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2.5 PRINCÍPIOS INTERDISCIPLINAR E TRANSDISCIPLINAR

2.5.1 Interdisciplinaridade

A palavra interdisciplinaridade é formada pelo prefixo latino inter (HOUAISS, 2001, p.1632), que significa "entre", "no interior de dois", e DISCIPLINA,

do latim discere, que significa aprender ou ensinar matéria de ensino (VIARO,

2004, p.171, e CUNHA, 1986, p.268) e, para Houaiss (2001, p.1052), do latim, ação

de instruir, de ensinar.

Ivani Fazenda comenta que a palavra interdisciplinaridade é um neologismo, porém essa forma de pensar e de indagar não é recente. Diz ela:

George Gusdorf, desenvolvendo uma filosofia da história, apresenta uma evolução das preocupações interdisciplinares desde os sofistas e romanos até a atualidade, detendo-se particularmente nos momentos em que estas preocupações foram mais evidentes, como no caso do século XVIII, em que a passagem do múltiplo para o uno foi uma das maiores preocupações dos enciclopedistas franceses (FAZENDA, 1992, p.25).

Já no século XX, a interdisciplinaridade, segundo Moraes (2007), remonta

ao ano de 1961, nas Ciências Humanas, quando George Gusdorf desenvolveu um projeto para a Unesco. Ele buscava demonstrar que era necessário romper com o paradigma que estava em uso e que fazia com que o reducionismo e a disjunção fossem a regra e não a exceção, isto é, que seja agrupado dentro do paradigma vigente algo que não pode ser acolhido por ele, pois este é insuficiente. Da mesma maneira, a disjunção, que insistia – e ainda insiste – em separar o que não pode ser separado, como é o caso da mente e do corpo, da cognição e da corporalidade,

apesar de que, para se estudar, em alguns momentos é necessária a separação metodológica, ou seja, para estudá-los com mais profundidade, e que posteriormente tenham de ser juntados, como deixa claro Damásio (2004), quando estuda as emoções e sentimentos, apesar de aceitar que há perdas nesses processos, quando não se trabalha com a totalidade das pessoas, porém muitas experimentações não podem ser feitas diretamente em seres humanos.

Outro ponto importante é que as mudanças que ocorrem nas sociedades no que tange à convivência, à educação, às diferentes formas de ensinar e aprender sempre estão presentes, nos diferentes períodos históricos da humanidade, e sempre causam desconforto e resistência à mudança para aqueles que se encontram numa zona de conforto.

No Brasil, a interdisciplinaridade tem como destaque os pesquisadores Hilton Japiassu e Ivani Fazenda, para quem é necessário ressaltar, com muita ênfase, que não há um conceito único sobre a interdisciplinaridade e, portanto, é necessário reconhecer o momento em que ele pode e deve ser acolhido como fundamento.

Diante disso, Ivani Fazenda (2003) enfatiza que a interdisciplinaridade é

marcada em todos os momentos pela ação, fato que é aceito por Moraes (2007,

p.58), ao dizer: "a interação, ou seja, a inter-relação, é um dos aspectos fundamentais, uma das condições para a emergência do conhecimento interdisciplinar". Nota- damente isso nos leva a compreender que há diálogo em todos os momentos e com todos os participantes de um processo interdisciplinar, pois, caso isso não ocorra, as construções e reconstruções que podem ocorrer serão prejudicadas, deformadas, não haverá espaço para a curiosidade, para o desafio, para a intuição. Serão perdidas a força e a vitalidade desse processo.

Tão importante quanto a ação é a face epistemológica da interdisciplina- ridade que visa a reorganizar o conhecimento e que, por agora, ainda se encontra fragmentado, esfacelado, ora no especialista que sabe quase tudo sobre quase

nada, ora no generalista que sabe quase nada sobre tudo. Evidentemente, não podemos acabar com os especialistas e generalistas, pois eles têm hora e lugar para atuarem, mas o que fica posto é a necessidade de se reabilitar a inteireza

do conhecimento (JAPIASSU, 1976, 2006). Indo mais adiante, necessitamos

recuperar a inteireza do humano.

Para que isso se dê, sujeito e objeto necessitam ser considerados, porque ambos estão implicados, e corre-se o risco de se perder a visão da totalidade caso

isso não ocorra (MORAES, 2007). Necessitamos saber mais e melhor sobre o objeto,

pois não devemos e não podemos ficar apenas com alguns olhares dos sujeitos, uma vez que, se assim ocorrer, o processo fica apenas na subjetividade dos sujeitos e se torna um obstáculo epistemológico. Portanto, é fundamental que os sujeitos interajam o máximo possível entre si e com os objetos de conhecimento.

