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Desapropriação para fins de reforma agrária por descumprimento da função social

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DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE À LUZ DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL



Florianópolis 2013

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DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE À LUZ DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Solange Buchele de Sthiago, Msc.

Florianópolis

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Agradeço à minha orientadora, professora Solange Buchelle de Sthiago, pela paciência e pela seriedade com que conduziu seu trabalho, que por meio de suas correções e orientações me fez chegar ao caminho que almejei.

Agradeço principalmente à minha família, que me incentivaram a não desistir diante das dificuldades, e também pelo exemplo de dedicação e perseverança, pela compreensão, carinho e segurança.

Agradeço, ainda, às minhas amigas de faculdade, Carina Canton Sandrin, Letícia Hoffmann, Lívia Pereira e Paula Cardoso por todos os momentos alegres e divertidos que passamos juntas, e também por todo apoio e compreensão que me doaram nesta jornada.

Ao amigo Rodger Colombo pelo auxílio e dedicação prestado por todo esse período, o que foi essencial para a construção deste trabalho.

A todos aqueles que contribuíram para que este momento pudesse acontecer.

Finalmente, agradeço a Deus por me reservar saúde e proteção, e por me cercar de tantas pessoas maravilhosas.

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Trata-se de trabalho monográfico que analisa a possibilidade da desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade rural produtiva que não cumpre sua função social. A evolução histórica no campo da intervenção estatal na propriedade privada é marcada por uma nova ordem política e social, na qual o direito individual é condicionado ao bem-estar da comunidade. A Constituição Federal de 1988, ao tratar do direito de propriedade, estabeleceu que este deve ser exercido tomando por base o princípio da função social. Nas hipóteses em que proprietário não respeite essa função, nasce para o Estado o poder jurídico de nela intervir e até de suprimi-la. A desapropriação é a única modalidade de intervenção supressiva pela qual a Administração Pública determina a transmissão da propriedade de terceiro para si, desde que observados os pressupostos da necessidade pública; utilidade pública e interesse social. Neste aspecto, a proposta principal deste trabalho monográfico é tratar da possibilidade de desapropriação agrária da propriedade produtiva que não cumpre sua função social à luz dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Palavras-chave: Constituição Federal. Desapropriação Agrária. Função Social.

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1 INTRODUÇÃO ... 10

2 PROPRIEDADE ...13

2.1VISÃO GERAL ... 13

2.2CONTEXTO HISTÓRICO ...15

2.3FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ... 17

2.4FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 20

2.5FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL ... 22

3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE ... 26

3.1MODALIDADES ... 27

3.1.1 Intervenção restritiva... 27

3.1.2 Intervenção supressiva ... 27

3.2DESAPROPRIAÇÃO ... 27

3.2.1 Breve traço histórico ... 28

3.3CONCEITO DE DESAPROPRIAÇÃO ... 29

3.4NECESSIDADE PÚBLICA ...30

3.5UTILIDADE PÚBLICA ... 31

3.6INTERESSE SOCIAL... 33

3.7MODALIDADES DE DESAPROPRIAÇÃO ... 34

3.8DESAPROPRIAÇÃO RURAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA ... 35

3.9COMPETÊNCIAS RELATIVAS A DESAPROPRIAÇÃO ... 37

3.9.1 Competência Legislativa ... 37

3.9.2 Competência Declaratória ... 38

3.9.3 Competência Executória ... 38

4 A POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO DA PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA QUE NÃO CUMPRE SUA FUNÇÃO SOCIAL... 40

4.1O CONCEITO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE PROPRIEDADE "PRODUTIVA" ... 40

4.1.1 Acepção econômica de propriedade produtiva ... 41

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4.3O TRABALHO ESRAVO EM TERRAS RURAIS COMO

DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ... 56 5 CONCLUSÃO ... 61 REFERÊNCIAS ... 63

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1 INTRODUÇÃO

O Estado Brasileiro garante o direito à propriedade, conferindo ao titular do bem as faculdades de usar, gozar e dispor da propriedade rural, simultaneamente, incorpora àquele direito, encargos consistentes com o cumprimento do princípio da função social da terra.

Neste diapasão, importante destacar o papel desempenhado pela Constituição Federal de 1988 que, sem abandonar a concepção de propriedade como direito individual fundamental, inseriu no mesmo rol de preceitos a obrigatoriedade de a propriedade cumprir com a sua função social.

A função social da propriedade é fundamento da intervenção social do Estado na propriedade que exige que a fruição da propriedade seja condicionada ao uso do bem, de modo a promover não apenas seus interesses, mas também de toda a coletividade. Neste sentido, é possível afirmar que a propriedade cumpre com sua função social, ao contribuir, para a construção de uma sociedade livre justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, através da promoção do bem-estar de todos.

Nessa perspectiva, os dispositivos constitucionais que normatizam a função social da propriedade, vinculam o exercício do direito de propriedade ao cumprimento dos objetivos supramencionados.

Para uma propriedade rural cumprir sua função social, a Constituição determina a realização simultânea de quatro condições indispensáveis: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Estes podem ser compendiados sob três óticas: econômica, social, e ambiental.

Desta maneira, é trabalhada a possibilidade de efetiva concretização desses valores através do instituto da desapropriação da propriedade rural para fins de reforma agrária quando houver degradação ao meio ambiente e não observância das regulamentações referentes ao trabalho, como escravo, visando a que se crie um mecanismo eficaz para inibir tais práticas.

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Entrementes, ocorre que, não obstante o artigo 184 da Constituição Federal prever a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel que não cumprir a sua função social, existe a disposição do artigo 185, II, da Constituição Federal que estabelece ser insuscetível de desapropriação aquela propriedade que for produtiva.

