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A entrevista tem como contexto as percepções e vivências do prof. Y com três turmas de cursos diferentes de uma instituição de educação universitária da região Bragantina, do Estado de São Paulo. Tais turmas passam a ser identifi- cadas como:

- Turma A: o professor Y dava aula até às 10h40 de quarta-feira e tinha de estar de volta à universidade na quinta-feira às 7h30. Ele ia alegre e feliz. Os alunos estavam mais inseridos na discussão ambiental. Era prazeroso, no final do semestre, sentir pena de ter de deixar a turma. - Turma B: os alunos eram do 6º semestre, realizavam os trabalhos com

qualidade, trabalhavam em empresas nas quais as questões relacio- nadas à gestão ambiental já eram discutidas. Já possuíam referenciais. Os alunos eram solícitos, solidários, demonstravam afeto, eram empáticos e bem-humorados, sabiam brincar, envolviam-se plenamente nos trabalhos.

- Turma C: os alunos eram desrespeitosos, não realizavam as ativi- dades programadas, havia conflito em todas as aulas, muito tempo era perdido e pouco se produzia.

À medida que a entrevista se desenvolvia e o professor relatava sobre a

turma C, que lhe causava desânimo, tristeza e raiva, ele mudava o tom de voz, os

gestos eram mais agitados, os olhos se fixavam no horizonte, os músculos da face se contraíam, num sinal claro da presença de emoções de fundo e emoções sociais que iam originando e relembrando os sentimentos de fundo e os sociais negativos.

Ao falar das turmas A e B, que lhe geravam alegria, os gestos eram mais suaves, os músculos da face relaxavam, percebia-se um sorriso, e de acordo com o aprofundamento das emoções os sentimentos positivos tomavam conta dele, percebia-se a vontade que o professor tinha de conviver mais com as turmas que lhe davam prazer. Isto tudo está em conformidade com a teoria de Damásio (1996, 2000 e 2004), que afirma que as emoções precedem os sentimentos e que os sentimentos de fundo estão relacionados à manutenção do nosso bem-estar. Ainda, as recordações das turmas que lhe davam prazer fizeram surgir os sentimentos positivos, isto é, aqueles em que há a presença de prazer.

Em relação à mediação da aprendizagem, diz o prof. Y: "O meu objetivo no início de cada semestre é que os alunos desenvolvam ou aprimorem a capacidade de reflexão crítica a partir das aulas que eu ministro". O processo de aprendizagem desenvolveu-se com o professor centralizando nele as ações de ensino e aprendizagem. Com o passar do tempo o professor notou que a estratégia não estava rendendo o esperado. Ao perceber que a mediação da aprendizagem da turma C era conflituosa e que não era propícia para o aprendizado, ele tentou mudar a estratégia: "passei a trabalhar textos em sala de aula e estudos dirigidos para que os alunos participassem mais ativamente nas aulas, porém os resultados não foram melhores, eles queriam gerar apenas conflitos".

Visto sob o olhar da complexidade, podemos perceber que a tentativa de mudança ocorreu apenas na estrutura do grupo. Mudou-se apenas a estratégia e não a organização, pois os alunos reagiram como já o faziam, isto é, eram gerados apenas conflitos e não havia a discussão esperada pelo professor. Para reconstruir

o sistema (sala de aula) seria necessário ao professor perceber as bifurcações que ocorreram e atuar nelas, fato que não ocorreu, pois, como disse o professor anteriormente, os alunos criavam apenas conflitos.

Neste caso havia a necessidade de se atuar na organização do grupo, desintegrando-o e dando oportunidade para que ele se auto-organizasse em seguida, a partir das emergências que ocorreram, porém o sistema (turma C) se comportou como um sistema fechado, não permitindo que houvesse trocas de informações e energias positivas, que vitalizam o processo e geram situações em que há sinergismo e convergência de pensamentos. Esta realidade traz consigo o sentimento de sofrimento do professor porque ele não conseguiu superar as bifurcações. Mas, para que isso seja superado, o professor não pode abandonar os alunos. Ele precisa ser capaz de se defrontar com esses conflitos e cuidar dos alunos, bem como precisa ser cuidado pelos gestores acadêmicos. Sem o cuidado necessário os sentimentos negativos podem predominar nas mediações, fato que é apregoado pela teoria das emoções e sentimentos de Damásio (1996, 2000, 2004).

Com o passar do tempo, o professor sentiu-se impotente e o desânimo foi tomando conta dele. Nas suas palavras: "não me sinto capaz de dar aula para essa turma, nada serve, sinto tristeza, raiva, indignação e desprezo por essa turma, não quero mais continuar a trabalhar com ela, não tenho o perfil esperado pelo coorde- nador do curso". Os sentimentos de fundo e os básicos negativos predominaram, pois havia sofrimento, e o professor afirma que não quer mais passar por um processo semelhante. Chega a afirmar que não tem perfil para trabalhar com situações conflituosas. Biologicamente, de acordo com Damásio (1996, 2000, 2004), o nosso organismo busca reviver os sentimentos positivos e evita relembrar os sentimentos negativos. Como o processo foi doloroso, ele não quer vivenciá-lo mais.

