• Nenhum resultado encontrado

Os canteiros: o caminho da pesquisa

5 CUIDANDO DOS BROTOS

5.2 Enxertos, podas e outros relatos.

Nesse capítulo trazemos as atitudes da Igreja Católica para com as representações formais que se fizeram presentes na JMJ, mas também com as manifestações que extrapolaram seu sentido.

Os entrevistados relataram que os peregrinos estrangeiros foram os que mais disputaram o território de Copacabana, criando até um clima de ―conflito‖.

36

Preconceito é um arbitrário juízo mental negativo. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti <http://www.plc122.com.br/entenda publicado em 10/05/2014> acessado em 10/02/2016

Chegaram muito cedo e fecharam as passagens. Por chegarem com muitas horas de antecedência tentaram resguardar seus direitos e assegurar seus lugares. Por desconhecerem o ―jeitinho brasileiro‖ os conflitos apareceram. Saquet, (2010, p. 118) explicita que [...] ―território é uma construção coletiva e multidimensional, com múltiplas territorialidades (poderes, comportamentos, ações)‖. Neste caso, esses três fatores sobressaíram. O poder de domínio, por estar ali durante horas, lhes conferiu o poder de controle e uso e também comportamento de reivindicar ou ajudar e ação de ―expulsar‖ ou socorrer, conforme depoimento.

Eu observei na areia que cada país fez um cercadinho e se um entrasse no cercadinho do outro ai já começava uma briga [risos. [...] A gente foi chegar perto do palco e observou um “territóriozinho” da Argentina. A gente tentou passar e eles ficaram revoltados porque a gente tava no território deles [risos] tava dividido ali cada um no seu quadrado (C.O., 29 anos, estudante de Ciências Sociais).

Em Copacabana foi meio que uma reforma Agrária. Ela foi toda loteada. Então pra chegar até o lugar que eu estava foi uma experiência agonizante, me perdi várias vezes. Mais de 3 milhões de pessoas, tinha um povo falando espanhol, odeio espanhol (risos) uma menina me ajudou a encontrar o local (M. A. S. N.,18 anos,

estudante de história).

Esta situação demostra a essência em si do território como uma instância que advém de uma relação que mesmo sendo um local público, improvisado, itinerante, é de controle e de ―poder‖ por parte de alguns grupos que ali se estabeleceram e definiram que o território religioso que se consolidou, naquele momento, foi usado como estratégia de uso.

O território ultrapassa limites e se estabelece nas relações humanas, desde as pequenas ações cotidianas, quando nos situamos em nossa residência, no trabalho ou na universidade, constituímos microterritórios, estabelecemos domínios, criamos vínculos afetivos, culturais, religiosos, enfim, territorializamos (REIS, 2012. p. 05 - grifos nosso).

Os ―microterritórios‖ como ilustra o autor, ficaram visíveis nas definições dos entrevistados por meio das expressões ―territoriozinho‖; ―cercadinho‖; ―reforma agrária‖; ―loteada‖. Todo esse quadro fez com que o peregrino na noite da Vigília, próximo ao palco, disputasse aquele território. Disputaram cada milímetro das areias em busca de uma boa visão e de um abrigo (HAESBAERT, 2005), Figura (67).

Figura 67- Milhares de Jovens nas areais da Praia de Copacabana. Rio de Janeiro, 2013

Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=fotosvigilia> disponível em 27/07/2013 consultado em 06/08/2013

Por meio de reportagens37 informamos que, segundo dados coletados pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) junto à Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro (CARJ), cerca de 40 solicitações de refúgio foram feitas por peregrinos da JMJ alegando perseguições religiosas. No Rio de Janeiro, pelo menos doze solicitantes relataram perseguições e mortes por motivos religiosos e alguns dos jovens tinham cicatrizes de ferimentos causados por grupos hostis aos cristãos.

A Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) recebeu 05 pedidos. Entre os solicitantes estão peregrinos do Paquistão, de Serra Leoa e da República Democrática do Congo. Esses peregrinos terão seus pedidos analisados pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), que funciona no âmbito do Ministério da Justiça. Para isso, terão de se apresentar à Polícia Federal e serão entrevistados por oficiais de elegibilidade do CONARE. Só assim poderão ser reconhecidos como refugiados.