A partir destas considerações, formulou-se a seguinte problemática: a propriedade produtiva que não cumpre sua função social pode ser desapropriada para fins de reforma agrária?

Desta forma, como meio de se vislumbrar a realização efetiva da pesquisa e de responder a problemática arguida, dividiu-se a presente monografia em cinco capítulos.

O primeiro diz respeito à introdução, visando a apresentação simplista da matéria e de seu aposto metodológico, que se faz oportuno.

No segundo capítulo, inicia-se o estudo da propriedade, partindo de uma visão geral do instituto, para, em seguida, abordar sua evolução histórica, adentrando no conceito de função social da propriedade à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O terceiro capítulo aborda a temática relacionada à intervenção do Estado na propriedade, o qual encontra seu fundamento nos princípios da supremacia do interesse público sobre o individual, expondo aspectos relacionados a intervenção restritiva e a intervenção supressiva, o instituto da desapropriação, bem como sua origem, fundamentos, conceito e espécies, seja por utilidade pública ou por necessidade pública, adentrando no estudo da desapropriação rural para fins de reforma agrária.

No quarto capítulo, adentra-se na proposta principal do trabalho, sobre a possibilidade ou não de desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade produtiva que não cumpre sua função social, seguido de uma análise doutrinária e finalizando com o aporte jurisprudencial que objetiva a visualização prática do que vem sendo aplicado nas decisões dos tribunais, em especial o Supremo Tribunal Federal.

Por derradeiro, no quinto capítulo, faz-se a apresentação das devidas conclusões diante de todo o subsídio teórico tomado por base para a efetiva resposta da pergunta problema legitimadora da presente pesquisa, dado o objetivo

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geral do presente trabalho que é verificar a possibilidade de se preservar os direitos fundamentais.

Valeu-se da pesquisa básica, tendo por conta que a meta primordial da presente pesquisa é a busca do saber com o intuito de satisfazer um aprofundamento nos conhecimentos, à atualização doutrinária e jurisprudencial.

Tais questionamentos são ilimitados, haja vista a necessária consideração da aludida relevância da qual se reveste a observância da função social da propriedade para a efetivação dos objetivos fundamentais estatuídos pela Constituição Federal de 1988.

Quanto ao objetivo do tipo de pesquisa, determinou-se a exploratória, tendo por conta o intento de oferecer informações acerca do assunto através do estudo de livros, jurisprudências, artigos científicos, trabalhos monográficos e legislações, utilizando-se da técnica bibliográfica, corroborando no estabelecimento de hipóteses acerca do tema proposto.

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2 PROPRIEDADE

Neste capítulo será discutido o tema da propriedade, abordando seu conceito, contexto histórico, e sua função social. Para realizar essa tarefa, serão tomadas como principais referências a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002. Serão usadas também as contribuições teóricas de alguns doutrinadores, como Robério Anjos Filho, Gilmar Ferreira Mendes, entre outros.

Cabe destacar que a propriedade está inserida no Capítulo dos direitos reais do Direito Civil (artigo 1.228 e seguintes), e como é também um direito constitucional, encontra-se amparada no art. 5º, inciso XXII, da CRFB/88, o qual traz que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII: é garantido o direito de propriedade.

2.1 VISÃO GERAL

O direito à propriedade mudou na medida em que foram surgindo novas necessidades e interesses sociais. De um direito absoluto, evoluiu para um direito submetido à função social.

Atualmente, o direito de propriedade não pode ser compreendido a partir da concepção romanística, devendo, ao revés, exercer um papel de realização de finalidades socias e coletivas. (ANJOS FILHO, 2005)

A Constituição Federal de 1988, ao romper com o regime militar antidemocrático instaurou no sistema jurídico uma nova concepção da propriedade. Sem abandonar a concepção de propriedade como direito individual fundamental, inseriu no mesmo rol de preceitos a obrigatoriedade do proprietário em dar função social a seus bens.

Vale dizer que o legislador constituinte estabeleceu que a propriedade particular deve ser respeitada, no entanto, no que tange aos deveres, no inciso imediatamente subsequente, a própria Constituição estabeleceu um dever ao proprietário, qual seja: a obrigação de dar ao objeto da propriedade uma função

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social, nos seguintes termos: “Art. 5º. [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”.

O caput do artigo 1.228 do Código Civil de 2002, isoladamente analisado,

não apresenta qualquer óbice ao exercício do uso e gozo do bem por parte daquele que detém a propriedade, conforme se verifica da redação do referido dispositivo: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Vale destacar, neste ponto, que não cabe à lei restringir ou mesmo regulamentar o direito de propriedade, mas apenas dotá-lo de conteúdo, de essência, conforme afirma Mendes (2008, p. 423):

Como essa categoria de direito fundamental apresenta-se, a um só tempo, como garantia institucional e como direito subjetivo, confia-se ao legislador, primordialmente, o mister de definir, em essência, o próprio conteúdo do direito regulado. Fala-se, nesses casos, de regulação ou de conformação em lugar de restrição. É que as normas legais relativas a esses institutos não se destinam, precipuamente, a estabelecer restrições. Elas cumprem antes relevante e indispensável função como normas de concretização ou de conformação desses direitos e, assim, como se precedem qualquer idéia de restrição. Por isso, assinala-se na doutrina a peculiar problemática que marca essas garantias institucionais: ao mesmo tempo que dependem de concretização e conformação por parte do legislador, elas devem vincular e obrigar o Estado.