Ainda em relação à participação dos sujeitos, é fundamental lembrar que cada um desenvolve a sua ontogênese, pois cada um tem a sua história de vida, os seus medos, suas reflexões já feitas, suas insuficiências, suas superações frente às emoções e aos sentimentos que estão guardados nas profundezas dos corpos de cada participante e que são acessíveis apenas a eles. Portanto, as pessoas envolvidas em um processo interdisciplinar têm de ser aceitas e não apenas toleradas. O pesquisador Derly Barbosa cita como exemplo ele mesmo, ao participar de um trabalho interdisciplinar:

Ser aceito pela equipe demandou um amplo trabalho político e uma grande demonstração de competência. Eu conversava permanentemente com os seus membros e mostrava, através de artigos publicados na imprensa local, o compromisso político e o engajamento pedagógico na evolução de adultos (BARBOSA, 1991, p.71).

Ser aceito é fundamental, pois sempre influenciamos os processos em curso com as nossas falas ou ausência delas, com nossas emoções, com os nossos sentimentos e com a nossa corporalidade.

Como mostrado anteriormente, uma característica importante desse processo é que os sujeitos vão formar um grupo e que este está diante do objeto ou dos objetos que serão comuns a todos os participantes. Porém, não é qualquer grupo que pode ser formado, como nos adverte Demo (2005, p.99):

O grupo, para ser interdisciplinar, precisa representar disciplinas diferentes, de preferência de áreas mais distantes, por exemplo: grupo composto por engenheiro, sociólogo, estatístico e músico, para discutir qualidade de vida. De pouco adiantaria reunir cinco biólogos, razão pela qual uma coisa é trabalho de grupo, outra o trabalho interdisciplinar.

Como podemos perceber, não basta estar junto, muito menos juntar pessoas que têm a mesma formação. A diversidade de formações é crucial para que o processo seja levado adiante. Tão importante, ou mais ainda, é a participação dos sujeitos com conhecimentos profundos que propiciam que as emergências ocorram de forma não linear.

Pelo exposto, temos a necessidade de lembrar de que, para a interdisci- plinaridade chegar aos ambientes escolares, é mister que os participantes desse processo tenham domínio consistente das disciplinas que trabalham. Não se pode ficar na superficialidade, há que se buscar a radicalidade, no sentido de raiz, de profundidade, pois esta é insumo para o processo se desenvolver. Isso também pode gerar um obstáculo que precisa ser superado, ou seja, a formação do educador interdisciplinar vai acontecendo à medida que as vivências vão se desen- volvendo, mas necessita também de estudo, de pesquisa, de leitura, de elaboração de textos em que sejam reconstruídos os conhecimentos a serem trabalhados, pois a troca entre os sujeitos é obrigatória. Se não há o que trocar, não há construção ou reconstrução de conhecimento, o processo emperra, fica obstaculizado (MORAES, 2007; FAZENDA, 2003; DEMO, 2005).

Isso tudo nos faz ver que o conhecimento interdisciplinar situa-se na interface dos diferentes saberes, como afirma Moraes (2007, p.59): "este espaço comum poderia ser representado por uma integração mútua de conceitos, de idéias, de terminologias, de métodos, de procedimentos, de dados ou informações", mas é no diálogo que as diferentes visões tomam forma e fazem sentido para os participantes, chegando a uma representação comum a todos, por isso a amoro-

sidade se faz presente nesse processo, e diante disso Moraes conclui: "o que é de natureza interdisciplinar seria o elemento mediador da comunicação

entre os indivíduos" (MORAES, 2007, p.59). Portanto, percebemos novamente que o diálogo é peça fundamental, essencial, condição sem a qual o processo não se desenvolve. Porém, não basta dialogar, há que se olhar, perceber e registrar

as ações desenvolvidas para que o processo interdisciplinar flua.

Essa experiência compartilhada precisa ser cuidada, pois é preciso que o conhecimento interdisciplinar se transforme em atitude frente ao que consegue captar e, ao que não consegue, há que se valer da idéia, de Ivani Fazenda, sobre a espera vigiada, frente à humildade de reconhecer que há limitação e insuficiência no saber, coragem para fazer do velho o novo, responsabilidade ao trabalhar com as emoções e sentimentos do outro, amorosidade para poder acolher o outro e deixá-lo à vontade num processo em que todos contribuem e buscam saber mais e melhor.

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