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EXPLICAR PARA REVOLUCIONAR, OU PELO MENOS QUESTIONAR: EIS A QUESTÃO!

No documento É SAL É SOL É SUL DE NOUVEAU POIS!!! (páginas 67-70)

Alinhando-se consciente ou inconscientemente ao debate levado a cabo por Luigi Nono, ainda na década de 1950, alguns integrantes do movimento passaram a operar a partir de uma dinâmica nova, ou seja, quebrar o isola- mento do discurso, buscando explicar os fundamentos da opção estética para a opinião pública.

Musik.

Aos poucos Gilberto Mendes tomou a frente desse processo de divul- gação/edificação, convergindo, assim, a organização musical do evento com a difusão de seus ideais. E, provavelmente guiado pelo domínio apurado dos processos de comunicação de Geraldo Ferraz, o agenciamento vingou. Inclu- sive trazendo estratégias já utilizadas no Clube de Arte: o jogo das metáforas, das ambiguidades de sentido, enfim, do processo persuasivo dissimulando as intenções da resistência cultural.

Dito isso, cabe analisar que, diante da atitude de impor uma cultura do “não pensado” como forma de expropriação crítica, como diz Homi Bhabha sobre o “homem colonizado” (BHABHA, 2007, p.137), o jornalismo cultural ligado ao Movimento Música Nova assumiu uma postura proativa, dissimu- lando a mensagem de resistência pelo ato de abertura a uma fruição cultural de elite. Sem parecer subversivo, e cuidando de adjetivos que poderiam parecer apologéticos para os censores da Ditadura Militar, ou aos setores conservado- res mais atentos da sociedade santista, os textos sobre o Movimento Música Nova passaram a ser frequentes. E, através da divulgação de seu festival a partir do final da década de 1960, os textos começaram sutilmente a confrontar a cultura cotidiana não pelo estímulo à resistência política, mas por uma ex- posição de ideias que induziam a uma mudança de hábitos. Evidentemente seguindo uma estratégia discursiva, os artigos sempre se fundamentavam no sentido do valor da arte diante de sua função social. Faziam isso, conclaman- do a capacidade da “grande arte” de humanizar, de trazer novas condições de entendimento da realidade vivida. Enfim, era uma perspectiva, não de luta escancarada, mas de estímulo a um crescimento crítico para uma mudança de base social.

Percebe-se, também, observando a linha assumida pela seção de A Tribu- na que cobria o Festival de Música Nova - Artes e Artistas - que simplesmente divulgar eventos musicais não era suficiente para alcançar os velhos objetivos de esclarecimento da população. Fica claro que havia uma compreensão “edi- torial” de que o pleno gozo da arte como fator de desenvolvimento da “soli- dariedade humana” (mote dos socialistas e trotskistas) não seria construído apenas “explicando” a arte através de uma crítica “engajada”. Era necessário cumprir estágios de formação de público. Uma formação que extrapolava o stricto senso de aproximar a população da arte. A ação revolucionária pela arte

exigia mais. O esforço extra passava por uma interiorização da necessidade de transformar a arte num exercício de crítica social pelo debate, pela pedagogia e persuasão de sua necessidade como valor humano de posicionamento diante da sociedade em que se vive.

Apoiado nesse conceito de arte-ação, a linha desenvolvida para o Festival Música Nova dava espaço a textos que apelavam, primeiro, ao reconhecimento da tradição local com os grandes processos de transformação do Brasil: Ter- ra dos Andradas (entre eles, o Patriarca da Independência, José Bonifácio); de grandes poetas como Vicente de Carvalho e do movimento portuário. Em 1960, em um texto assinado por Willy Corrêa de Oliveira em A Tribuna a mú- sica de Gilberto Mendes é destacada por ser de um “compositor santista”. Mais que isso, nota-se uma construção de sentido que Santos encontrava-se com a tradição dos grandes homens e fatos pelo Festival de Música Nova (OLIVEI- RA,1960,p.10). Aliás, essa linha de raciocínio foi bastante explorada. Inúmeros são os artigos que usam o apelativo de “evento que projeta Santos no mundo” como um chamariz para atrair o público. Textos como Música Nova: mais uma vez Santos será líder (MENDES, 1976, p.6) ou Balanço da contribuição santista para a maturidade da nova música brasileira (MENDES,1975,p.5) são alguns dos muitos exemplos dessa estratégia de enraizamento, ou melhor, de vincular o homem da terra a uma mítica transformadora que incentive conterrâneos.