O Código Civil no artigo 1.228 não se preocupou em definir propriedade e, sim, em delinear a essência do direito de propriedade. De forma que em seu parágrafo 1º explicita a supremacia da preservação da flora, fauna, belezas naturais, equilíbrio ecológico e patrimônio histórico e artístico, do ar e das águas em detrimento do proprietário que se comportar em desacordo com leis especiais protetivas ao meio ambiente.

O parágrafo 3º do referido artigo homenageia a prevalência do interesse público sobre o privado, permitindo ao Estado retirar do particular o seu direito de propriedade para o cumprimento de suas obrigações constitucionais, isto é, pode o Poder Público para atender à necessidade, utilidade pública ou o interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro desapropriar alguém, bem como, requisitar o bem do particular momentaneamente em caso de perigo público iminente.

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Por sua vez, os parágrafos 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil de 2002, prestigiam o interesse social em detrimento do particular, ao conceder ao Poder Judiciário o direito de desapropriar alguém quando um

imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Como o estudo da propriedade se insere na história da humanidade e, naturalmente na história do Direito, este será o próximo item a ser estudado.

2.2 CONTEXTO HISTÓRICO

A história da humanidade evidencia com nítida clareza que a sobrevivência humana está fortemente relacionada à ideia de propriedade, sendo certo que o indivíduo buscou alcançar o fornecimento dos recursos necessários ao seu sustento sempre através da apropriação de bens, e hoje vivemos sob a ameaça da extinção de espécies, da degradação ambiental que coloca em risco a humanidade, com fundamento nesta mesma questão.

Segundo Quaresma (2010) a origem histórica da propriedade emanou do direito romano, quando então dotada de misticismo imperava o individualismo no que tangia à propriedade. Nas terras distribuídas, anualmente, entre os germanos, o titular do direito não era a pessoa física, mas a “gens” ou a família.

No mesmo sentido, corrobora Maria Helena Diniz (2007, p. 105):

[...] é no direito romano que vamos encontrar a raiz história da propriedade. Na era romana preponderava um sentido individualista de propriedade, apesar de ter havido duas formas de propriedade coletiva: a da gens e a da

família. Nos primórdios da cultura romana a propriedade era da cidade ou

gens, possuindo cada indivíduo uma restrita porção de terra (1/2 hectare), e

só eram alienáveis os bens móveis.

Percebe-se que na Roma antiga a noção individualista da propriedade era muito forte. Marquesi (2001) comenta que esse direito absoluto à propriedade que a cada proprietário era conferido, dava-lhes a permissão de, inclusive, destruir sua propriedade.

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Já na Idade Média, este aspecto individual da propriedade modificou-se, uma vez que predominou no continente europeu o feudalismo, como sistema social, político e econômico, o que teve repercussão direta na forma de apropriação e manutenção da propriedade imobiliária da terra. Neste momento a propriedade passa a se converter em emblema de poder. (GODOY, 1999)

Perante este aspecto de soberania, começaram a surgir concorrências de vários proprietários em relação ao mesmo bem, pois, como bem explica Rocha (1992), de um lado desponta o domínio eminente (Estado), e de outro, o domínio direto (senhor) e, finalmente, o domínio útil (vassalo).

O Estado Moderno, surgido com o fim do feudalismo, deu origem à criação de um modelo de governo forte e centralizado, as monarquias absolutistas, onde o despotismo dos senhores feudais foi substituído pelo dos monarcas, que na busca de proteger seus privilégios, exerceram o poder de forma absoluta.

A Revolução Francesa instaurou uma nova ordem política e social marcada pela liberdade através da contemplação dos direitos individuais e da abstenção do poder estatal.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 17891, ao proclamar o direito de propriedade, como um direito natural, inalienável e sagrado do ser humano, assim expõe: “Art. 17. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização”.

Entretanto, a Revolução Francesa não alterou a concepção filosófica da propriedade advinda do direito romano, mudando apenas o titular deste direito da nobreza e do clero para burguesia. (MIRANDA, 2005)

Em decorrência deste quadro, ressurgiu o direito de propriedade livre, de forma que se restaura “o conceito unitário da propriedade e ampliam-se os poderes por ela conferidos. Tem lugar novamente o fortalecimento da concepção individualista”. (GOMES apud ROCHA, 1992)

Por ser considerado um direito absoluto, o proprietário possuía poderes ilimitados de usar, fruir e dispor de sua propriedade, cultivando sua terra ou deixando-a inculta, por exemplo.

1 É um documento culminante da Revolução Francesa, que define os direitos individuais e coletivos

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Em contrapartida ao liberalismo, surgiu a necessidade de um sistema de proteção estatal que regulasse o abuso econômico. No chamado Estado do Bem-Estar Social, o estado assume a responsabilidade de gerar o bem-estar ao cidadão. A ideia de que a propriedade possui caráter absoluto é afastada, dando lugar à função social desenvolvida pelo detentor do bem.

Cavedon (2003) afirma que o Estado do Bem Estar Social, voltado para a proteção dos direitos sociais, inaugurado a partir da Constituição de Weimar2 influenciou a noção de propriedade, vinculando-a a uma função social.

Diante do contexto histórico brevemente abordado, percebe-se que o direito de propriedade passa a ser exercido em consonância com finalidades econômicas e sociais, de modo a cumprir sua função social, conforme será estudado no próximo item.

