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Métodos e técnicas de tratamento e de análise dos dados

Os dados quantitativos foram coletados em bases secundárias22: no banco de dados referente aos pesquisadores da UFMG (Somos UFMG), na Plataforma Sucupira e na Plataforma Lattes do CNPq. Tendo-se em vista que o intuito do estudo é a complementação de diferentes tipos dados e não um estudo estatístico, os números, percentuais e médias não foram cruzados entre si. As etapas do âmbito quantitativo, tendo como base no ano de 2016, são as seguintes:

• Levantamento percentual do número de pesquisadoras e de pesquisadores de todos os atuais 74 cursos de pós strictu sensu da UFMG;

• O percentual e números absolutos de acadêmicas e de acadêmicos agrupados em 6 grandes áreas de conhecimento: ciências da saúde; ciências humanas, letras e artes; ciências biológicas; ciências sociais aplicadas; ciências agrárias e da terra; ciências exatas23;

• Contraste do número do total de alunos regularmente matriculados em todos os cursos de graduação da UFMG com o percentual de doutores e de doutoras que integram os 74 cursos de pós-graduação strictu sensu, isto é, os extremos da carreira acadêmica;

• Comparativo de produção científica (artigos, orientações etc.) geral entre o grupo de docentes homens e o de docentes mulheres nestes 74 programas;

• Contraste da produção científica destas acadêmicas e acadêmicos agrupados nas seis grandes áreas já mencionadas;

22 No entanto, todos os percentuais, gráficos e tabelas apresentados e analisados foram elaborados pelo pesquisador, daí que se pode dizer que o estudo foi, em parte, quantitativo.

23 Ciências Humanas e Letras & Artes foram agregados bem como Ciências Agrárias e Ciências da Terra porque, no contexto da UFMG, as áreas de Artes e de Ciências da Terra possuíam somente dois cursos.

127 • Verificação do percentual de pesquisadores e de pesquisadoras nos cursos

segundo a avaliação da CAPES, que vai do conceito 7 ao conceito 3;

• Comparação do percentual de docentes de ambos os sexos em dois grupos de cursos: aqueles que possuem os níveis mestrado & doutorado com aqueles cursos que ainda só oferecem o nível mestrado;

• Verificação do percentual de homens e de mulheres em cada categoria profissional da carreira acadêmica, isto é, titulares, associados e adjuntos;

• Mensuração da distribuição por sexo em relação às Bolsas de Produtividade do CNPq, cujas categorias são 1A, Sênior (agrupadas), 1B, 1C, 1D e 2;

• Por fim, contraste entre o número de professoras pesquisadoras autodeclaradas negras, pardas, brancas, indígenas e amarelas com o número de professores pesquisadores autodeclarados nestas categorias étnico-raciais;

Já os dados qualitativos foram analisados segundo critérios e categorias temáticas e semânticas-chave, separadas, reagrupadas e relacionadas entre si e com a teoria mais ampla subjacente ao estudo. Tais unidades de análise (por exemplo, o termo ‘maternidade’) funcionam com aglutinadoras e contextualizadoras de trechos, respostas e considerações das entrevistadas acerca de um assunto sem, contudo, negligenciar a ‘diferença’, o desvio e os assuntos, experiências e/ou temáticas únicas, que apenas um sujeito trouxe. As entrevistas foram transcritas literalmente e em seguida os trechos foram segmentados de acordo com códigos provenientes do roteiro de entrevistas (anexo I). Desta forma, a própria categorização foi uma pré-análise, já que

Categorias são estruturas analíticas construídas pelo pesquisador que reúnem e organizam o conjunto de informações obtidas a partir do fracionamento e da classificação em temas autônomos inter- relacionados. Em cada categoria o pesquisador aborda determinado conjunto de respostas dos entrevistados, descrevendo, analisando, se referindo à teoria, citando frases colhidas durante as entrevistas e a tornando um conjunto ao mesmo tempo autônomo e articulado (MEDINA, 1995, p. 240).

