obrigatório sobre esta área.

76 Para a American Nurses Association a prática da interconsulta de enfermagem psiquiátrica baseia-se “...em teorias de estresse, enfrentamento e adaptação, com uma integração de perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas” SCHERER [et al] (2002, p. 11).

CUADRA [et al] (1991), considerou a definição do papel de consultor de enfermagem dada pela Nursing Consultans Association (NCA) como sendo “Jum enfermeiro que utiliza seus conhecimentos de enfermagem e sua experiência para promover cuidados de saúde através de meios distintos ao cuidado directo do paciente” SCHERER [et al] (2002, p. 9).

Para CUADRA (1991) cit. por SCHERER (2002, p. 11), existiram, essencialmente, três tipos de interconsulta na prática da enfermagem de saúde mental: Consulta centrada no cliente – visa a resolução dos problemas imediatos, confirmando o diagnóstico de enfermagem e desenvolvendo planos de cuidados, com base não só nos conflitos detectados, mas também na prevenção de problemas futuros. Consulta centrada em problemas administrativos – de forma indirecta são planeados programas, seminários e grupos, com vista a detectar áreas stressantes, de forma a melhorar a prestação de cuidados. Consulta centrada no enfermeiro e na equipa assistencial – tem como objectivo principal um melhor funcionamento da equipa, ajudando-a a compreender os factores psicológicos da doença, clarificando e dando apoio aos enfermeiros para criar estratégias de forma a fazer face aos conflitos que possam surgir, utilizando os seus próprios recursos pessoais.

Este tipo de apoio poderá ser utilizado não só com os beneficiários dos cuidados de enfermagem, mas também com os próprios enfermeiros que experienciam situações de esgotamento profissional associadas a determinados factores que PHANEUF (2005, p. 600) realçou, entre outros, “a tensão emotiva causada pelo contacto com o sofrimento e a morte”. Faz todo o sentido que as intervenções de enfermagem, neste contexto sejam “...da responsabilidade do enfermeiro com a especialidade em saúde mental e psiquiátrica, inserido numa equipa multiprofissional” RAMOS (1999, p.33). Esta ligação permite facilitar a relação entre o doente e a família, a doença, os consultantes e o internamento. “O trabalho de consultadoria é concebido como o apoio dado por um especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica (no papel de consultor) a outro enfermeiro (como consultante), responsável por um utente com problemas psicológicos prévios ou resultantes do actual internamento, consequência da adaptação ao tratamento ou ao curso da doença” LOPES E VIEGAS (1997, p. 36).

Assim, o Parecer de Enfermagem de Consultadoria e Ligação resulta de uma entrevista de colheita de dados que inclui a recolha de informação prévia, do processo clínico e/ou através dos técnicos, da história do doente, do exame objectivo e da avaliação do estado mental. Após a recolha dos dados, deverão ser elaborados diagnósticos de enfermagem com base nos fenómenos apresentados na CIPE e planeadas as adequadas intervenções terapêuticas de enfermagem.

Quanto às acções desenvolvidas pelo enfermeiro neste contexto poder-se-á apreciar o que referiu LOPES (2005, p. 223) relativamente aos aspectos terapêuticos, considerando toda a intervenção com intencionalidade terapêutica, dirigida ao doente e á família. Neste

77 encadeamento poderão ser utilizadas técnicas tais como: escuta activa, disponibilizar presença, relação de ajuda, reestruturação cognitiva, suporte emocional, terapia pela reminiscência e outras. No entanto devem ser utilizadas, pelo enfermeiro, com criatividade, mas nunca sem terem sido submetidos à sua experimentação pessoal ou quando não se sente confortável com os mesmos, quer devido à falta de habilidade no seu manejo ou à dificuldade em gerir os efeitos que deles decorrem (CHALIFOUR, 2009,p. 45).

Em última análise, poderá dizer-se que o Parecer de ECL consiste numa Avaliação Diagnóstica, na Elaboração de Diagnósticos de Enfermagem e no Planeamento de Intervenções Terapêuticas, directas ou indirectas. Não dizendo respeito apenas a questões directamente relacionadas ao paciente, mas também a problemas que envolvem a equipa e o relacionamento entre ambos. Nesta minha experiência prática, a Avaliação Diagnóstica, referida anteriormente, tem por base o Processo de Avaliação Diagnóstica descrito por LOPES (2006, p. 154), em que a entrevista de colheita de dados, assim como a descrita por este autor, corresponde ao primeiro encontro entre o enfermeiro consultor e o doente e/ou familiar, após a solicitação do pedido de parecer. Assim, tal como refere, a avaliação diagnóstica orienta-se em três sentidos diferentes mas complementares, que o autor caracteriza pormenorizadamente: o que o doente sabe; o que preocupa o doente; estratégias/capacidades do doente. Sob este prisma, o Parecer de Enfermagem CL poderia esquematizar-se conforme se apresenta na figura 1:

Avaliação Diagnóstica

Diagnósticos de Enfermagem

Intervenções terapêuticas

Entrevista de Colheita de Dados

Fenómenos apresentados na CIPE

O que o doente sabe O que o preocupa

Estratégias/capacidades do doente

Directas – Situação pouco clara para o consultante

Indirectas – Situação clara para consultor e consultante

Reavaliação

O que aconteceu depois do parecer? Recolha de informação prévia

Perspectiva do Enfermeiro

Pedido de Parecer de PL

78 Porém o enfermeiro consultor, pode ainda contribuir para a formação dos enfermeiros dos outros serviços aos quais se encontra vinculado, de forma a promover a mudança de atitudes e comportamentos do cliente perante o hospital, os técnicos e a doença (CARVALHO, 2010, p. 40).

As situações que não requerem internamento hospitalar, permitem que o enfermeiro consultor desenvolva uma prática centrada na comunidade. Nestes processos é actualmente também reconhecido o papel da família como principal cuidador, considerando as novas respostas delineadas para os efectivos problemas de saúde mental nomeadamente as descritas no Decreto-Lei nº 8/2010, para a qual terá de ser dirigida uma atenção específica pois como considerou MARTINS [et al] “A situação de doença prolongada de um familiar representa uma situação de crise geradora de stress, uma ameaça ao equilíbrio do normal funcionamento pessoal, familiar e social” FERREIRA (2009, p. 74).

Também LOURO (2010, p. 60) ponderou que no contexto actual onde as politicas enfatizam a manutenção da pessoa com dependência no domicílio, além da articulação entre os serviços formais e informais, deverá ser reconhecido o papel central do cuidador (familiar ou amigo). Todavia, em determinadas situações existe a necessidade de aliviar as experiências mais duras pelas quais passa a família, não só apostando na sua resiliência, mas também em outras formas de enfrentamento do Burden familiar. Nesta perspectiva são imprescindíveis as intervenções que o enfermeiro de saúde mental, numa óptica de ligação, que desenvolve no contexto domiciliário considerando as intervenções que têm como finalidade, a melhoria da qualidade de vida do cuidador informal e o pleno bem-estar do doente.

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APÊNDICE III

ENTREVISTA COM A ENFERMEIRA CHEFE DO SERVIÇO DE