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Atualmente ouvimos diariamente notícias relacionadas à violência que invade os ambientes escolares. As agressões são de todas as ordens, envolvendo alunos, professores e funcionários que desenvolvem alguma função nesses ambientes. A situação chega a ser alarmante. A escola precisa ser cuidada pelos gestores de educação, bem como pelas políticas públicas nas diferentes esferas governamentais.

Estamos vivenciando, nas escolas, situações que eram vistas apenas nos ambientes policiais, ou seja, o policial, ao sair de casa todas as manhãs, não sabe se volta; e, se volta, como volta? No cotidiano dos professores essas situações já estão presentes. Embora possa parecer exagerado, isso pode ser verificado diariamente nas notícias divulgadas pelos diversos meios de comunicação. Evidentemente, nem tudo que é divulgado é verdade, pois há muito sensacionalismo em jogo.

A violência é um tema muito amplo para podermos discutir em seus múltiplos aspectos. Cabe-nos, portanto, definir a que tipo de violência escolar nós estaremos nos referindo e qual é o seu alcance.

Seguiremos a classificação baseada em Bernard Charlot (2002):

ƒ Violência que tem origem externa à escola: um grupo invade a

escola em busca de vingança ou de confronto com alguém que está nas dependências dela, por exemplo, os traficantes de drogas.

ƒ Violência contra a instituição: depredação do patrimônio ou contra os

seus representantes (professores, coordenadores, diretores, funcionários).

ƒ Violência nas quais as vítimas são os alunos, os professores e fun- cionários e que é gerada internamente: relação entre alunos, relação

professor-aluno, relação direção-aluno, desqualificação de alunos, expo- sição de aluno a situações constrangedoras.

Essa classificação tem um cunho didático para que possam ser delimitadas as situações que fazem parte do sistema turma, sistema escola,

sistema bairro cercanias, sistema sociedade e sistemas e ideologias. A figura 3 representa esses sistemas.

FIGURA 3 - SISTEMAS DE VIOLÊNCIA

FONTE: O autor

Devemos lembrar que os sistemas se interpenetram, não são isolados e existem no mesmo tempo. Portanto, há convergências e sinergismo atuando de diferentes formas. As emergências ocorrem todo o tempo e muitas vezes há o surgimento de atratores estranhos que desencadeiam situações que podem fugir do controle e atingir muitas pessoas.

A partir dos sistemas anteriores, Charlot (2002) nos lembra que a diferenciação entre violência, transgressão e incivilidade pode nos ser útil, pois cada uma dessas situações merece atendimento específico, que vai da escola, da polícia, do conselho tutelar, à ação do professor em sala de aula.

ƒ Violência: o uso de força ou da ameaça na prática de delitos (lesão,

extorsão).

ƒ Transgressão: comportamentos contrários às regras estabelecidas

pela escola (falta às aulas, não participação nas atividades escolares, inadequação de comportamento em diferentes ambientes).

ƒ Incivilidade: prejudica a boa convivência, como a falta de respeito,

Percebe-se que os limites entre as categorias acima são muito tênues, podendo, a qualquer momento, se misturarem, ou seja, uma delas se tornar estopim para as outras. A importância dessa diferenciação é que a escola não deve

superestimar algumas situações nem subestimar outras. Cada situação merece o

tratamento adequado e na instância competente, pois é extremamente pernicioso deixar as coisas irem acontecendo e as pessoas responsáveis fingirem que nada aconteceu, se bem que a violência sempre é impactante, independente do lugar onde ela ocorre.

