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O EQUILÍBRIO AMBIENTAL COMO ELEMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

4 A POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO DA PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA QUE NÃO CUMPRE SUA FUNÇÃO SOCIAL

4.2 O EQUILÍBRIO AMBIENTAL COMO ELEMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O equilíbrio ambiental é considerado um dos elementos da função social da propriedade rural e urbana, de acordo com a Constituição Federal de 1988 e legislações específicas.

Segundo Barros (1998, p. 378):

[...] todo proprietário de bens imóveis, para que se diga titular desse direito, tem, antes, de atender aqueles dispositivos constitucionais, uma vez que a condição de satisfação social que acompanha o bem se traduz em obrigação superior para quem lhe é titular.

A função ambiental é definida por Sant’Anna (2007, p. 153) como o “conjunto de atividades que visam garantir a todos o direito constitucional de desfrutar um meio ambiente equilibrado e sustentável, na busca da sadia e satisfatória qualidade de vida, para a presente e futuras gerações”.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, em 1999, na “Carta de Ribeiro Preto pela Reforma Agrária em Defesa ao Meio Ambiente” assim se posicionou:

Somente cumpre a função social a propriedade rural que atenda simultaneamente aos elementos econômico, ambiental e social. A degradação ambiental da propriedade rural, seja pela utilização inadequada dos recursos naturais ou pela não preservação do meio ambiente, implica aproveitamento irracional e inadequado da terra. Há, portanto, vinculação entre os elementos econômico e ambiental da função social, sendo impossível dissociá-los. Não pode ser considerada produtiva, do ponto de vista jurídico-constitucional, a atividade rural que necessite utilizar inadequadamente os recursos naturais e degradar o meio ambiente para alcançar o grau de eficiência na exploração da terra. (FOWLER, s.d, p. 222)

Consoante já mencionado, a Lei 8.629/9323, ao regulamentar o capítulo constitucional da reforma agrária, apontou os elementos necessários ao atendimento dos requisitos ambiental e social exigidos pelo artigo 186 da Constituição Federal.

Com a vinda do novo Código Florestal, este inovou no que diz respeito à supressão da obrigação de averbação da Reserva Legal do imóvel, bem como na autorização para a supressão da mesma mediante autorização pelo órgão ambiental estadual responsável integrante do Sisnama24.

O artigo 16 da Lei 4.771 (antigo Código Florestal) exigia a prévia averbação da área da reserva legal à margem da inscrição da matrícula de imóvel. Já o novo Código Florestal (Lei 12.651/12), em seu artigo 18, mantém a necessidade de registro da área de reserva legal, todavia, doravante, junto ao órgão ambiental competente, por meio da inscrição no Cadastro Ambiental Rural.

Como bem expõe Fernandes (2013, n. p.), duas observações podem ser feitas a partir da análise dos artigos acima transcritos, tanto do anterior, quanto do atual Código Florestal:

i) A Reserva Legal definida pela leis tem por objetivo a proteção ambiental,

tratando-se de uma limitação administrativa, cuja averbação na matrícula é essencial para a atividade de manejo, porquanto, como limitação administrativa que é, a obrigação de não fazer já é inerente – em outras palavras, não basta a existência da reserva legal, há a obrigação de mantê- la, independentemente de qualquer ato declaratório, como a averbação às margens da matrícula do imóvel –, estando, portanto, ligada à obrigação negativa do proprietário em relação ao imóvel rural insculpida no inciso II do artigo 186 da Constituição, NÃO PODENDO, DESTA FEITA, SERVIR COMO CRITÉRIO PARA AUFERIMENTO DE PRODUTIVIDADE que, por sua vez, trata-se de uma obrigação positiva; e ii) desde a vigência do novo

Código Florestal, foi suprimida a exigência de averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel, sendo esta substituída pelo “CAR” – CADASTRO AMBIENTAL RURAL.

O descaso ou utilização antissocial resulta, além da interferência estatal na propriedade por meio da desapropriação, em um rol de outras penalidades

23 Lei 8.629/93, Art. 9º, II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. § 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. § 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. § 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

instituídas por leis que visam garantir a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Neste ponto, tem papel destacado a Lei 6.938, de 1981, que instituiu a política nacional de proteção ao meio ambiente, ao impor ao poluidor a obrigação de, independentemente da existência de culpa, indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, sujeitando os infratores, às seguintes penalidades, dispostas no artigo 14:

Lei 6.839/81. Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios; II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 2º - No caso de omissão da autoridade estadual ou municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das penalidades pecuniárias previstas neste artigo. § 3º - Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamento, cumprindo resolução do CONAMA; § 5º A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplicação das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1o deste artigo. (RGSA25,

2010, n. p.)

Percebe-se que a função social da propriedade pretende não apenas impor obrigações negativas ao proprietário, mas também um poder-dever de dar a propriedade um destino em prol da coletividade.

Neste sentido, compete ao Estado brasileiro assegurar o direito fundamental a um meio ambiente saudável, promovendo a desapropriação por descumprimento da função ambiental.

