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5. A PESQUISA: PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ATIVIDADE

5.1 Conceitos Matemáticos em Movimento

5.1.2 Episódio II – O Segredo da Canastra

Após levantamento das expectativas das professoras sobre a matemática na educação infantil, iniciamos os encontros didáticos com a tarefa de desvendar um enigma, “O Segredo da Canastra”, atividade inspirada na “Carta dos Caitités”, uma situação desencadeadora de aprendizagem elaborada por Moura (1996), cujo objetivo consiste em contemplar os pressupostos teórico-metodológicos da Atividade Orientadora de Ensino, explorando os elementos fundamentais de um sistema de numeração.

“O Segredo da Canastra” constitui uma história virtual, uma narrativa cuja elaboração teve por objetivo envolver os docentes na compreensão dos elementos que compõem um sistema de numeração de forma lúdica, utilizando o tema do projeto pedagógico da Unidade Escolar “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Visando problematizar o sistema de numeração decimal como uma construção histórica decorrente das necessidades humanas, envolvemos as professoras em uma história virtual, entendida como uma

[...] narrativa que proporciona ao aluno envolver-se na solução de um problema como se fosse parte de um coletivo que busca solucioná-lo, tendo como fim a satisfação de uma determinada necessidade à semelhança do que pode ter acontecido em certo momento histórico da humanidade. (MOURA et al., 2010, p. 224).

“O Segredo da Canastra” envolve a personagem Emília, criada por Monteiro Lobato em sua conhecida obra Sítio do Pica-pau Amarelo, numa situação-problema que deveria ser desvendada. A situação proposta foi a seguinte:

Fonte: Inspirada na Carta dos Caitités. (MOURA)

A formadora solicitou que as professoras se organizassem em pequenos grupos, o que se estabeleceu de forma aleatória, havendo a constituição de quatro grupos de quatro, cinco ou seis professoras. Nos primeiros momentos em contato com a situação desencadeadora de

aprendizagem, algumas professoras se mostraram tensas, relatando que seria impossível resolver o problema, questionando inclusive se realmente seria possível chegar a um resultado ou se se tratava de alguma espécie de “pegadinha”.

A formadora apresentou a situação-problema e esclareceu que a história virtual “O segredo da Canastra” estava vinculada à lógica do nosso sistema de numeração, assim aos poucos as professoras foram tomando a tarefa como um desafio a ser superado.

Organizadas nos pequenos grupos, as professoras foram dialogando e buscando coletivamente formas de solucionar o problema. A mediação entre os pares foi subsídio imprescindível para a resolução da tarefa e momento privilegiado em que as professoras puderam compartilhar seus conhecimentos acerca do sistema de numeração decimal.

A primeira tentativa de resolução realizada por todos os grupos foi a substituição direta dos símbolos pelo numeral 121, pois o representava o dia do aniversário da Emília, dia 01, enquanto a representava o resultado de Pedrinho em um jogo, ou seja 02 pontos. Juntamente com o enunciado do problema impresso, havia uma pequena caixa de madeira fechada por um cadeado numérico que poderia ser aberto a partir do resultado da relação dos símbolos do sistema de numeração da Emília (SNE) ao nosso sistema de numeração decimal (SND). Foi interessante observar que, mesmo sabendo que a substituição direta dos símbolos não permitia a abertura do cadeado, o que foi evidenciado por uma das turmas, outras professoras pegavam a caixa para tentar essa numeração no cadeado numérico. Outras tentativas numéricas aleatórias também foram testadas, sem sucesso.

Figura 8 – Atividade O Segredo da Canastra

Um dos grupos, composto pelas professoras Dani, Dirce, Duda e Val, compreendeu a variação de símbolos e realizou as combinações sem dificuldade até que se esgotassem as possibilidades de variação de símbolos com dois algarismos, conforme a seguir:

Quadro 6 – Esquema de resolução do Sistema de numeração da Emília com dois algarismos realizado pelo grupo de professoras.

0. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

Fonte: Acervo pessoal

As professoras iniciaram a atividade identificando os números explicitados na situação-problema, depois registraram a sequência no caderno e perceberam a regularidade de variação dos símbolos de forma análoga ao nosso SND. O símbolo representado no SNE de forma relacional ao SND consistia na representação do número 12, então, a partir da compreensão da variação dos símbolos, prosseguiram com a sequência numérica até atingir o símbolo referente ao número 16, momento em que as professoras pararam e discutiram sobre como deveriam prosseguir.

Olha, não existem mais combinações com dois símbolos então, agora temos que tentar com três símbolos. (DANI, ED 02)

O número 15 é como se fosse o número 99 no nosso sistema. (DUDA, ED 02) Acho que é por aí mesmo... mas qual seria esse símbolo? (DANI, ED 02)

O grupo permaneceu em silêncio por alguns minutos, analisando a sequência que haviam organizado na folha e logo a professora Dani apresentou a seguinte proposta:

Quadro 7 – Primeira tentativa de resolução do SNE

16-

Fonte: Acervo pessoal

A professora Dani registrou o número conforme Quadro 7 e logo que o apresentou ao grupo, o riscou, dizendo que estava errado.

O símbolo representa o zero, então não pode ser essa combinação. (DANI, ED 02)

Verdade. É a mesma situação que vimos no começo quando tentamos escrever o número 4. (DUDA, ED 02)

Em seguida, Dani relatou que já sabia como continuar a sequência e iniciou a tentativa de numeração do SNE com três símbolos registrando a sequência conforme a seguir, sendo acompanhada pelas demais professoras do grupo:

Quadro 8 – Esquema de resolução do Sistema de numeração da Emília com três algarismos realizado pelo grupo de professoras. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25.

Neste contexto, destacamos a importância do valor posicional do número zero, seja por ausência de quantidades, seja para “guardar posição de uma ordem numérica ausente” (MORETTI; SOUZA, 2015, p.78). Esse elemento essencial do sistema de numeração parece ter sido apropriado pelas professoras mencionadas anteriormente, ao discutirem sobre a impossibilidade da sequência numérica com três algarismos iniciada pelo símbolo , que representaria o número zero no SNE, o qual não assumiria nenhum valor numérico, conforme apresentado no quadro 7, primeira tentativa de resolução do SNE.

Como estava próximo do horário de término do encontro didático, as professoras Dani, Dirce, Duda e Val se apressaram em descobrir o segredo e assim que Dani atingiu o símbolo referente ao número 24, argumentou: “estamos perto de descobrir o segredo” (DANI, ED 02). A professora Dirce pegou a caixinha, que estava em outro grupo, e se posicionou para abrir a canastra, colocando os números no cadeado com segredo numérico, o que constituiu um momento de euforia entre as professoras.

Com o desafio de desvendar “O Segredo da Canastra” as professoras se apropriaram de alguns elementos que compõem um sistema de numeração, num movimento semelhante à produção humana do SND. Ao perceber e discutir sobre a variação de símbolos numéricos do SNE e do valor posicional de cada símbolo, assim como do número zero, vemos nesta situação desencadeadora de aprendizagem indícios de que as professoras se apropriaram desses elementos, o que se contrapõe à ideia de uma prática pautada no ensino direto de conceitos, que conforme vimos no capítulo 2 se apresenta como prática pedagógica estéril por se constituir em um verbalismo vazio de memorização e repetição (VIGOTSKI, 2009).

No encontro seguinte, retomamos o processo realizado para a obtenção do número que possibilitou a abertura do cadeado. Primeiramente, as professoras descreveram como havia sido participar daquela tarefa; algumas declararam que se sentiram frustradas por não terem conseguido chegar à combinação numérica nem mesmo após conhecerem o resultado, enquanto outras relataram sentirem-se desafiadas e haverem inclusive compartilhado a situação-problema com familiares e colegas. Durante a tentativa de solucionar o problema, algumas professoras argumentaram serem “ruins de matemática” e após algumas tentativas de resolução do problema algumas chegaram a desistir da tarefa. Observamos que algumas professoras apresentaram certo receio de errar e de compartilhar ideias sobre possibilidades para resolução do problema.