A violência escolar não atinge apenas os países não desenvolvidos ou em desenvolvimento; ela também afeta os países desenvolvidos, e, às vezes, de modo "espetacular". Um país que enfrenta esse problema desde os anos 1950 são os Estados Unidos da América. Segundo Frank J. Robertz (2007), baseado nas informações fornecidas pelo National Center for Education Statistics, Indicator of School Crime and Safety, o número de vítimas fatais de homicídios em escolas estadunidenses tem decaído nos últimos anos. Os períodos em que mais ocorreram homicídios anuais foram de 1992-1994, com 34 homicídios, e 1997-1998, também com 34. O período em que ocorreram menos homicídios foi de 2000-2001 (11 homicídios). Os últimos dados são referentes ao período de 2004-2005 (21 homicídios). A média no período de 1992-2004 foi de 24 casos anuais. Segundo Robertz (2007), a probabilidade de um jovem com idade de 5 a 19 anos morrer assassinado em uma escola nos EUA é de 1 em 1.700.000.

Como podemos perceber, o número de casos tem diminuído ao longo dos anos, porém o que passou a ser preocupante é a forma como a violência tem

ocorrido (ROBERTZ, 2007). Verifica-se o aumento da crueldade e da ferocidade

dos ataques com o uso de armas de alto poder de destruição. Vale ainda

lembrar que a manifestações de violência sempre estão imersas nos estigmas da nossa animalidade, uma vez que somos "máquinas de sobrevivência", como bem lembra o etólogo Richard Dawkins (2001) e Damásio (1996, 2000, 2004).

Essa tendência também já se manifesta no Brasil. Da agressão verbal se passou à agressão física, com o uso de armas de fogo, facas, canivetes, estoques,

barras de ferro, taco de sinuca, taco de baseball, arma de choque elétrico, sprays de pimenta, tendo como conseqüência o aumento dos casos fatais, porém ainda não há dados estatísticos oficiais.

Uma diferença importante entre o Brasil e os Estados Unidos é que, no Brasil, o acesso às armas de fogo é mais restrito, legalmente. Já nos Estados Unidos todo cidadão tem direito, garantido pela constituição, emenda número II, de possuir armas de fogo para a sua proteção, as quais podem inclusive ser

compradas pela Internet (DIREITO BRASIL, 2007).

Os fatos anteriores referem-se a um tipo de violência em que há vítimas fatais ou vítimas que ficaram com seqüelas e que chamam a atenção de todos os que tomam conhecimento desses acontecimentos.

Diante desses fatos a segurança passou a ser um produto que os pais buscam nas escolas para seus filhos. Criou-se o mercado de segurança escolar, em que a presença das câmeras que registram as imagens dos diversos ambientes escolares é equipamento obrigatório, bem como portões que registram entradas e saídas, programas de treinamento de funcionários e professores para que saibam como lidar nas situações de conflitos, colocação de máquinas de raios X e detectores de metais.

As situações comentadas anteriormente referem-se a um tipo de

violência extrema, que não é vivenciada diariamente nas escolas. Porém, quando

ocorre, choca qualquer pessoa que fique sabendo do que ocorreu. No entanto, há outros tipos de violência que acontecem diariamente e que precisam de atenção por parte dos dirigentes escolares, e que têm causas externas e internas às escolas. Segundo Cubas (2006, p.28):

As causas externas são: os ideais de gênero; sexismo; relações raciais, racismo e xenofobia, migração e conflitos regionais; estrutura familiar dos alunos; influências da mídia; características do ambiente onde a escola está inserida. As internas (aquelas que se originam no interior da escola) essas incluiriam: idade e nível de escolaridade dos alunos; regras, disciplina e o sistema de punições das escolas; a indiferença dos profes- sores frente a todos os casos de violência; a má qualidade do ensino; carência de recursos humanos e a relação de autoridade entre profes- sores e alunos.

De acordo com Cubas, a escola não pode negar que há geração interna de violência, pois quando isso acontece os problemas se agravam mais. E o conhecimento do que acontece fora da escola é fator decisivo, pois o interno e o externo misturam-se, influenciam-se, reforçam-se e favorecem que o medo surja e domine os diferentes ambientes. Por isso a escola não pode se render frente aos acontecimentos diários, pois ela é parte do problema e parte da solução, por isso é necessário que ela reaja, que busque saídas para que haja uma convivência

possível na escola e fora dela (CUBAS, 2006).

