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Entrevistas individuais semiestruturadas em profundidade

É através das narrativas que os sujeitos significam suas histórias de vida e suas experiências para os outros e para si próprios. Por esta razão foi escolhida a técnica de entrevistas individuais para coligir e compreender o segundo conjunto de dados, visto que nas entrevistas individuais as acadêmicas podem relatar suas vivências nos ensinos fundamental e médio, na graduação e durante a pós-graduação, os motivos de suas escolhas por certa área, vivências discriminatórias, desafios e obstáculos profissionais, estratégias de sobrevivência no ambiente organizacional, processos como competitividade, demandas por produtividade elevada, postergação ou recusa à maternidade, assédios diversos, em síntese, aspectos que atravessam a construção de seus habitus, produzem certos discursos e suas identidades de mulher e de cientistas.

A técnica mais comum e mais conhecida de apreender, analisar e compreender as narrativas pessoais e que é empregada nesta investigação na coleta de material qualitativo é a entrevista em profundidade. Graças à validação rigorosa (o que é diferente de rígida) das fontes orais, como é o caso das entrevistas, por exemplo, narrativas, memórias,

123 experiências, valores e opiniões de alguns sujeitos auxiliam na compreensão do grupo no qual estes indivíduos entrevistados/ouvidos estão inseridos, isto é, o caráter científico destes relatos (histórias orais, entrevistas, grupos de discussão) advém do fato de expressarem elementos pertinentes ao grupo maior no qual o entrevistado se encontra,

Giving voice to experience is a key mechanism through which feminist and critical theories seek to challenge existing power structures. A feminist epistemology seeks to deconstruct the power relations which underpin the production of knowledge (SAVIGNY, 2014, p. 798). O aparecimento da entrevista em profundidade enquanto recurso metodológico acontece por volta dos anos 1930 no bojo dos levantamentos na área de serviço social nos Estados Unidos, adquirindo maior projeção a partir da década de 40 com os trabalhos psicoterápicos de Carl Rogers voltados para a pessoa do paciente (MEDINA, 1995). Assim, a entrevista em profundidade individual é uma técnica que explora uma temática buscando informações e percepções do sujeito (sem perder a perspectiva do grupo no qual ele se encontra) para compreendê-las e as apresentar de forma científica. Nestes termos,

(...) a entrevista de pesquisa pode ser definida como uma conversa entre duas pessoas, iniciada pelo entrevistador, com a finalidade específica de obter informação relevante e centrada no conteúdo explicitado pelos objetivos da pesquisa, que são de descrição, predição ou explicação (CANNELL e KAHN, apud MATA MACHADO, 2002).

Em se tratando de técnicas qualitativas há que se lembrar de que é impossível reduzir uma entrevista a outra ou elaborar generalizações para todo um grupo a partir de entrevistas singulares e únicas. Porém, a partir do marco teórico da Análise do Discurso Crítica, aqui se entende a fala dos sujeitos enquanto vozes que ecoam representações, significações, lugares de fala, valores e experiências coletivas, elementos que são localizados espacial e temporalmente, ou seja, o que é verbalizado não é neutro, ao contrário, é localizável sócio historicamente (FOUCAULT, 2008). Com efeito, nesta pesquisa, a entrevista

(...) é definida como uma interação verbal que permite a obtenção do discurso de sujeitos determinados sócio-historicamente. As trocas linguísticas realizadas no processo objetos de análise (...). o entrevistado, enunciador do discurso, embora substituível, é sujeito central, que se inscreve em uma formação discursiva, ela própria relacionada a outras formações discursivas. É sobre a enunciação, correlata de uma determinada posição sócio-histórica, que são buscados os processos psicológicos e sociais concernentes ao problema pesquisado (MATA MACHADO, 2002, p. 35).

124 Além disso, a perspectiva pós-estruturalista jamais deixa de considerar que o sujeito é efeito das relações de poder e de saber, sendo estes fenômenos veiculados e feitos por meio dos discursos. Neste sentido, aqui se entende que o discurso não somente interdita ou cerceia, mas também é a relação sociocultural e política de poder que cria as próprias realidades, além de nomeá-las. No caso ora tratado, as acadêmicas (mulheres docentes pesquisadoras) estão imersas em certas redes de poder que, através dos discursos que circulam nestes contextos, as ‘produzem’ profissionalmente e, em certo nível, também pessoalmente, de uma determinada maneira e não de outra, por exemplo, de um modo distinto da dona de casa, da política, da gestora, da prostituta, da executiva etc.