2.3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A percepção de função social surgiu da noção de que, enquanto vivente em sociedade, o homem deve empregar esforços no sentido de dar sua contribuição ao bem estar da coletividade em desvantagem dos interesses unicamente individuais. Neste contexto, erige-se a teoria da função social, segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver

2 Constituição da República Alemã de 1919, tida como marco do Constitucionalismo Social,

juntamente com a Constituição Mexicana de 1917, as quais positivaram os direitos sociais fundamentais. Com efeito, o início da idéia de direitos fundamentais remonta o advento do Estado e das teorias contratualistas dos séculos XVII e XVIII que, com o objetivo específico de justificar e legitimar a criação da figura estatal acentuava que o soberano deveria exercer sua autoridade com submissão aos direitos de cada homem, o que simbolizava o advento da importantíssima idéia da supremacia do indivíduo sobre o Estado. Nesse contexto, surgiram os Estado liberais, que, no contexto de proteção do cidadão contra indevidas ingerências do poder estatal, asseguraram uma esfera indevassável de proteção ao indivíduo, através da criação dos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão (ou direitos da liberdade ou liberdades públicas), que, por isso mesmo, representam direitos e prerrogativas a serem exercidos contra o Estado. Incluem-se, entre outros, no rol das liberdades públicas, os direitos à propriedade privada, à intimidade, à privacidade, à liberdade de reunião, de associação e à livre manifestação do pensamento, ou seja, direitos que têm como elemento central a relação – essencialmente desigual – entre soberano e indivíduo e, como princípios norteadores, o liberalismo (quaisquer intervenções estatais são tidas como nocivas), o individualismo, a liberdade e a segurança. Ocorre, no entanto, que o passar do tempo e a alteração da realidade social fizeram com que a mera garantia de direitos a serem exercidos contra o Estado não fosse mais suficiente para permitir a plena realização do indivíduo em seu ambiente social. Na realidade, muitos dos direitos à liberdade então previstos nos ordenamentos constitucionais – tal como ocorria, por exemplo, com o direito à propriedade – somente eram exercidos por alguns membros da coletividade eis que, para os outros, faltavam meios que permitissem adquirir tais prerrogativas. (Pinheiro, 2005).

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da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira”. (FIGUEIREDO, 2008)

Figueiredo, apoiado pela doutrina de Comte, desvenda o cerne da questão, ao afirmar que:

[...] o modo mais eficaz de assegurar a felicidade privada, segundo Comte, é pela procura ativa do bem público, a qual exige, necessariamente, a repressão permanente dos impulsos pessoais que possam suscitar conflitos contínuos. (FIGUEIREDO, 2008, p. 83).

Trata-se, portanto, de limitar certos aspectos da liberdade humana, também quanto aos seus direitos fundamentais, a fim de assegurar o bem estar social.

Acerca da noção da função social, a primeira noção foi idealizada no início do século XX, por León Duguit. Em desacordo às doutrinas individualistas sustentadas até então, o autor contemplou que a propriedade é uma instituição jurídica que, como qualquer outra, constituiu-se para refutar a uma conveniência econômica e, neste ensejo, evoluiu em comunhão com tais necessidades (DUGUIT, 1975).

Nesta esteira, o autor francês fez dura crítica à concepção individualista da propriedade, sobretudo sobre a premissa de que meramente outorgando ao possuidor um direito subjetivo absoluto sobre o bem é que se poderia asseverar a plenitude de sua autonomia individual (DUGUIT, 1975).

O conceito, todavia, não se desenvolveu de maneira tão radical, herdando contornos diversos, como bem assinalado por Mello (1987, p. 41), litteris:

Estamos em crer que, ao lume do direito positivo constitucional, a propriedade ainda está claramente configurada como um direito que deve cumprir uma função social e não como sendo pura e simplesmente uma função social, isto é, bem protegido tão só na medida em que a realiza.

No entanto, conforme já foi estudado, no Estado Social, o conceito de propriedade passou por grandes alterações e à sua estrutura foi incorporada a idéia de função social, impondo ao proprietário a utilização do bem em benefício da coletividade e não mais para sua satisfação exclusiva. (BELTRÃO, s.d.)

Acquaviva (2001) define o termo jurídico função social da propriedade como o princípio pelo qual o interesse público tem prioridade sobre a propriedade

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privada, embora, sem eliminá-la. Tal princípio embasa o intervencionismo do Estado na esfera individual, a fim de concretizar uma visão social de bem comum.

No intuito de servir a coletividade, Bastos (2002, p. 316) entende:

[...] a função social da propriedade nada mais é do que o conjunto de normas da Constituição de uma maneira geral. Segundo o autor, a função social é, deste modo, outro fundamento da intervenção social do Estado na propriedade. Exige-se que a fruição da propriedade seja condicionada nesse sentido, com o objetivo de evitar o uso indevido do bem, pois o progresso da coletividade depende, inevitavelmente, da evolução do instituto da propriedade.

Carvalho Filho (2009, p. 738) explica que a propriedade, ao atender sua função social, “assegura o direito do proprietário, de um lado, tornando inatacável sua propriedade, e, de outro, impõe ao Estado o dever jurídico de respeitá-la nessas condições”. Sob outro enfoque, o princípio ainda garante ao Estado a intervenção na propriedade que não esteja de acordo com a função social, ao mesmo tempo em que faz incidir sobre o proprietário o dever jurídico de mantê-la ajustada à exigência constitucional.

Assim, será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez que esta não esteja cumprindo seu papel social. Neste sentido o julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade3, cuja decisão afirma que o direito de propriedade não tem caráter absoluto, ou seja, descumprida a função social que lhe é inerente, legitimar-se-á a intervenção estatal.