Então, nos ambientes educacionais não podemos deixar que as vítimas de violência (professores e alunos) sejam caladas, não sejam ouvidas. Elas precisam falar, expor como se sentem, sem que sejam discriminadas, sem que sejam expostas mais ainda, lembrando-se sempre que as situações que geram

medo não vão ser esquecidas e que necessitarão de acompanhamento de profissionais da área da saúde mental (LEDOUX, 2000, 2001, 2004, 2005).

O caso dos professores é muito grave, sejam eles as vítimas ou seus alunos, como podemos perceber nas palavras de uma professora citada por Candau (2000, p.144): "[...] Tinha tudo para ser um grande homem. Era inteligente e contestador. Levei zero na prova da vida, não venci o desafio [...] a minha maior dor é perder um aluno para o tráfico". A professora sentiu-se culpada pela morte do aluno, ela não conseguiu fazer nada, sentiu-se impotente ao longo do processo que se desenvolveu.

Como podemos perceber, um dos fatores externos mais perversos é o aliciamento de jovens pelos traficantes de drogas. Esse processo está em uma instância a que a escola não tem acesso, muito pelo contrário, pois muitas vezes ela se submete às ordens ditadas pelos grupos de traficantes. Essa situação atinge profundamente os professores, pois eles ficam imobilizados, não conseguem encontrar respostas de como mediar as situações que ocorrem em sala de aula e que são motivadas por dinâmicas externas de poder, em que o mais forte vence, e que invadem as escolas. Professores e alunos acabam se tornando vítimas do mundo do narcotráfico.

Como a professora conseguirá conviver com o sentimento de culpa e de impotência? Essa professora precisa ser cuidada para poder realizar o seu

trabalho, apesar de todas as dificuldades, pois os seus alunos também são vítimas. Porém, o professor não pode ser deixado só com seus sofrimentos, pois esse é o

caminho que leva ao surgimento dos transtornos mentais.

Em outro momento, Candau (2000, p.143) relata sobre uma professora que fala sobre uma colega: "Eu sei de casos de professores que foram ameaçados por alunos [...] Uma professora sofreu ameaça e ela reagiu para acabar com o problema ali na hora: 'se vai me matar, mata agora, depois não mata mais'". A reação da professora foi de revidar, encarar o agressor, porém ela assumiu o risco de ser agredida em sala de aula. O sentimento negativo fez com que a ameaça não fosse mais tolerada e ela partiu para o revide, para a retaliação. A professora ficou à mercê dela mesma e passou a correr o risco de ser agredida fora da sala de aula ou da escola, por não haver garantia alguma de proteção da sua integridade física. A professora não agüentou mais ser ameaçada, os sentimentos negativos e de sobrevivência tomaram conta dela e os estigmas da animalidade humana se manifestaram.

Há ainda os professores que não admitem se entregar, desistir de lutar. Candau mais uma vez nos auxilia dando o exemplo de uma professora de matemática.

É tudo muito difícil e não sabemos por onde caminhar. Só sei que me recuso a ser derrotada. Já até saí de sala dizendo que não voltava mais. Mas eu retorno a cada dia e tento fazer sempre novos recomeços. A violência, seja aqui em sala de aula, seja lá onde for, não vai me derrotar. Espero que não derrote também os alunos. Aí, a derrota seria geral (apud CANDAU, 2000, p.165).

Mais uma vez, vemos como os professores se sentem tocados profun- damente em seus valores frente ao processo de violência. A missão de educar e formar é marca na vida deles, pois a educação precisa ter como objetivos a busca da autonomia, o bem-viver, a superação do que oprime e aprisiona. Porém, só paixão pela profissão não garante que a violência diminua. É preciso atuar diariamente nas dinâmicas das escolas.

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