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4 ENVIESAMENTOS COGNITIVOS NA CIÊNCIA

PENSAMENTO CRÍTICO E EDUCAÇÃO CIENTÍFICA Rui Silva

4 ENVIESAMENTOS COGNITIVOS NA CIÊNCIA

Por último, a investigação psicológica em torno das heurísticas e enviesamentos (biases) cognitivos deve também ser integrada no pensamento crítico aplicado à ciência. Existem, com efeito, enviesamentos cognitivos, padrões de erro sistemático a nível dos nossos raciocínios, com relevância para a ciência e que devem ser, por conseguinte, objeto de vigilância crítica. Talvez o mais importante será o enviesamento da confirmação, a tendência para recolher e selecionar dados que confirmam as nossas hipóteses ou uma “seletividade inconsciente na aquisição e uso dos dados” (Nickerson, 1998, p.175). O enviesamento da confirmação ajuda a esclarecer a conceção kuhniana do “cientista normal” como alguém que, por acreditar no paradigma em que foi educado, é pouco recetivo à inovação e tende a interpretar as anomalias do paradigma não como refutações, mas como puzzles que serão resolvidos com tempo e engenho. Por causa da sua fé no paradigma, o cientista normal pode inclusivamente não se aperceber de fenómenos não previstos pelo paradigma. Kuhn (1970) exemplifica este ponto com o facto de os astrónomos ocidentais só se terem apercebido do aparecimento de novas estrelas depois de Copérnico, ao passo que os astrónomos chineses já há muito tinham observado o surgimento de novas estrelas.

Também relevante é a falácia da taxa de base, que consiste na desvalorização da probabilidade prévia de uma hipótese quando se avaliam novos dados. Por exemplo, vários estudos mostram que uma elevada percentagem de profissionais de saúde comete esta falácia quando interpreta o resultado de testes médicos com uma determinada margem de erro, sobrevalorizando nas suas estimativas de probabilidade um resultado positivo em detrimento da

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Pensamento Crítico na Educação: Desafios Atuais

probabilidade prévia (tal como é fixada, por exemplo, pela taxa de prevalência de uma doença na população). Outro exemplo particularmente instrutivo da referida falácia, porque protagonizado por um especialista em estatística, é relatado por Kahneman (2011). Numa das suas noites de trabalho, Kahneman construiu uma personagem, Tom W, cujo perfil correspondia ao estereótipo de um estudante de engenharia ou informática. Na manhã seguinte, teve a oportunidade de pedir a um colega, “um estaticista sofisticado”, que indicasse, a partir de uma lista de nove cursos, e com base no perfil apresentado, qual a profissão mais provável de Tom W. A resposta foi: informático. Recorrendo às palavras do próprio Kahneman, é caso para se dizer que até os poderosos caem… O seu colega rapidamente reconheceu que tinha cometido a falácia da taxa de base; dado que o número de estudantes que estuda informática é percentualmente muito baixo, a probabilidade de Tom W. ser um informático não poderia ser elevada.

No tocante às heurísticas cognitivas, que são procedimentos simples mas imperfeitos que nos ajudam a encontrar soluções para problemas, importa destacar, no contexto da ciência, a heurística da disponibilidade, que no seu sentido original consiste em avaliar a frequência de uma classe ou a probabilidade de um acontecimento pela facilidade com que nos recordamos das suas instâncias ou ocorrências. De acordo com uma variante desta heurística, a chamada heurística da saliência e disponibilidade, os investigadores são particularmente influenciados pelos dados mais salientes, como aqueles que provêm dos seus domínios de investigação ou das suas próprias investigações pessoais. Por exemplo, os paleomagnetistas foram o primeiro grupo científico a formar um consenso sobre a teoria da deriva dos continentes e da expansão do fundo oceânico, porque a referida teoria constituía a melhor explicação para os dados por eles recolhidos (e, como tal, especialmente salientes) sobre padrões simétricos de magnetização de rochas nos dois lados de cristas oceânicas (Solomon, 2001). Ao nível das ciências sociais e humanas, esta heurística significa que a posição social de um investigador e os valores que ele encarna irão tornar mais salientes certos aspetos da realidade social ou das relações humanas, influenciando assim, muitas vezes inconscientemente, a formulação e escolha de teorias.

Em suma, as considerações precedentes mostram que o domínio do pensamento crítico pode ser enriquecido através do diálogo com a epistemologia, daí resultando claros benefícios ao nível da educação científica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS NO DESENVOLVIMENTO