O principal critério para a organização de cada categoria é que possuísse coerência interna, isto é, cada categoria semântica deveria ser 1- proveniente de um único princípio classificatório; 2- ser exaustiva; 3- mutuamente exclusiva, ou seja, certa resposta deveria ser alocada em uma única categoria e, simultaneamente, todos os elementos de certo tema deveriam estar na mesma categoria. Isso foi possível porque nos estudos qualitativos, por

128 intermédio das entrevistas semiestruturadas, as categorias já se consolidam no roteiro de questões. Portanto, o produto surgido de tais análises é mais reflexivo e descritivo que conclusivo, daí a importância da confrontação com outros tipos de dados, no caso aqui tratado, índices referentes ao percentual de professoras pesquisadoras na UFMG e à produção acadêmica comparada de homens e de mulheres.

As indagações que orientaram a pesquisa giram ao redor da constatada assimetria entre mulheres e homens, o que poderia provir de e/ou provocar preconceitos e discriminações enfrentados por mulheres que integram o universo acadêmico na UFMG, fenômenos que estabelecem estratégias discursivas de poder que constituem as relações de gênero neste espaço e que, por seu turno, atuam na elaboração da cultura organizacional e na produção das subjetividades ali presentes. Posteriormente alguns trechos das entrevistas ligados à certa temática foram agrupados por grandes blocos, assim, as entrevistadas foram ‘desmontadas’ da ordem da fala original e ‘remontadas’ conforme os eixos temáticos. Por exemplo, se no princípio da entrevista uma entrevistada discorreu sobre assédio sexual no ambiente acadêmico e no final, suscitada por outra pergunta, ela tocou no mesmo assunto, esses dois trechos foram acoplados e, para mostrar que não se trataram de um mesmo momento da conversação foi usado o símbolo (...).

A partir disso, aqui se têm as falas, opiniões e considerações dos sujeitos como compostos por enunciados sobre mulheres e homens na academia e na ciência, como formações discursivas presentes neste espaço social, não obstante diferenças de um programa de pós-graduação para outro, de um departamento para outro dentro de um mesmo curso (por exemplo, Psicanálise versus Psicologia Social no curso de Psicologia), foram compreendidas como ideais regulatórios dos modos de fazer, de pensar e das regras tácitas e/ou oficiais de ser sujeito (indivíduo e profissional), acarretando permanente atualização na realidade e na materialidade concreta destes espaços e dessas pessoas.

No que se refere à análise e compreensão dos dados qualitativos coletados através de entrevistas semiestruturadas individuais em profundidade, após categorização, empregou-se a Análise do Discurso baseada na perspectiva francesa, considerando que o sujeito não possui uma essência, mas que sua singularidade é engendrada nos e através dos discursos sociais (FISCHER, 2001). Considerou-se o discurso como lugar de permanente disputa através dos enunciados que quase nunca são óbvios, são ocorrências que se manifestam em práticas discursivas (currículos, reprovações verbais, chacotas, por exemplo) e que demandam certo ceticismo na análise, pois os sujeitos, muitas vezes não

129 propositalmente, usam estratégias diversas para não dizer algumas coisas ou então para levar o interlocutor a crer no que ele deseja.

Ademais, neste estudo procurou-se entender o discurso em relação ao seu papel de criador de realidades (como o sujeito ‘mulher pesquisadora’, por exemplo) e quais seus efeitos de verdade na elaboração de subjetividades e das práticas sociais. Isso significa dizer que a AD de vertente foucaultiana toma o discurso como processo social que produz sujeitos portadores de determinados habitus em dados contextos, aqui fazendo um elo com a terminologia bourdieusiana. Portanto, a Análise do Discurso ora utilizada não se interessa em ‘descobrir’ verdades ocultas, mas sim em pensar sobre os efeitos de certos discursos para a constituição de dados sujeitos (e não outros, por exemplo, os discursos acadêmicos constroem a cientista, e não a miss universo, esta será constituída algures por outros discursos).

Dizendo com outras palavras, foi buscada uma abordagem da AD pós- estruturalista à compreensão dos dados qualitativos almejando entender como os discursos circulantes no contexto acadêmico da Universidade Federal de Minas Gerais (e que aparecem, ainda que fragmentariamente, nas falas das mulheres entrevistadas) produzem, restringem, ampliam, cerceiam, afetam, subjetivam enfim, os modos de ser pessoal, social e profissional dessas mulheres (seus habitus, p.e.) que se dedicam à pesquisa e à docência nesta instituição.