Em contraponto, Farias entende que não merece proteção à propriedade de finalidade social, pois:

Ao impor uma função social a propriedade privada, o constituinte não está apenas limitando o exercício da propriedade privada, talhada no liberalismo oitocentista, porém transcendendo as velhas ideais postas, exigindo uma nova compreensão da propriedade privada, a partir dos valores sociais e humanitários apresentados pela Constituição. Enfim, está afirmando, concluindo o exemplo, que o conteúdo da propriedade privada é a função social, não merecendo proteção a propriedade de finalidade social. (FARIAS, 2011, p. 40-41)

Vê-se, portanto, que a função social é elemento integrante do conceito de propriedade, visto de forma ampla, em que pese cada regime proprietário ter seus próprios critérios de aferição do seu cumprimento, segundo suas peculiaridades, a

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exemplo do que acontece com a propriedade urbana e rural, a propriedade de marcas, patentes e outras propriedades intelectuais. (CARVALHO, 2009)

De fato, como bem de produção que é, capaz de gerar renda, riqueza e promover inclusão social e, por consequência, reduzir as desigualdades sociais, os modos de aquisição e de utilização da propriedade devem estar conformados à sua função social, haja vista que, em seu aspecto funcional, tem como finalidade precípua dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana. (CARVALHO, 2009).

Conforme será estudado a seguir, a função social da propriedade inserida no rol do artigo 5º da Constituição Federal apresenta-se como um instrumento para equilibrar a atividade econômica e também para sancionar o proprietário que a utiliza sem atender ao interesse social.

2.4 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Ao positivar o princípio da função social da propriedade, o constituinte criou instrumentos para efetivar os objetivos fundamentais da Carta Política, que são construir uma sociedade livre justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem-estar de todos, sem discriminações (art. 3º, caput).

Nessa perspectiva, os dispositivos constitucionais que normatizam a função social da propriedade, vinculam o exercício do direito de propriedade ao cumprimento dos objetivos supramencionados.

A Constituição Federal de 1988 contemplou o direito de propriedade como direito fundamental (art. 5º, XXII), assim como a propriedade privada como princípio da ordem econômica (art. 170, II).

O princípio da função social da propriedade pode ser observado em quatro dispositivos constitucionais, quais sejam:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

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Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

III: função social da propriedade.

Art. 182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o plano de desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

[...]

§2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atenda às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Art. 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O Código Civil de 2002, seguindo os passos da Constituição Federal de 1988, prevê expressamente a funcionalização da propriedade, abandonado o caráter individualista e absoluto presente no Código anterior, nos seguintes termos:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.͒

§1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas, sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

[...]

§3º O proprietário pode ser privado da sua coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

Neste aspecto, vale destacar que a Constituição irradiou a noção de função social da propriedade para o Código Civil de 2002, como bem elucida Diniz (2007, p. 107-108):

Em consonância com o comando constitucional, o Código Civil, no art. 1.228, §§ 1º a 5º, afasta o individualismo, coibindo o uso abusivo da propriedade, que deve ser utilizada para o bem comum. Condicionada está a convivência privada ao interesse coletivo, visto que a propriedade passa a ter função social, não mais girando em torno dos interesses individuais do seu titular.

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A fruição da propriedade está condicionada ao cumprimento dos objetivos fundamentais da Carta Política, sendo o princípio da função social da propriedade importante instrumento para assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. (BARATELA, 2010).

Neste ponto, ganha destaque a discussão em torno da efetivação da função social da propriedade rural, em razão do subaproveitamento e até mesmo ociosidade das propriedades, circunstâncias que, por afrontarem o mandamento constitucional, ensejam a restrição do direito de propriedade, reduzindo os poderes reconhecidos ao proprietário, a exemplo da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, assuntos a seguir abordados.

2.5 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

A função social da propriedade rural é o tema em torno do qual gravita toda a doutrina do Direito Agrário (MARQUES, 2009), sendo o fundamento para a realização da política da Reforma Agrária no país.

Godoy (1998) afirma que a propriedade agrária deve ser vista como um bem de produção, designado à atividade agrária, atingindo a função social quando produz de forma adequada, respeita as relações de trabalho e também analisa os ditames de preservação e conservação do meio ambiente.

Neste sentido, a propriedade rural, para cumprir corretamente à sua função social, deve atender simultaneamente, a todos os requisitos do artigo 186 da Constituição Federal de 1988, já citados.

Anjos Filho (2005) depreende que a disposição transcrita acima não pode ser tida como uma inovação no sistema jurídico brasileiro, vez que cuida praticamente de uma reprodução do quanto já disciplinado pela lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), muito embora não se possa negar a vantagem da constitucionalização da função social da propriedade agrária.

Ângulo importante a ser focalizado também diz respeito à observação feita por Peters, que aprecia sobre a terminologia adotada pelo texto constitucional. Para o autor:

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[...] é relevante o uso da expressão aproveitamento ao invés de produção, o que, por si só, sinaliza para a superação do produtivismo, entendido como o uso sem quaisquer limites até o exaurimento, a fim de se colher o máximo no menor tempo, não importando as conseqüências ou reflexos na prática [...] (PETERS, 2006, p. 128).

Para Evangelista (2013), a nuance terminológica implica traço marcante quanto à definição do conteúdo da função social da propriedade rural, mormente quando coligado à qualificação dada ao aludido aproveitamento, concernente aos complementos da racionalidade e adequação. Não basta aproveitar apenas, mas aproveitar de forma racional e adequada. Com isto, buscam-se o aproveitamento da terra com grau máximo de eficiência, devendo ser respeitados ainda os limites da exploração, para que esta não se dê de forma a esgotar o potencial produtivo do bem.

No entanto, para o cumprimento da função social da propriedade rural, a Constituição determina o cumprimento simultâneo dos quatro requisitos (aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores) que podem ser sintetizados sob as óticas: econômica, social e ambiental. (CARVALHO, 2013).