Outro episódio que aconteceu foi a Marcha das Vadias38 realizada por com feministas e homossexuais que escreveram em seus corpos, gritavam palavras de

37Peregrinos da Jornada Mundial da Juventude buscam refúgio no Brasil

<http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/postado em 21/08/2013> consultado em 0910/2013

38

surgiu no Canadá, batizado de Slutwalk. O movimento surgiu porque, em janeiro de 2011 na Universidade de York, um policial, falando sobre segurança e prevenção ao crime, afirmou que ―as

ordem reivindicando ―direito a camisinha, legalização do aborto, igualdade de gênero, autonomia da mulher e decisão da mulher sobre seu próprio corpo. Os manifestantes gritavam palavras de ordem como ―tirem seus rosários do meu ovário‖, ―o corpo é da mulher, ela dá para quem quiser‖, ―meu cu é laico‖ ―nascituro no útero dos outros é refresco‖. Durante a marcha fizeram performance em círculo e se masturbaram com a imagem de Nossa Senhora Aparecida; colocaram camisinha na cabeça da imagem; colocaram imagens de crucifixo como tapa sexo; pisaram e destruíram imagens, dentre outros atos de afronta.

Em entrevista, o movimento admitiu que houve exageros, mas que o objetivo não foi de enfrentamento religioso. Esse protesto já estava organizado para a orla havia três meses e, com a transferência da Vigília para a praia de Copacabana os locais coincidiram. Uma peregrina de Sergipe relatou caso parecido na JMJ em Madri.

Nós tivemos a graça de pegar um momento bem difícil lá na Espanha que foi o momento da crise econômica no país pois era manifestação o tempo todo na rua. Nós éramos, vamos dizer assim, acolhidos por um grupo e expulsos por outros (risos) Teve algum grupo que rejeitou você? Sim, exatamente isso, foi o que teve no Brasil tipo a marcha das vadias e na Espanha o catolicismo não é forte como no Brasil. A gente via verdadeiras aberrações e desrespeito: protesto contra a igreja e outras religiões também que protestavam, assim vamos dizer que foi muito bom porque as Jornadas fora nos leva a um conhecimento maior, a outra dimensão (M, A 35 anos missionária da Obra da Maria).

Verificamos que, onde quer que aconteça, a JMJ interfere nas formas de pensamento e de agir das pessoas causando repulsa ou admiração, acolhida ou distanciamento, mas nunca indiferença diante deste fenômeno religioso que é a JMJ. Apenas uma peregrina sergipana relatou um furto, cortaram o bolso da mochila e levaram o celular. Não podemos negar que os problemas são inerentes a todo evento, essas situações são explicadas por Sack (1986) apud Raffestin (1993, p. 162) ―A territorialidade pode ser considerada como um elemento de coesão dos grupos sociais, mas pode também ser a causadora de exclusões, plenamente aceitável por respeito e reconhecimento às diferenças‖. Percebemos nestes relatos

mulheres deveriam evitar se vestir como vadias, para não serem vítimas de ataque‖. ―vadia‖ virou sinônimo da mulher que luta e que não se cala diante da violência. <https://marchadasvadiascwb.wordpress.com> publicado em 10/02/2013 consultado em 20/02/2016

as dificuldades vividas pelos peregrinos, evidenciando as diferentes formas de pensamento e de atuação em território construído com pluralidades culturais e religiosas.

Outro fator que despertou curiosidade do evento foi a presença de um grupo de indígenas. Por meio de reportagens encontramos um número de 150 indígenas que participaram da JMJ.

Figura 68 - Guaiçan Florença Pataxo Figura 69- Jaqueline Silva

Coroa Vermelha- BA Pataxo Coroa Vermelha- BA

Foto: Renata Spolidoro Foto: Renata Spolidoro

Fonte: Jornal da PUC especial JMJ Fonte: Jornal da PUC especial 27/07/2013 27/07/2013

Dentre as muitas tribos Figura (68 e 69) se destacou no meio da multidão de peregrinos: os índios Pataxós da Reserva Coroa Vermelha, do sul da Bahia. Eles participaram da Vigília na praia de Copacabana e relataram para o jornal da PUC que o custo foi muito alto, e que vieram à Jornada por meio de campanhas e doações. Outras tribos que se destacaram foram os integrantes das etnias tupinambás, (hã hã hãe, kanipuna, guarani, kiriri, baniwa e pataxós coroa vermelha) oriundos da Bahia.

Figura 70 - Encontro do Papa Francisco com índios brasileiros – Teatro Municipal, Rio de Janeiro, 2013

Fonte: <http://oglobo.globo.com/rio/papa-francisco-ganha-cocar-de-indio- julho 2013> publicado em 2013 consultado em 10/08/2013

O índio pataxó Ubirai, de 26 anos, no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no Centro da cidade Conforme Figura (70), entregou39 ao Papa Francisco um cocar feito com penas de garça e arara. O que Ubiraí não esperava era que o Pontífice colocasse o cocar na cabeça imediatamente e ficou emocionado pelo ato. Os representantes da tribo Pataxó declararam ainda que a religião católica é compatível com a cultura indígena. Durante o evento observou-se a diferença cultural dos povos estrangeiros, mas foi muito interessante ver a participação de indígenas em um evento católico. O Papa Francisco mostrou novos hábitos de acolhida e aproximação.