25 Revista de Gestão Ambiental e Social. Disponível em: <

Destaca-se que o primeiro caso de desapropriação por descumprimento da função ambiental no Brasil ocorreu em 2009, na Fazenda Nova Alegria, em Felisburgo, Minas Gerais, onde foram assentadas quarenta famílias26.

Caboclo e Massuquetto (s. d.) explicam que o fato propulsor do processo administrativo de desapropriação da Fazenda Nova Alegria foi um expediente do Ministério Público Estadual de Minas Gerais, encaminhado à Presidência do INCRA e à Superintendência Regional do Estado de Minas Gerais, instruído com cópia de ação penal pública oferecida contra determinado proprietário rural pela prática dos crimes de homicídio, lesão corporal e incêndio, perpetrados contra trabalhadores rurais que ocupavam o aludido imóvel rural. Tais crimes ficaram conhecidos, nacional e internacionalmente, como a “Chacina de Felisburgo”, da qual resultou a morte de 5 (cinco) trabalhadores rurais, lesões corporais em 12 (doze) pessoas, dentre elas uma criança e um adolescente, e incêndio de diversas barracas de lonas e da escola do acampamento “Terra Prometida”. Em virtude do comunicado do Ministério Público, a Superintendência o Incra/MG formalizou o processo administrativo n.° 54000.002204/2004-46 para fiscal izar o cumprimento da função social pelo imóvel rural denominado “Fazenda Nova Alegria”. Realizada a vistoria, constatou-se que o imóvel atingia os índices suficientes para classificá-lo como produtivo (GUT e GEE de 100%). Entretanto, na mesma ocasião, ficou constatado que o imóvel apresentava degradação ambiental nas áreas de preservação permanente e inexistência de averbação da área de reserva legal nas matrículas que o formavam. Diante deste panorama, a Procuradoria Federal Especializada do Incra em Minas Gerais propôs a competente ação de desapropriação.

No mesmo sentido foi a decisão da 4ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região27 (TRF4) que considerou legal o ato administrativo de desapropriação da Fazenda Campo do Paiol, situada no município de Taió, em Santa Catarina.

A corte negou provimento à apelação movida pela proprietária do imóvel e autorizou seu uso para a reforma agrária. Segundo os autos, a propriedade vinha

26 Processo: 2009.38.00.032320-2. 12ª Vara Federal. Juíza Rosilene Maria Clemente de Souza

Ferreira. Autuação: 07.12.2009. (Portal TRF1). Disponível em: http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/numeroProcesso.php?secao=MG&enviar=ok

27 DIREITO ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA REFORMA

AGRÁRIA. VIOLAÇÃO À ÁREA DE PRESERVAÇÃO. DESMATAMENTO DE MATA NATIVA. SANÇÃO. PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. (TRF4 - APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.11.001000-1/SC, Relatora: Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, Data de Julgamento: 15/06/2011, Tribunal Regional Federal, Data de Publicação: DJ 29-11-1996 PP-47160 EMENT VOL- 01852-12 PP-02415).

sofrendo danos ambientais com a prática de corte raso da mata nativa, uso de fogo e instalação e funcionamento de atividade poluidora sem licença do órgão ambiental competente.

Importante, neste contexto, destacar a opinião do presidente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes de Guedes, concedida em entrevista a Revista Valor Econômico, para quem o novo Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012) ajudará na desapropriação de terras nas quais o proprietário tenha cometido crime ambiental e a destinar essas áreas para a reforma agrária. “Hoje o Incra quase sempre é derrotado em decisões da Justiça quando tenta desapropriar uma terra em que foi cometido crime ambiental.”28

Vasconcelos e Benjamin apud Melo (2010, p. 47) partem da premissa que existem óbices jurídicos sobre essa situação, quais sejam:

[...] o apego exagerado à concepção individualista e outras tantas, ligadas apenas à visão de direito individual, da ausência da tradição do cuidado com a natureza e a falta de consciência ecológica. As vertentes, estadista, comunitária e de mercado podem dar eficácia às normas ambientais, sendo que a primeira se mostra a mais ineficaz, segundo alguns autores.

Cabe ao Estado brasileiro promover uma política dos direitos fundamentais que, verifique para além da produtividade, os demais elementos concernentes ao atendimento da função social da propriedade. Isso porque, ainda que a propriedade seja produtiva economicamente, a inobservância aos demais requisitos a torna constitucionalmente sujeita à desapropriação para fins de reforma agrária.

Para Melo (2010) isso não significa que o direito de propriedade foi abolido, ou que os proprietários rurais não podem mais produzir, mas sim, que devem, para isto, cumprir com sua função social e ambiental, respeitando o meio ambiente, diante das condições naturais de solo, topografia, e todos os recursos naturais que possam ser atingidos diretamente em sua propriedade rural, onde eles se encontram, dando igual observância às disposições que regulam as relações de trabalho.

28 http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/codigo-florestal/114373-codigo-florestal-ajudara-

4.3 O TRABALHO ESRAVO EM TERRAS RURAIS COMO DESCUMPRIMENTO DA