Em relação aos dispositivos presentes na Carta Magna, encontra-se no artigo 1844 a ordem constitucional direcionada à União para que, em determinado caso, cumpra com a efetiva desapropriação, mediante justa indenização. Trata-se de critério objetivo inserido pelo poder constituinte como forma de tornar a propriedade um meio auxiliador do Estado na busca dos objetivos fundamentais da República. (BARATELA, 2010).

Já no artigo 1855 da lei maior, há norma expressa proibitiva de desapropriação por interesse social para os fins da reforma agrária da pequena e média propriedade privada, assim definida em lei, desde que única ao seu proprietário, bem como da propriedade produtiva.

4 Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel

rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

5 Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

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Neste sentido, Baratela (2010, p. 39) discerne:

A proteção dada à pequena e média propriedade rural, contra a possibilidade de desapropriação para fins da reforma agrária, decorre do incentivo à agricultura familiar produtiva e capaz de fixar, com dignidade humana, o homem e sua família numa porção de terra garantidora de trabalho adequado e sustento compatível com as necessidades humanas básicas. Isso evitaria o êxodo rural e a superpopulação urbana que resultam em problemas sociais.

Em relação à forma de cumprimento da função social, como já exposto, o artigo 186 da Carta Magna descreve todos os requisitos que devem ser atingidos, possuindo em sua redação o advérbio ‘simultaneamente’, que exige o cumprimento de todos os requisitos da função social sob pena de atrair a desapropriação estabelecida no artigo 184 da Constituição Federal de 1988. (BARATELA, 2010)

Pinto Junior e Farias entendem da seguinte maneira:

Pensar de forma contrária, ou seja, que o artigo 185, II, possui prevalência sobre os demais artigos é o mesmo que anular todo o artigo 186 e o caput do artigo 184. É conceituar o cumprimento da função social de forma simplória, como índice de produtividade pré-definido por lei, o que nos remete ao período quando só era exigida a produtividade. (PINTO JUNIOR e FARIAS apud BARATELA, 2010, p. 39)

Ao solucionar o conflito entre os artigos 184 e 185 da Carta Maior, infere-se que são condições para o cumprimento da função social da propriedade rural aqueles descritos nos incisos do artigo 186 da Constituição Federal que, se não cumpridos de forma simultânea, darão conjuntura à possibilidade de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Sobre o cumprimento da função social da propriedade rural, levando-se em conta o bem comum, Borges (1992, p. 6) ressalva que: “é o bem da comunidade, e, assim sendo, o Estado, ao objetivá-lo, como é a sua função precípua não pode sacrificar nenhum dos direitos fundamentais do homem”.

De modo que a "correta utilização econômica da terra e sua justa distribuição, de modo a atender ao bem-estar social da coletividade, mediante o aumento da produtividade e da promoção da justiça social” (ARAÚJO apud DI PIETRO, 2012, p. 137), é dever do proprietário, na medida em que está obrigado a observar o princípio da função social da propriedade.

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No entanto, a propriedade rural que não cumpre sua função social pode ser desapropriada para fins de reforma agrária, nos moldes previstos no artigo 184 da Constituição Federal de 1988. Tornando produtiva a propriedade – assegurando-lhe, pois, o cumprimento da função social – o seu titular escapa à possibilidade de desapropriação sob essa modalidade (art. 185, II).

A matéria está hoje disciplinada pela Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1992, e pela Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, alterada pela Lei Complementar nº 88, de 23 de dezembro de 1996. (DI PIETRO, 2012).

Ademais, o princípio da função social autoriza o Estado sempre que houver necessidade, intervir em propriedade privada com o intuito de adequar o uso da mesma ao interesse público. O poder público de acordo com suas prerrogativas impõe suas normas e limites para que se cumpra a função social da propriedade, podendo o Poder público através de diversas modalidades fazer essa intervenção, tema que será versado no capítulo seguinte.

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3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE

Neste capítulo será discutida a intervenção do estado na propriedade, o qual encontra seu fundamento nos princípios da supremacia do interesse público sobre o individual, expondo aspectos relacionados a intervenção restritiva e a intervenção supressiva, o instituto da desapropriação, bem como sua origem, fundamentos, conceito e espécies, seja por utilidade pública ou por necessidade pública, adentrando no estudo da desapropriação rural para fins de reforma agrária. Serão usadas as contribuições teóricas dos principais doutrinadores que abordam esse tema, como ênfase para as obras de José dos Santos Carvalho Filho, Helly Lopes Meirelles, entre outros.

Cumpre destacar que a propriedade privada oponível contra todos não existe mais, podendo o Estado, agora, nela intervir. No entanto, a intervenção estatal, realizada na propriedade de particulares, não se pode concretizar de forma injusta, autoritária ou através de interesses próprios dos agentes públicos.

Carvalho Filho (2009) explica que se pode considerar a intervenção do Estado na propriedade toda atividade estatal, amparada em lei, que tenha por objetivo adequar o bem à função social a que está condicionado. Extraí-se dessa noção que qualquer ataque à propriedade, que não tenha esse objetivo, estará contaminado de ilegalidade.

A intervenção revela um poder do Estado, galgado em sua própria soberania. Nesse sentido Meirelles (2004) afirma que para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares, o poder público impõe normas e limites, e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas, para fazer com que a propriedade atinja sua função social.

Segundo Gasparini (2009, p. 812), a intervenção na propriedade privada nada mais é que “toda ação do Estado que, compulsoriamente, restringe ou retira direitos dominiais do proprietário”.

Sintetizando o conceito, Alexandrino e Vicente Paulo (2008), afirmam que na intervenção, o Estado está agindo na defesa do interesse público, condicionando o uso da propriedade particular.