Nesta visão, a subjetividade está intimamente vinculada às relações de poder (FISCHER, 2001). O poder (sempre exercido e em movimento, nunca ‘possuído’ por um grupo ou indivíduo) não age somente reprimindo ou subordinando os sujeitos, mas, sobretudo, fazendo parte do processo de constituição das próprias subjetividades. Portanto, as subjetividades são artefatos das relações de poder, não existindo fora dos discursos (logo, fora do histórico-sociocultural). Assim, é na esteira do projeto teórico de Foucault (2004), que mostra que o discurso sobre a loucura antecede a figura do louco que aqui se entende que o discurso acadêmico capta, cria, dá nome, molda, modela e governa a subjetividade ‘cientista’ (masculina e feminina).

Logo, os sujeitos materializam, através de suas vidas cotidianas, as subjetividades que foram articuladas por meio dos discursos. Neste ponto de vista, os discursos precedem as subjetividades e os sujeitos. Dentro e entre os discursos as relações de poder usam procedimentos e estratégias de subjetivação que excluem, interditam e/ou rechaçam

130 outros discursos (e, consequentemente, outras subjetividades), principalmente através do processo de elaboração do verdadeiro e do falso, do que pode e do que não pode ser dito, quais habitus constituem capital e quais geram ‘prejuízo’ etc. Sendo assim, o discurso não está no interior dos sujeitos, mas circula entre eles, delineando as regras dos jogos discursivos para certo lugar e/ou tempo – quem pode e quem não pode falar, o que pode e o que não pode ser dito, o que é ‘verdadeiro’ e o que é ‘falso’.

Segundo Fischer (2003), as principais contribuições metodológicas aos que se dedicam a uma análise dos discursos a partir de Foucault seriam: 1) os discursos são espaços de permanente luta; 2) os enunciados quase nunca são óbvios e raramente são excludentes, isto é, ao pronunciar alguma coisa, alguém está pronunciado uma série de outras coisas e, inclusive, o contrário daquilo que verbalizou; 3) é necessário prestar atenção às práticas discursivas e também às não discursivas e 4) sempre ter uma postura de dúvida em relação ao que é investigado (no caso, falado, lido, escrito, etc.).

Balizar-se pelo primeiro item significa considerar que o discurso não deve ser visto como simples conjunto de representações via signos, mas também como práticas sociais que produzem ‘as coisas’ da qual falam. No entender de Foucault (2007 [1966]), os objetos e as palavras interagem de modo complexo e possuem uma relação histórica, interação esta imersa em interpretações e construções várias e atravessadas por relações de poder. Além disso, analisar o discurso a partir do marco foucaultiano é entender que certos significados e certas ‘verdades’ são construídos e outros são rejeitados, logo, descrever e entender os enunciados é compreender que o que é dito são ocorrências sociais que se dão em contextos específicos – em um certo lugar e/ou momento.

Investigar sob as lentes das práticas sociais não discursivas e discursivas é dar visibilidade às consequências destas práticas que se exercem tanto a partir do propriamente discursivo – enunciados, linguagem, imagens, currículos – quanto podem também ser verificadas em outras práticas culturais ou institucionais – ritos, didáticas, arquitetura das edificações, organização dos espaços, distribuição das pessoas, comportamentos individuais – práticas estas que nunca se encontram isoladas, ainda que digam respeito a um acontecimento único – um exercício em uma aula de educação física, por exemplo – ou a um sujeito; práticas discursivas e não discursivas, sujeitos e ocorrências estão sempre imbricados entre si.

131 Cabe ao pesquisador atentar para estas práticas produzidas nas relações de poder/saber de dado período histórico e/ou local e analisar os enunciados tidos como verdadeiros para aquele contexto e que se manifestam naquele cotidiano (FISCHER, 2003), afetando os sujeitos e engendrando certos modos de viver (e repudiando outros). Já trabalhar a partir da dúvida implica em não acreditar que o que é dito representa ‘a verdade’, além de não pretender realizar uma comprovação do que veio sendo produzido sobre o tema, mas, diz respeito a guiar a pesquisa através de um caminho que privilegie a diversidade de interpretações e a pluralidade de enunciados sobre uma temática.

