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Episódio I – Discussões iniciais sobre o processo de ensino da matemática na educação

5. A PESQUISA: PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ATIVIDADE

5.1 Conceitos Matemáticos em Movimento

5.1.1 Episódio I – Discussões iniciais sobre o processo de ensino da matemática na educação

No primeiro encontro didático, estabelecemos uma conversa sobre a matemática buscando evidenciar o que motivou as professoras a participarem deste momento de formação continuada e quais eram suas expectativas em relação à formação com vistas a sua atuação pedagógica.

Por se caracterizar como uma necessidade coletiva, entendemos que esse momento didático poderia se caracterizar como força propulsora do desenvolvimento da equipe ao tomar o problema coletivamente, considerando que

É no espaço concreto de cada escola, em torno de problemas pedagógicos ou educativos reais, que se desenvolve a verdadeira formação. Universidades e especialistas externos são importantes no plano teórico e metodológico, mas todo esse conhecimento só terá eficácia se o professor conseguir inseri-lo em sua dinâmica pessoal e articulá-lo com seu processo de desenvolvimento. (NÓVOA, 2001, p.12)

A professora Dirce socializou suas experiências negativas em relação ao seu processo de aprendizagem:

Eu mesma tenho trauma da matemática, eu tinha que decorar tabuada e não sabia, é sério. Na minha época a matemática não tinha significado, hoje as crianças aprendem significativamente, as crianças possuem informações. Com este curso eu pretendo olhar a matemática por outro ângulo. (DIRCE, ED 01)

Entendemos que as experiências positivas ou negativas dos professores em diferentes áreas do conhecimento podem influenciar na escolha e na atuação profissional, visto que todo sujeito carrega consigo vivências e aprendizagens adquiridas ao longo de sua trajetória de vida.

Após o relato de Dirce, a professora Carol se colocou de maneira defensiva:

A matemática faz parte da rotina de ensino, mas essas atividades muitas vezes não aparecem no diário de classe, fazemos contagem dos alunos, uso de calendário. Sempre trabalhei matemática, nunca tive dificuldade. (CAROL, ED 01)

Ao relatar que não possuía dificuldade em relação à matemática e que explorava essa área de conhecimento por meio de tarefas diárias da rotina escolar, a professora revelou que a organização do ensino acerca do sistema de numeração se restringia a tarefas de contagem e exploração da função social do número, o que evidencia o conhecimento dos números por meio da repetição e da memorização em práticas cotidianas.

Pautar o processo de ensino dos números na memorização pode evidenciar o processo de ensino pelo qual o próprio professor foi formado. No entanto, concordamos com Moura et al. (2010, p. 137) que “ao ancorar o ensino de matemática na memorização e na repetição, a perspectiva empirista acaba por limitar o processo de pensamento [...] e, consequentemente, o desenvolvimento humano”.

A aprendizagem do cotidiano se dá nas práticas cotidianas. Ir além das aparências dos objetos e fenômenos é que exige a ação intencional de desvelá-los para o estudante que ao se apropriar das suas múltiplas determinações deverá compreender o modo como foram se constituindo. Em síntese, apropriar-se do objeto de conhecimento passa pelo domínio do modo de fazê-lo e dos instrumentos mediadores para concretizá-lo. Esse modo de organizar o ensino poderá impactar os processos de formação dos alunos possibilitando-os a resolver problemas que superem as ações cotidianas. (MOURA, 2012, p. 189-190)

A exploração do sistema de numeração em tarefas cotidianas de contagem e identificação dos números representa uma exploração empírica do conceito, um conhecimento que pode ser adquirido de maneira informal na convivência cotidiana familiar, posto que o pensamento empírico possui caráter direto de conhecimento da realidade. A exploração cotidiana que confronta o sujeito com o objeto e suas características observáveis conduz ao pensamento empírico, onde as “particularidades de formação dos conceitos empíricos aclaram o sentido do conhecido requisito didático de avançar no ensino do particular para o geral” (DAVYDOV, 1988, p.65).

