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2 CONJUNTO DE ENUNCIADOS PRESCRITIVOS POSITIVADO E DOTADO DE

2.1 A linguagem do direito positivo e sua importância

2.1.3 Enunciados como manifestações de critérios para decisões

Os enunciados que integram o conjunto do direito são compostos por antecedentes (ou casos) e conseqüências (ou soluções), inter-relacionados logicamente. Essas construções alcançam relações lógicas entre os casos e as soluções, constituindo critérios de solução, que viabilizam a orientação dos destinatários do direito para que se conduzam espontaneamente de acordo com o direito, ou, em contrário, para serem observados pelos aplicadores para que imponham os enunciados prescritivos ainda que coercitivamente.

O intuito da existência do texto prescritivo é este: impor um critério de solução previamente estabelecido e específico aos casos previstos hipoteticamente, quer para observância voluntária, quer para os aplicadores diante de circunstâncias fáticas nas quais sejam instados a decidir, resolvendo conflitos a partir das regras existentes dos enunciados prescritivos (daí a função dos julgadores: decidir conforme as regras estabelecidas, o que não afasta o poder desses criarem normas específicas para casos concretos).188

Lembremos da lição de Alchourrón e Bulygin, para os quais o direito relaciona casos a soluções, o que conduz à conclusão de que, havendo concretização dos casos previstos hipoteticamente, os efeitos e as soluções, devem ser aqueles fixados pelo direito (lei, contratos, decisões).189

Essa idéia se aplica tanto a enunciados prescritivos manifestados através de leis e contratos quanto de decisões que servem como paradigmas, pois, quando estes puderem ser aplicados ante a falta de enunciados legais ou contratuais, os casos (situações fáticas) deverão guardar a maior identidade possível, para que a

188 LARENZ, 2005, p. 349.

solução adotada seja pautada em critérios com o maior grau de semelhança, alcançando também a segurança e a certeza esperada do direito.

O direito é rico em enunciados prescritivos que estabelecem a sua própria produção (sua inovação), regendo o procedimento a ser observado ou a matéria sobre a qual poderá versar. Tais enunciados abrangem inclusive aqueles produzidos pelos aplicadores do direito mediante decisões judiciais, administrativas ou abritrais, na compreensão do direito.

Os enunciados prescritivos não são meramente figurativos. Têm a função de estabelecer critérios de decisão que devem ser observados, como meio de garantir as expectativas criadas por seu prévio conhecimento, inclusive no que tange aos efeitos estabelecidos para o caso de inobservância.

O direito regula até mesmo as hipóteses sobre as quais os legisladores poderão criar enunciados legais. Além disso, as partes de uma relação de direito privado poderão criar regras contratuais, que determinadas pessoas poderão impor coercitivamente, ou, ainda, que determinados objetos ou situações deverão ser compreendidos com determinado significado. Essa regulamentação se dá através dos enunciados prescritivos. E são prescritivos mesmo quando “definem”, por exemplo, determinadas situações, pois a finalidade da linguagem não é descrevê- las, mas prescrever a forma pela qual serão compreendidas, notadamente quando analisadas no contexto do ordenamento.190

Frise-se que isso não quer dizer que os julgadores de conflitos somente expressam aquilo que consta da lei, mas que devem construir decisões balizadas por critérios previamente estabelecidos. Sim, construir porque criam novos enunciados específicos para os casos que lhes são submetidos com base nos critérios já existentes, e, ao fazê-lo, definem critérios para a aplicação desses enunciados. Constroem porque não são meros juízes “boca da lei”, não estão adstritos aos limites específicos de um único enunciado para resolver os conflitos. Como reiterado, o direito é um conjunto de enunciados prescritivos, e esse conjunto

de critérios é que deve ser ponderado, impedindo tanto a prática do juiz “boca da lei” (mal combatido pelo direito continental europeu) com base em critérios legais, quanto o cometimento de excessos pela ditadura da maioria (objetivo da “common law”) com base em critérios constitucionais. É necessário, portanto, observância ao direito (ao conjunto de enunciados que o compõe).191

Mesmo diante de casos não regidos precisa e previamente pelo direito, este fixa critérios a serem observados na produção de enunciado prescritivo para reger o caso concreto. Afinal, ele confere competência ao juiz para construir o direito, condicionando tal ato à inexistência de outros critérios específicos e à observância de outros parâmetros para garantir a segurança e a certeza do direito. São exemplos disso normas que regem a criação do direito em caso de lacuna, como, por exemplo, as decorrentes dos art. 108 do CTN, 4º da LICC e 126 do CPC.192

Luis Alberto Warat leciona que para a maioria dos juristas o direito forma um sistema de enunciados prescritivos que é fechado e completo (isto é, onde todos os critérios de decisão estão positivados), enquanto que para os retóricos do direito ele é aberto, visto que busca critérios de decisão na história, na sociedade e na ideologia193, o que se coaduna com a lição de Chaïm Perelman, para quem os

retóricos tentam persuadir por meio do discurso (e não dos critérios postos pelo direito).194

Ambos buscam conferir igualdade, certeza e segurança jurídica ao direito, o que se obtém perfeitamente com a existência de um conjunto de regras postas que, mesmo constituindo um conjunto prescritivo fechado, é operacionalmente aberto, pois existem enunciados que impõem a busca de solução para os litígios fora do direito, bem como permitem aos aplicadores construir um enunciado prescritivo a partir de critérios dotados de semelhança com a situação concreta, ou em que seja possível atingir as finalidades visadas pelo direito. Daí que a regra existente é a de que devem ser observados os critérios de decisão positivados e, somente na

191 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 30.

192 VILANOVA, 1997, p. 225. 193 WARAT, 1995, p. 54.

ausência destes (hipótese prevista pelo próprio direito), buscar critérios além das fronteiras do ordenamento jurídico.

Tais critérios são evidências através das quais é possível analisar o direito, assim como as relações fáticas da vida concreta que são submetidas ao seu crivo, permitindo sua divisão em espécies de acordo com as diferentes características entre os enunciados prescritivos que integram o direito.