Outra situação que merece destaque, e que é apoiada na teoria das emoções e dos sentimentos de Damásio (1996, 2000, 2004), é a saúde do prof. Y. Afirma ele: "não perdi o sono com essa turma, não senti dor de estômago, mas sentia ansiedade e angústia quando chegava o dia de trabalhar com ela".

Primeiramente, cabe uma pergunta: se compreendermos saúde como um processo bio-psíquico-social-espiritual, a saúde do prof. Y foi afetada? A partir das informações citadas por ele e dos indícios levantados anteriormente parece que sim, pois o mesmo afirma que sentiu um alívio ao terminar o semestre e não ter mais de trabalhar com a turma C. No entanto, a intensidade do sofrimento pode ter sido enfraquecida, pois ele tinha muito prazer e sentia-se muito feliz em trabalhar com as turmas A e B, conforme citado na caracterização das turmas no início deste texto. Isto está de acordo com a teoria de Damásio, pois ele afirma que para as emoções e sentimentos negativos não predominarem há que se vivenciar

emoções e sentimentos positivos mais fortes, o que neste caso ocorreu.

Vale ainda lembrar que, na teoria de Damásio, a intensidade não é

amiga da extensão e o equilíbrio não é estático; ele é dinâmico e sempre procura

o bem-estar ou a sobrevida (DAMÁSIO, 2004).

O fato de buscarem a sobrevida pôde ser observado nesse caso, quando o professor e os alunos tornaram-se adversários e se defendiam uns dos outros. O professor afirmou: "a cada dia a convivência ficou mais difícil, era briga o tempo todo, o que eu propunha não servia, se eu propunha A eles queriam B". As aulas se desenvol- veram num clima de rivalidade, em que as emoções e os sentimentos negativos predominaram. Os alunos queriam atividades que contribuíssem no dia-a-dia profis- sional e o professor queria que houvesse a reflexão crítica. Criou-se uma situação em que as ações eram vistas como antagônicas, e não como complementares.

As situações conflituosas citadas acima favoreceram que a mediação desse processo fosse sofrida, triste, gerando ansiedade e angústia. As emoções básicas de tristeza e raiva dominavam o ambiente e os elementos que o consti- tuíam, e essas emoções básicas se tornavam emoções sociais, como o embaraço, a vergonha, o desprezo, o desrespeito, obstaculizando o processo de aprendi- zagem. Como disse o professor Y: "não tenho mais idade para agüentar desaforos, e eu respondia de acordo com as grosserias deles".

Estabeleceu-se uma relação de predador-presa, tendo ora o professor como predador e os alunos como presas, ora o professor como presa e o alunos como predadores. O processo foi dominado pela posição de retaliação, no sentido biológico, ou seja, a relação era de defesa e de ataque de acordo com as situações que eram geradas. Ambos se sentiam ameaçados, o que favorecia o aparecimento dos estigmas da filogênese e da ontogênese da animalidade humana.

Não podemos deixar de lembrar que o nosso cérebro é marcado pela evolução, pois é constituído por regiões antigas e regiões novas. A mais recente é o neocórtex, que dá a possibilidade de que a consciência exista nos mamíferos da espécie Homo sapiens e permite que os sentimentos façam parte da vida mental dos seres humanos, porém em muitas situações o nosso cérebro reptiliano se

manifesta para a nossa preservação (DAMÁSIO, 2002, 2004).

Podemos ainda compreender a situação vivenciada pelo prof. Y de acordo com a teoria da transdisciplinaridade, e para isso utilizemos a figura 6.

FIGURA 6 - RELAÇÃO PROFESSOR X ALUNOS DA TURMA C

FONTE: O autor

Os alunos e professores permaneceram no mesmo nível de realidade (NR1) e de percepção (NP1) e criou-se a dualidade entre ambos. Não houve oportunidade para que um terceiro elemento fizesse parte do processo (T) e mudasse o nível de consciência. O espaço do sagrado ficou blindado, eles não

conseguiram penetrá-lo. O professor e os alunos firmaram as suas posições e não abdicaram delas, não conseguiram dialogar mostrando a necessidade de cada parte, não conseguiram enxergar além das posições adotadas, não conseguiram ouvir o outro, permaneceram "cegos e surdos", não conseguiram se "desarmar", livrar-se das amarras e das gaiolas que os aprisionavam, o que tornou o processo difícil de ser suportado. "Ao terminar o semestre me senti aliviado, disse o professor Y."

3.2 DA PESQUISA DOCUMENTAL REFERENTE AOS PROGRAMAS

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