Com efeito, é mais importante indagar sobre as ‘formas’, os ‘modos pelos quais’ e quais os ‘efeitos de’ do que perguntar ‘o que é’, ‘onde surgiu’, ‘por que disso’, em relação aos enunciados analisados em uma pesquisa. Isso implica em não acreditar em essências ou realidades metafísicas, mas sim que as relações de poder e de saber, cujos discursos são uma forma de expressão, constituem as coisas. Em relação aos indivíduos, o discurso não é subjetivo, ou seja, não é algo que alguém isoladamente verbalizou (ou escreveu), mas o discurso subjetiva os indivíduos, modelando-os segundo certas relações de poder. Logo, evitando as grandes explicações de ordem macrossocial, tal abordagem acerca do discurso abre mão

(...) das explicações de ordem ideológica, das teorias conspiratórias da história, das explicações mecanicistas de todo tipo (...). É dar conta de como nos tornamos sujeitos de certos discursos, de como certas verdades se tornam naturais, hegemônicas, especialmente de como certas verdades se transformam em verdades para cada sujeito, a partir de práticas mínimas (...), cotidianas. (...). Pesquisar a partir destes pressupostos significa também e, finalmente, dar conta de possíveis linhas de fuga, daquilo que escapa aos saberes e aos poderes (...) (FISCHER, 2003, p. 385).

Foucault (2007 [1966]; 2008 [1969]) toma os enunciados como questão central para a AD, entendendo-os não como elementos psíquicos de um pensamento interior do sujeito individual, mas como algo que ultrapassa a verbalização. Os enunciados são tratados como a manifestação de um saber e, aceitos, são repetidos, transmitidos e geradores de sentido e de realidade. Não raramente os enunciados são também transformados já que são apropriados pelas pessoas. Os enunciados constituem um tipo especial de ato discursivo porque delineiam o que é tido como verdadeiro ou não em certo espaço e tempo a partir da constituição de um campo de sentido particular que acolhe ou rejeita comportamentos, produzem práticas cotidianas, interpelam sujeitos. É permitido,

132 assim, pensar que o conceito de campo em Bourdieu (1983) pode ser aqui trazido para se compreender o funcionamento do enunciado em certo lugar e não em outro.

Conforme Fischer (2003), o que interessa à AD fundamentada em Foucault é entender os enunciados enquanto práticas discursivas vinculadas a um referencial social e histórico, a um sujeito (individual ou coletivo) e a uma materialidade específica, isto é, os enunciados possuem funções de produção e nunca são analisados ‘soltos’, em si mesmos. A partir do enunciado se compreende as relações que estão em jogo, quais sentidos estão delimitando determinada oração e qual o valor de verdade de uma proposição. Cabe então, através da AD, descrever e entender as condições, o campo de emergência e as funções formativas do enunciado. O referencial a partir do qual trabalha o pesquisador para compreender o enunciado concerne às condições (sociais, culturais, políticas, históricas) que possibilitam a manifestação de certos enunciados (e, correlativamente, a rejeição de outros).

Outro ponto importante da AD foucaultiana é considerar que o enunciado possui um domínio em torno de si: se encontra em um espaço e em um tempo e está em rodeado de outros enunciados com os quais mantêm relações de repúdio e/ou de apoio. Assim, um enunciado pode tanto atualizar e ser atualizado por outros quanto ser desautorizado ou desautorizar outros; o enunciado nunca é independente do contexto, sempre está inserido em circunstâncias (‘lugares’ ou posições sociais que tanto produzem quanto são produzidos pelos discursos) e em relações de poder.

Ademais de possuir um tempo e um local, o enunciado também possui uma materialidade, que vem a ser as práticas sociais, os sujeitos (e, porque não, seus habitus) e as coisas que, ao serem nomeadas, são produzidas pelo discurso. Visto que os enunciados nunca conseguem abarcar todas as possibilidades do que poderia ser dito sobre algo, os enunciados que emergem (por exemplo, em uma situação de entrevista) geralmente estão em defasagem em relação à realidade sobre a qual dizem algo e também nunca são únicos, isto é, sobre aquele mesmo assunto se poderia/poderá dizer outras coisas (FISCHER, 2001); daí que é importante também, na pesquisa, se analisar os enunciados em suas fronteiras do que não foi dito, os enunciados que foram excluídos ou mesmo os que nem emergiram naquele contexto.

Tal exclusão não significa que dado enunciado ocupe o lugar de outro, mas sim que as circunstâncias sociais, culturais e históricas – aquele campo – propiciam a

133 emergência de certos enunciados e se esforçam em rechaçar outros; daí que todo enunciado ocupa um lugar determinado na cadeia discursiva e, consequentemente, na sociedade. Nestes termos, a AD objetiva conhecer e compreender, por intermédio dos enunciados, que sistema social singular é esse que favoreceu a sua manifestação (e não de outros enunciados). De fato, os discursos sempre são espaços de luta política (FOUCAULT, 2008 [1969]). Deste pressuposto decorre que ao proceder à análise discursiva o investigador parte da exterioridade do mesmo, posto que são as condições de possibilidade, as relações de poder e os conflitos que particularizam os efeitos e a própria existência dos enunciados.