Amparado na força criativa de talentos como Willy Corrêa de Oliveira e Gilberto Mendes, o jornalismo guiado por Geraldo Ferraz cumpriu um dos desígnios de sua formação como jornalista cultural: discutir a arte como ele- mento de transformação social. E assim foi, de 1962 a 1977, observa-se uma estratégia editorial bem articulada. Observa-se, também, que essa estratégia de divulgação ajudou a impulsionar um evento musical, antes isolado num grupo diminuto vivido numa cidade de porte médio, num evento que, inclu- sive, colocou Santos nos anais da história da música brasileira. E mais, deu personalidade social a um compositor – Gilberto Mendes -; enraizou e proje- tou um evento que por si só seria fadado ao isolamento, como acontecera com todos os movimentos de vanguarda; e, porque não, projetou-se como projeto pedagógico na mais importante universidade brasileira, a Universidade de São Paulo, haja vista a importância de Willy Corrêa de Oliveira, Gilberto Mendes e Olivier Toni na construção do CMU-USP (Comissão de Música da Univer- sidade de São Paulo).

escrita para o movimento, entre 1970 e 1975, alguns compositores do Música Nova estavam na fase áurea do experimentalismo. Gilberto Mendes apresenta- va, então, grande parte desse modelo de composição, vinculado aos princípios de aleatoriedade, do concretismo, e da exploração cênica da mensagem mu- sical. Obras como Santos Football Music (1969), Blirium A-9 (1970), Atuali- dades: Kreutzer 70 (1970), Objeto Musical (1971), Asthmatour (1971) e Ópera Aberta (1976) tornaram-se obras antológicas desta estética. Willy Corrêa de Oliveira igualmente explorava o potencial do teatro musical ou do concretis- mo em obras como Ouviver a Música (1965), Cicatristeza (1973), Life Madri- gal, Phantasiestueck III. Ademais, nos concertos santistas eram programadas obras representativas dessa estética como, por exemplo, Aus Den Sieben Tagen, de Stockhausen, “regida” por Willy Correa de Oliveira.

Nessa senda do experimentalismo, o ideal do Movimento Música Nova ganhava ações diversas, como o do grupo Ficção Musical, que mesclava a tradi- ção da música popular com a linguagem de vanguarda. Outra vertente era im- posta por Rogério Duprat, que levava à música popular e ao cinema a lingua- gem do happening e da Neue Musik (o próprio happening como entidade da Neue Musik). Enfim, o movimento era diversificado e influenciava uma nova geração de compositores, como Rodolfo Coelho de Souza, Delamar Alvarenga, Roberto Martins, Gil Nuno Vaz, Jamil Maluf, entre outros. Alguns mais esco- lásticos, como Coelho de Souza, outros mais performáticos como Alvarenga.

Ademais, e reitero, todo este processo era vivido articulado como ações de difusão, como confirma Antônio Eduardo Santos, um dos intérpretes mais orgânico do movimento, a partir da década de 1980: “o Manifesto Música Nova preconizava a utilização dos meios de informação na ‘educação’, não como transmissão de conhecimentos, mas como integração na pesquisa” (SANTOS, 1999, p.4).

Esse é o aspecto que a trato seguir. A constituição do discurso para pro- mover uma ação que foi articulada por partes periféricas do sistema, ou seja, a imprensa, considerando que o núcleo era a música.

A VANGUARDA É POP: A DIVULGAÇÃO DO FESTIVAL DE

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