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3.1 MODALIDADES

Carvalho Filho (2009) divide a intervenção na propriedade em duas modalidades, quais sejam intervenção restritiva e intervenção supressiva.

3.1.1 Intervenção restritiva

Esta modalidade é a intervenção em que o Estado impõe restrições ao uso da propriedade, sem, no entanto, retirá-la de seu dono. Este não poderá utilizá-la a seu exclusivo critério e conforme seus próprios padrões, devendo subordinar-se às imposições emanadas pelo Poder Público, mas, em compensação, conservará em sua esfera jurídica (CARVALHO FILHO, 2009).

As modalidades desta intervenção são: servidão administrativa; requisição; ocupação temporária; limitações administrativas; e tombamento.

3.1.2 Intervenção supressiva

Ainda nas palavras de Carvalho Filho (2009, p. 273), a intervenção supressiva “[...] gera a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, a perda da propriedade”.

É supressiva porque o Estado suprime a res do dominium do proprietário, apoderando-se coercitivamente da propriedade (BARATELA, 2010). Assim, a intervenção supressiva se dá apenas pela desapropriação.

A propriedade é tratada na Constituição de 1988 sob um enfoque social, jamais sob um enfoque individualista. Nesse aspecto, vale dizer a própria Constituição elenca meios de restringir o direito de propriedade, reduzindo os poderes reconhecidos ao proprietário, a exemplo da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social.

3.2 DESAPROPRIAÇÃO

Neste tópico será discutido o tema de desapropriação, abordando seu conceito, contexto histórico, modalidades, tendo como enfoque principal a desapropriação para fins de reforma agrária. Para realizar essa tarefa, será tomada

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como principal referência a Constituição Federal de 1988. Serão usadas também as contribuições teóricas dos principais doutrinadores que abordam esse tema, como ênfase para as obras de Olavo Acyr de Lima Rocha, Hely Lopes Meirelles, Alexandre de Morais, entre outros.

3.2.1 Breve traço histórico

Historicamente, a desapropriação surgiu em nosso ordenamento ainda no tempo do Império com a publicação do Decreto de 21 de maio de 1821. A Constituição do Império do Brasil de 1824, ao mesmo tempo em que estabeleceu o direito de propriedade em toda sua plenitude, no artigo 179, item XXII dispôs que:

É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lograr esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização. (DA SILVA, 1998, p. 2).

Com promulgação da Constituição de 1934, ficou assegurada, aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade. (ROCHA, 1992). Em especial, o artigo 113, parágrafo 17, previa:

É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra e comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

Por mais que o dispositivo constitucional em tela não diga respeito diretamente à desapropriação, ele inovou ao introduzir a ideia da justa indenização nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública.

Foi a partir da Constituição de 1946 que se verificou uma evolução no instituto da desapropriação, onde se verifica a presença de atributos que incidem inclusive nos dias atuais, dentre eles, a indenização justa e prévia, utilidade ou necessidade pública, além do instituto da requisição administrativa. (SILVA, 1998).

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Após entender sucintamente o trajeto do instituto em evidência, passa-se a análise do seu conceito doutrinário e legal.

3.3 CONCEITO DE DESAPROPRIAÇÃO

O direito de propriedade é garantia fundamental do indivíduo, todavia, passível da interferência do Estado ante os reclamos de interesse público, o que pode ocorrer através da desapropriação, forma mais drástica de intervenção na propriedade.

Conceituando o instituto, Meirelles (2001, p. 561) ensina que desapropriação é:

[...] a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para o superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (CF, art. 5ª, XXIV), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF, art. 182, §4º, III), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de Reforma Agrária, por interesse social (CF, art. 184).

De acordo com Araújo (2010, p. 1072), a desapropriação:

[...] é um procedimento, pelo qual o Poder Público (em sentido amplo, abrangendo pessoas políticas e Administração Indireta) ou seus delegados (envolvendo concessionárias, permissionárias e outras pessoas delegadas), iniciando-se por prévia declaração de utilidade pública, necessidade pública e interesse social, impõem ao proprietário (não necessariamente, mas geralmente um particular, podendo ser outro ente público ou sob seu controle) pessoa física ou jurídica, a perda ou retirada de bem de seu patrimônio, substituindo-o pela justa indenização que, em regra, será prévia, e em dinheiro, salvo as exceções previstas na Constituição Federal, bem esse que se incorporará, também em regra, ao patrimônio do expropriante.

Diferente não é o entendimento de Weliton Militão dos Santos (2001, p. 39):

[...] tem-se o conceito de desapropriação como a ação ou resultado de despojar alguém, compulsoriamente, de sua propriedade, retirando-lhe o domínio desta. Do ponto de vista jurídico-teórico, constitui o procedimento por meio do qual o Poder Público, utilizando-se do juz imperii, desapossa

alguém de sua propriedade, adquirindo-lhe compulsoriamente, o domínio, desafetando-a do domínio particular, mediante indenização, por muitos admitida como expropriação.

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Como bem ressalta Di Pietro (2012, p. 166):

A desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade púbica, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização.

Visto que a desapropriação é a modalidade mais drástica de intervenção na propriedade por parte do Poder Público, haja vista consistir em privar alguém da propriedade de forma compulsória, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

Em uma tentativa de conceituação, Hely Lopes Meirelles afirma:

Necessidade pública surge quando a administração defronta situações de emergência que, para serem resolvidos satisfatoriamente, exigem a transferência urgente de bens de terceiro para o seu domínio.

