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ENTREVISTA DE GILBERTO MENDES AO ENTREVISTA MARÇO DE 1976 UMA CRÔNICA APÊNDICE

No documento É SAL É SOL É SUL DE NOUVEAU POIS!!! (páginas 151-159)

E

m março de 1976, o jovem jornal-laboratório ENTREVISTA, da recém criada Faculdade de Comunicação de Santos FACOS), já evidenciava não pretender limitar seu horizonte a uma tarefa prá- tica de uma disciplina formativa no novo e discutível caminho de profissio- nalização. Havia pouco tempo da implantação da exigência de diploma uni- versitário para o exercício da atividade. Aconteceu em 17 de outubro 1969. A chamada Segunda Junta Provisória, que governou de 30 de agosto a 31 de outubro daquele ano, publicou o Decreto-Lei nº 972 e alterou o ingresso livre na profissão, determinando em seu artigo 4º, item V. o registro prévio median- te a formação universitária comprovada. A medida não foi bem recebida, vista como um controle das redações jornalísticas como se dizia, mas provocou uma explosão de ofertas de cursos.

O ENTREVISTA trazia outras ambições, em sua essência. Já tinha co- meçado sua trajetória, sabia o queria. Um fator é que curso de Jornalismo da atual Universidade Católica de Santos, que incorporou as faculdades católi- cas da Sociedade Visconde de São Leopoldo, começou nos idos da década de 1950, na Faculdade de Ciências e Letras. Quando mudou a legislação profis- sional, muita história tinha passado, muitas gente boa se formado e atuante no mercado. Os alunos tinham mesmo criado uma redação para desenvolverem um jornal experimental. Outra elemento determinante foi o corpo docente que assumiu o projeto, profissionais tarimbados, alguns egressos da própria instituição. Para completar, com essa bagagem, desembarcou em Santos, uma cidade ainda inquieta, revolucionária, pioneira e de portas abertas ao mundo. O conjunto fez a diferença e explica, em parte, a longevidade da publicação, cinquentona agora, sem deixar de circular em nenhum ano e com prêmios e destaque nacional conquistados.

A diferença que o ENTREVISTA herdou e soube zelar por sua continui- dade, foi a de ser um jornal voltado para a Cidade, para a Região da Baixada Santista. Não um jornal tradicional destinado ao ensino das práticas jornalísti- cas, mas trazendo a tradição de fazer diferente em seu olhar e em sua tradução do cotidiano, de contribuir para a permanente reflexão sobre a sociedade e o

sem censura, sem rótulos, sem preconceitos. Abrir as páginas, apenas oito no início, de suas também oito edições anuais para as vozes criadoras, criativas, inovadoras, históricas, anônimas. Todas elas se misturavam no cotidiano da cidade portuária e do café que aqui se negociava, com seus sotaques distintos, com sua linguagem tão própria, com seus intensos sabores, com suas militân- cias e as repressões às vozes libertárias, com sua musa Pagú, parte integrante da consagrada modernidade da Semana de 1922. Uma urbe calcada na mistura de cenários culturais, permeando do elitismo ao popular, do erudito à inovação, do rotineiro cinema de Hollywood à desconstrução provocada pelos novos cinéfilos, do texto dilacerante do teatro de Plinio Marcos, da longa luta pela compra de um piano de cauda a quase inclassificável música de vanguarda.

Gilberto Mendes, um dos pioneiros do Movimento Música Nova que to- mava o mundo de surpresa, rompia as tradições, estilos e lógicas, afirmando que todo som era música, tinha, mesmo sem ainda existir a pauta e o agenda- mento formal, encontro marcado com os jovens jornalistas da FACOS. Com- partilhavam a mesma Sete de Setembro, a turma da FACOS ocupando salas cedidas no Colégio Santista e ele, aos sábados, ministrando um curso na Fa- culdade de Música, que ficava em frente.

Era inevitável, pode-se ver na perspectiva deste momento em relação ao intenso ano de 1976, que, sendo ele um dos ícones da resistência cultural san- tista e o jornal, buliçoso e irrequieto, determinado a fazer a diferença, ocorre- ria em algum momento estar Gilberto nas páginas do ENTREVISTA.

Aconteceu na distante edição de março daquele 1976. A entrevista foi contundente e carinhosa, com explicações técnicas e críticas ao fazer cultural. Escreveram os repórteres encarregados de conversarem com um dos monstros sagrados da cultura dessa terra até então libertária, fraterna e caridosa, que era uma pessoa de fala mansa, mas não era uma pessoa tímida. “E quando o assun- to é música, seus olhos brilham como nunca. Principalmente quando a música é de vanguarda.”, descreve o texto jornalístico de então. Ele falou à vontade, foi contundente e coerente com sua visão renovadora da cultura musical e da arte. E as páginas, hoje um pouco amareladas daquela edição, em um ano de tantos prêmios que o jornal-laboratório recebeu, tornaram-se um documento, um registro pontual, memórias de muitos.

Esse Gilberto Mendes das lembranças de 1976, o compositor da música que abriu outros caminhos, que dialogou com o concretismo poético dos sig-

nos culturais, que inspirou uma geração de músicos novos e pesquisadores, com a sua voz calma que ecoa em 2020, nós o reencontramos agora, nas re- ferências de um dos capítulos deste livro, primeira produção da cátedra aca- dêmica que lhe homenageia. No texto de um dos doutos pesquisadores aqui reunidos, lá estava a citação extraída daquela distante conversa.

Quantas coincidências pode conter uma única referência bibliográfica! Entender a intensa contribuição desse Gilberto Mendes e da turma de sua geração e das seguintes, é reconhecer os movimentos sociais e políticos ainda vigentes neste presente, é entender como ganhamos e perdemos espaços nesse tempo entre lá e cá. Republicar a entrevista do maestro e compositor ao ENTREVISTA é contribuir para essa revisão social com certeza, mas vai muito mais além das emoções afetivas nos atos da leitura e da escrita, muito além de homenagear os colegas que estavam lá, na redação de 1976, de valorizar o fazer cultural das gentes de nossa terra.

Reler-rever Gilberto Mendes, naquele breve momento perpetuado, é sen- tir pulsar vivo o compromisso de todos os que se envolvem nessa jornada - alunos, administradores, dirigentes, docentes desta instituição - em fazer um jornal que a Cidade gosta de ler.

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Neste Apêndice, reunimos os fac-símiles da edição do ENTREVISTA – jornal-laboratorial do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação de Santos, março de 1976, e uma transcrição dos textos.

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A crônica Entrevista de Gilberto Mendes ao ENTREVISTA. Março de 1976. Uma crônica apêndice é produção coletiva dos jornalistas docentes do ENTREVISTA. Dezembro de 2020.

No documento É SAL É SOL É SUL DE NOUVEAU POIS!!! (páginas 151-159)