Outro ponto a ser considerado acerca da exploração do sistema de numeração em situações cotidianas nos remete ao fato de que a criança ao ingressar na escola já apresenta determinados conhecimentos. Neste sentido, Vigotski (2012) propõe que

Tomemos como ponto de partida o fato de que a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética, mas já muito antes de ir à escola adquiriu determinada experiência referente à quantidade. (VIGOTSKI, 2012, p. 109)

As crianças que ingressam na educação infantil, ainda que com pouca idade, possuem um determinado conhecimento matemático. Logo que se apropriam da fala, as crianças são capazes de recitar uma determinada sequência numérica e de mostrar a quantidade de dedos correspondentes à sua idade, devido ao estímulo familiar. Assim, cabe à escola a exploração de conhecimentos que ampliem os conceitos adquiridos no cotidiano; cabe à escola ampliar os conhecimentos empíricos, partindo dos conceitos cotidianos ou espontâneos num movimento de aproximação aos conceitos científicos, bem como o desenvolvimento do pensamento teórico, “revelando as inter-relações de objetos isolados dentro do todo” (DAVYDOV, 1988, p. 76), o que significa relacionar o universal e o particular, o total e a parte dos conceitos, buscando que as crianças se apropriem do modo de constituição do conceito para que possam resolver situações além das cotidianas.

No entanto, ficou evidente nos relatos que as práticas de ensino da matemática na educação infantil das professoras têm se respaldado na exploração de conceitos cotidianos:

[...] na contagem de rotina, atualmente eu conto as crianças por grupos. (BIA, ED 12)

Na educação infantil acabamos trabalhando a matemática na rotina não elaborando uma atividade específica. (EVA, ED 01)

Os argumentos das professoras podem ser compreendidos se considerarmos as formas como elas aprenderam matemática e as orientações expostas nos documentos norteadores do currículo para a educação infantil na área de matemática, uma vez que estes documentos apontam para a exploração de conceitos matemáticos derivados das experiências cotidianas, propondo que o conhecimento numérico decorre da utilização cotidiana, assim como em brincadeiras, meios de comunicação e no ambiente familiar. Conforme apresentamos no item 1.3 – A matemática na educação infantil, os RCN (BRASIL, 1998) apresentam de forma

enfática a aprendizagem pautada no cotidiano, fato que pode contribuir para uma organização do ensino pautada em conceitos espontâneos.

Além dos relatos da professora Dirce, que evidenciou a lembrança negativa de um processo de aprendizagem marcado pela memorização e chamada oral sobre tabuada, num exercício mecânico e sem significado, e da professora Carol, que realizava a exploração de conceitos matemáticos por meio de situações de contagem de alunos e uso diário do calendário, destacamos também o relato da professora Bia, que demonstrou compreender que a matemática está presente nas brincadeiras e em ações cotidianas, mas questionou como explorar os conceitos decorrentes destas situações:

Penso que trabalhamos matemática todo tempo, mas como chamar a atenção da criança sobre o fato daquela atividade ser matemática...., por exemplo, numa brincadeira de pega-pega eu trabalho espaço, mas como evidenciar isso para o aluno ou levar essa prática para meus registros? (BIA, ED 01)

Considerando ainda que os documentos que norteiam o currículo da matemática para a educação infantil o fazem pautados no conhecimento empírico resultante de situações cotidianas, vimos a necessidade de colocar as professoras diante de uma situação que oportunizasse a apropriação do sistema de numeração como uma produção humana, pois esse sistema até o momento se apresentava às professoras como algo pronto, a ser transmitido por meio de exposição, repetição e memorização, uma vez que

Reconhecer esse movimento lógico-histórico de construção não linear do conhecimento matemático, que se contrapõe ao que por vezes é apresentado tradicionalmente no ensino, e concebê-lo como parte de seu trabalho na organização do ensino, entendemos ser o desafio do professor que ensina matemática. (DIAS; MORETTI, 2011, p. 11).

Entretanto, para que os professores possam reconhecer os conceitos matemáticos como produto de um processo histórico e cultural a partir da necessidade humana, é fundamental o seu envolvimento na resolução de um problema que traga em si a necessidade do conceito, trazendo à tona a sua gênese. Nessa perspectiva é que desenvolvemos a história virtual “O Segredo da Canastra”, que trataremos no episódio a seguir.