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Entrevista de Philippe Ariès por Michel Vivier, Aspects de Ia France, 23 de

No documento O TEMPO DA HISTÓRIA (páginas 187-190)

abril de 1954.

Philippe Ariès acaba de lançar pelas Edições du Rocher uma obra intitulada O tempo da história, cujo interesse nos parece capital. Formado na escola de Bainville, tendo posteriormente se orientado para o que chama "a história existencial", é a sua experiência de historiador e as suas concepções sobre o gênero histórico que Philippe Ariès expõe nos diversos ensaios que compõem seu livro. Com uma gentileza muito cordial. Philippe Ariès respondeu às questões que lhe propusemos para os leitores de Aspects:

P.A.: Estou absolutamente persuadido de que a história não está orientada num sentido ou em outro. Nada é mais falso do que a idéia de um progresso contínuo, de uma evolução perpétua. A história com sinalização não existe. Esta evidência é tão forte para mim que, talvez, não tenha insistido o suficiente sobre ela em meu livro. Mas quanto mais estudamos as condições concretas da existência através dos séculos, melhor vemos o que há de artificial na explicação marxista que muitos cristãos adotam atualmente. A história que atenta para todas as formas do vivido se inclina, pelo contrário, a uma concepção tradicionalista.

M. V.: Todavia, esta história que tende ao tradicionalismo é diferente da história bainvilliana? O senhor notou em seu livro que o sentido maurrasiano da tradição viva pode inspirar outras formas de história que não as vastas sínteses explicativas de que Bainville nos deu o modelo — sínteses que podemos chamar "mecanicistas", ou, melhor ainda, "cartesianas". O senhor poderia esclarecer melhor o seu ponto de vista?

P.A.: Bainville tinha um talento muito grande. Sua Historiada Terceira República, por exemplo, é de uma pureza de linhas admirável. E, depois, que lucidez na análise dos acontecimentos! Considerem-se as obras luminosas que se fizeram após a sua morte, reunindo os seus artigos nos jornais. Acrescento que ele era um mestre grande demais para não ser sensível tanto ao particular quanto ao geral, tanto às diferenças quanto às semelhanças. Mas creio que um certo perigo poderia provir dos continuadores de Bainville que aplicassem sem delicadeza seu método de interpretação e fizessem da história uma mecânica de repetição, pronta a nos dar sempre e em toda parte as lições já feitas. Para eles, a França deixaria rapidamente de ser uma realidade viva para tornar-se uma abstração submetida unicamente a leis matemáticas.

M.V.: Enquanto que, segundo o senhor, o verdadeiro historiador que seria ao mesmo tempo o verdadeiro maurrasiano — deveria empenhar-se em fazer a história do país real, com suas comunidades, suas famílias...

P.A.: Exatamente. A história é para mim o sentimento de uma tradição que vive. Michelet, apesar dos seus erros, e Fustel, tão perspicaz, tinham-no pressentido. Atualmente, esta história é ainda mais necessária. Um Marc Bloch mostrou o exemplo e Gaxotte, na sua História dos franceses o saudou como um iniciador. Mas, mesmo no público, este sentimento da história é bem mais vivo do que outrora. Tendo desaparecido muitas tradições (principalmente após a ruptura de 1880 de que falava Péguy), a história permite tomar plena consciência do que foi vivido espontaneamente outrora e, no final das contas, inconscientemente. Ter o sentimento da história é sentir e compreender que o presente não pode ser cortado nem do futuro, é claro, nem do passado.

M.V.: O senhor acha, então que há aí um campo magnífico a explorar pelos jovens historiadores que se preocupam com a sua nação. O seu livro, aliás, me parece ser de natureza a suscitar tais vocações.

P.A.: Ficaria muito feliz, pois essa história existencial mostraria como vivem as tradições no seio das comunidades. Algumas se continuam através de formas inéditas, e se há algumas que morrem, há também as que nascem. Um exemplo impressionante disto é o sentido familial. Num mundo mecanizado, o lar é provavelmente a única coisa

que escapa à técnica. Este sentido familial, tal como o entendem os modernos, vemo-lo

nascer no século XVIII, mas ele se afirma e se desenvolve de maneira paradoxal desde 1940 na maior parte dos países do Ocidente, exceto Espanha e Itália. Poderíamos supor que este pós-guerra, assim como o outro, traria uma epidemia de divórcios, uma

diminuição da natalidade e uma desagregação da família. Ora, nesses países que pouco tempo atrás eram malthusianos, é o contrário que se produz. Não houve nem repetição mecânica, nem evolução linear, mas um fato novo a criar uma nova tradição: este aumento dos nascimentos e este estreitamento dos laços familiares se constatam tanto na Inglaterra como na França, e as festas da coroação mostraram um matiz particular de iealismo, aquele que se endereça menos a uma pessoa monárquica isolada do que ao conjunto de uma família, ao conjunto de um lar. Lealísmo que muitos franceses, coisa divertida, sentiram quase que de maneira igual aos próprios ingleses. Jacques Perret divertiu-se com isso.

M. V.: Sem dúvida, não abandonaremos o domínio da história se lhe perguntarmos sobre seus projetos.

P.A.: Não abandonaremos nem mesmo o domínio da família. Estou estudando atualmente o sentimento da infância através dos séculos. No século XVIII, a infância já inspira aos adultos os sentimentos modernos que conhecemos. É, pois, entre a Idade Média e o século XVIII que estou estudando a evolução destes sentimentos. A iconografia fornece fontes interessantes. Além disso, tudo o que diz respeito à vida escolar é praticamente desconhecido. Isso é tanto mais curioso quanto a história é

ensinada por professores: o passado de sua própria corporação não parece interessá-los. Ora, aí há uma mina...

Conversamos ainda longamente com Philippe Ariès, que nos falou sobre o vivo interesse que tem pela página literária deste jornal. Para terminar, ele deseja que sejam numerosas entre os jovens leitores as vocações de historiadores e que seja melhor compreendida e mais amada, por eles, a tradição francesa.

Anexo IV: Carta de Victor L. Tapié a Philippe

No documento O TEMPO DA HISTÓRIA (páginas 187-190)