Em razão disso, as análises do discurso informadas por esta perspectiva não tomam os enunciados como tradução exata de uma realidade psíquica individual, mas sim como espaço de relações, de lutas e de transformações constantes. Em função disso a AD não entende os domínios enunciativos enquanto particularidades de um sujeito individual transcendente, porém, como um espaço cuja configuração indica os lugares ocupados por aqueles que falam através dos enunciados. Assim, ao analisar a história do que foi dito e dos objetos referidos por meio do discurso o pesquisador não deve procurar uma ‘natureza última’ dos objetos, não importando tanto quem fala, mas o fato de que quem diz não diz de um lugar vazio, se encontra imerso em um jogo exterior de poder ao discurso.

Fischer (2001) ainda postula que é o contexto que diz o que é possível/permitido dizer naquele momento, portanto, é profícuo analisar os enunciados em seus contatos com a exterioridade, pois é a partir disso que o pesquisador dá conta de mapear, descrever e compreender os regimes de verdade que acolhem certos enunciados e que, especialmente, produzem certas subjetividades e não outras; então, os enunciados são propiciados pelas relações de saber/poder e, ao mesmo tempo, as endossa, dá suporte e as justifica. A questão histórica neste processo analítico diz respeito ao fato de que todo enunciado existe dentro de uma memória social, está imerso em um complexo político-cultural de já-ditos. Com efeito, o cientista consegue verificar e entender em que medida o enunciado reatualiza no presente discursos passados e, ao mesmo tempo, consegue averiguar as transgressões relativas aos regimes de verdade e às relações sociais.

A autora ainda sugere que o sujeito ‘acontece’ no e pelo discurso dentro de uma rede de relações de poder onde os saberes almejam constituir subjetividades e traçar condutas interessantes para aquele meio. Sendo assim, entende-se que a escuta aos sujeitos permite captar os enunciados que se referem a dado acontecimento (assimetrias

134 acadêmica entre mulheres e homens, por exemplo) que tem lugar em dado contexto (na UFMG, por exemplo) e como tais enunciados dialogam – ratificando e/ou subvertendo questões de gênero naquele contexto. Tais procedimentos metodológicos permitem observar, apreender e analisar quais as regras de gênero operam através dos enunciados e, por meio disso, subjetivam os indivíduos enquanto masculinos ou femininos, construindo homens e mulheres concretos naquele locus.

Desta forma, os enunciados podem ser vistos como códigos normativos que objetivam delimitar como devem se comportar homens e mulheres nos diferentes contextos (mas não somente neste quesito: como negros, brancos, jovens, idosos, nacionais, estrangeiros etc. devem ser). No caso da pesquisa em questão, os enunciados permitem entender quais as subjetividades (as quais um dos elementos são os habitus) de mulheres cientistas são permitidas, admitidas, solicitadas e produzidas ali. Tal visão se coaduna com a abordagem pós-critica acerca da educação, para a qual esta instituição possui funções sociais, culturais e políticas que ultrapassam seu papel oficial de transmissora de saberes coletivos acumulados ao longo do tempo.

Em razão dos estudos pós-críticos a ideia positivista-iluminista acerca da educação veio sendo abandonada em proveito de abordagens multilineares que a tratam como elemento social e político, não neutro e atravessado por relações de poder diversas onde diferentes práticas microscópicas acontecem com efeitos variados (FISCHER, 2003). As abordagens pós-estruturalistas e pós-críticas também influenciaram as metodologias de pesquisas em ciências humanas onde, em geral, a entrevista não é mais percebida como um retrato fiel do que pensa o sujeito nem como mecanismo ‘mágico’ de ‘extração’ da verdade escondida; logo, a linguagem não é mais vista como transparente, homogênea nem linear: o que é dito pelos entrevistados não corresponde a uma representação crua de alguma verdade oculta.

Assim, aqui se entende a situação de entrevista como uma prática discursiva, uma interação contextualizada e situada no espaço e na história, acontecimento que criou