Com isso é possível pontuar aspectos comuns nas trajetórias de vidas de pessoas que são mulheres e acadêmicas, experiências semelhantes que, apesar de vividas e significadas de modo único, aportam certos padrões culturais e sociais para o grupo como um todo. Tal técnica permite que o pesquisador ajuste mais livremente a mesma pergunta conforme o linguajar, a formação e o contexto do sujeito enfocado, não intencionando quantificar suas respostas, mas sim entendê-las dentro de um todo maior (seu grupo de pertencimento e como elas se relacionam ao foco de investigação). Nestes termos, o corpus das entrevistas possibilita se passar da teoria mais ampla e abstrata à empiria, ou seja, pormenoriza a teoria e os conceitos empregados em dados concretos:

A entrevista em profundidade é um recurso metodológico que busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer (...); os dados não são apenas colhidos, mas também resultado de interpretação e reconstrução pelo pesquisador (...); as perguntas permitem explorar um assunto ou aprofundá-lo, descrever processos e fluxos, compreender o passado, analisar, discutir e fazer prospectivas (MEDINA, 1995, p. 146).

A entrevista não viabiliza tratar estatisticamente as informações, mas permite saber como os fenômenos são percebidos, vividos e significados pelos sujeitos. As hipóteses são substituídas pelos pressupostos, mais profícuos no direcionamento da análise e da teorização acerca dos dados coletados. Logo, a entrevista em profundidade se constitui em uma técnica flexível e dinâmica, ordenando-se a partir de poucas perguntas capazes de apreender tanto os assuntos relacionados à subjetividade dos entrevistados quanto suscitar processos sociais nos quais os sujeitos estão imersos (MEDINA, 1995). Considerando que os processos macrossociais só se concretizam a partir das ações individuais, por meio das entrevistas podem-se acessar fatores complexos

125 da realidade maior, ou seja, os discursos individuais revelam experiências e significados assentados na cultura e recursivos ao longo da história.

Além disso, também valoriza o que é idiossincrático aos sujeitos, aquilo que não é recorrente. Com efeito, as categorias concretas de análise centrais da investigação deste estudo se constituem por: condição de ser mulher no mundo acadêmico, a identidade de cientista no mundo doméstico e nas relações familiares, preconceitos e discriminações de gênero que elas possam ter vivenciado ou visto, relações (conciliação e/ou conflito) da profissão com a vida familiar e com a maternidade e o casamento, relações de poder no ambiente profissional, as interações com colegas do mesmo sexo e com colegas homens e as micropolíticas das organizações científicas, ou seja,

Narrative models of analysis can provide us with insight into how human beings understand and enact their lives through stories, how interview respondents explain their situations and how researches can seek out causes to explain an end outcome by considering critical moments (AISTON & JUNG, 2015, p. 214).

Optou-se por organizar cada questão em torno de um tema específico, o que não impede que as mulheres entrevistadas possam ‘puxar’ assuntos que serão tratados posteriormente ou então que retomem assuntos já abordados; a vantagem desta estratégia é que permite uma pré-estruturação para a comparação posterior das respostas sobre um mesmo assunto, ou seja, o roteiro de questões centrais funciona como referência para a descrição e análise das categorias centrais. O roteiro (anexo I) foi segmentado em três blocos: 1- dados socioeconômicos e demográficos; 2- trajetória escolar e formação acadêmica; 3- assimetrias de gênero no ambiente acadêmico atual.

A seleção dos sujeitos das entrevistas se deu em razão do vínculo formal na instituição (se, além de doutora, isto é, ter alcançado o grau mais alto da carreira acadêmica e também integrar algum programa de pós-graduação strictu sensu) e da disponibilidade e interesse em falar sobre o tema em questão, ou seja, foi uma busca intencional, não probabilística, como acontece nos métodos qualitativos. Por isso as fontes nos métodos qualitativos são poucas e, em geral, não se fala em amostragem, mas sim em representatividade dos sujeitos em relação ao assunto tratado. Logo, a escolha das pessoas “(...) está mais ligada à significação e à capacidade que as fontes têm de dar informações confiáveis e relevantes sobre o tema da pesquisa” (MEDINA, 1995, p. 169): Mais que uma técnica de coleta de informações interativa baseada na consulta direta a informantes, a entrevista em profundidade pode ser um rico processo de aprendizagem, em que a experiência, visão de mundo

126 e perspicácia do entrevistador afloram e colocam-se à disposição das reflexões, conhecimentos e percepções do entrevistado. (...), o uso de entrevistas pode ser imaginativo e crítico, sem que se perca o rigor metodológico (MEDINA, 1995, p. 174).