Utilidade pública apresenta-se quando a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. Interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público. (MEIRELLES apud

MENDES; BRANCO, 2012, p. 390-391).

As hipóteses que se configuram como de necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social, são definidos na legislação ordinária. Destacam-se o Decreto-lei nº 3.365/1941, que dispõe sobre os casos de desapropriação por utilidade pública, englobando aí os casos de necessidade pública (art. 5º), e a Lei 4.132/1962, que define os casos de desapropriação por interesse social, a seguir estudados.

3.4 NECESSIDADE PÚBLICA

Conforme Gasparini (2009, p. 840), a desapropriação é de necessidade pública “sempre que o Estado, para atender a situações anormais que se lhe apresentam, tem de adquirir o domínio e o uso de bens de terceiros”.

Di Pietro (2012) afirma que o direito positivo atual define os casos de interesse social e utilidade pública, não mais mencionando as hipóteses de necessidade pública anteriormente previstas no art. 590, § 1º, do Código Civil de

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19166; estas últimas foram enquadradas entre as de utilidade pública. Em síntese, o Decreto-Lei nº 3.365/41 fundiu em uma só categoria – utilidade pública – os casos de necessidade pública e de utilidade pública indicados no referido dispositivo do Código Civil.

Em relação aos casos que podem ocorrer à desapropriação por necessidade pública, Lisboa (2002) leciona que é o interesse imprescindível da coletividade de incorporar, ao domínio estatal, determinado bem. Segundo o autor, são casos de necessidade pública: a) a defesa do território nacional; b) a segurança pública; c) o socorro público, em face da calamidade; d) a salubridade pública.

3.5 UTILIDADE PÚBLICA

A utilidade pública se traduz em conveniência, ou seja, a incorporação do bem particular ao domínio público não é imprescindível. Entretanto, o Decreto Lei nº 3.365/19417 trata as hipóteses de necessidade e utilidade como sendo duas espécies de utilidade pública, visto que utiliza somente esta expressão para as duas formas de desapropriação. (Soares, s. d.)

6 Artigo 590 do Código Civil de 1916: Também se perde a propriedade imóvel mediante

desapropriação por necessidade ou utilidade pública. §1º - Consideram-se casos de necessidade pública: I – a defesa do território nacional; II – a segurança pública; III – os socorros públicos, nos casos de calamidade; IV – a salubridade pública.

7 Artigo 5º do Decreto Lei nº 3.365/1941: Consideram-se casos de utilidade pública: a segurança

nacional; a defesa do Estado; o socorro público em caso de calamidade; a salubridade pública; a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; a exploração ou a conservação dos serviços públicos; abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; o funcionamento dos meios de transporte coletivo; a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; os demais casos previstos por leis especiais. § 1º - A construção ou ampliação de distritos industriais, de que trata a alínea i do caput deste artigo, inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de

indústrias e atividades correlatas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas. § 2º - A efetivação da desapropriação para fins de criação ou ampliação de distritos industriais depende de aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público competente, do respectivo projeto de implantação. § 3º - Ao imóvel desapropriado para implantação de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, não se dará outra utilização nem haverá retrocessão.

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Di Pietro (2012, p. 155) afirma que “[...] há utilidade pública quando a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível”. Enquanto que para Meireles (2001, p. 584), “[...] a utilidade pública apresenta-se quando a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível”.

Nos entendimentos de Lisboa (2002), a utilidade pública é o interesse coletivo de expropriação de um bem, para se lhe conferir o uso mais conveniente e vantajoso à sociedade. Segundo ele os casos em que se pode desapropriar por utilidade pública são; a) o estabelecimento de povoados; b) a constituição de estabelecimento de assistência, educação ou de instrução pública; c) a abertura, o alargamento e o prolongamento de vias públicas: ruas, praças, canais, rodovias, estradas de ferro etc.; d) a exploração de minas; e) a construção de obras destinadas à satisfação dos interesses da coletividade, para fins de decoração e higiene; f) a instituição de servidão administrativa, entre outros.

Na oportunidade, colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça, do qual houve desapropriação por utilidade pública para instalação de usina termoelétrica, atendendo assim à finalidade pública, de acordo com os juízes:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. UTILIDADE PÚBLICA. INSTALAÇÃO DE TERMOELÉTRICA. ART. 5º, I, DO DECRETO-LEI 3.365/1941. INEXISTÊNCIADE VIOLAÇÃO. 1. Hipótese em que o Município desapropriou imóveis, posteriormente doados para empresa que instalou, no local, usina termoelétrica. 2. Os expropriados alegam que houve desvio de finalidade, pois a doação do imóvel a uma única empresa caracterizaria benefício indevido a entidade privada. 3. A tese defendida pelos recorrentes, de que houve apenas uma empresa beneficiada, não consta no acórdão ou na sentença. O Recurso Especial não foi interposto com fundamento em eventual omissão (art. 535 do CPC). 4. O juiz de origem e o TJ concluíram que “a implantação da termelétrica no local atendeu perfeitamente à finalidade pública expressa no ato expropriatório” e que “a desapropriação atingiu o fim a que se destinava, qual seja, contribuir para a expansão da área industrial do Município”. Essa foi a base fática para a interpretação da legislação federal, que não pode ser infirmada em Recurso Especial. 5. Trata-se de utilidade pública, qualificada pelo art. 5º, i, do DL 3.365/1941, que dá ensejo à desapropriação ("consideram-se casos de utilidade pública: (...) a construção ou ampliação de distritos industriais"). 6. Inaplicável o julgado pela Primeira Turma no RMS 18.703/BA. O Recurso Ordinário, diferentemente do Recurso Especial, permite ampla análise dos fatos e de dispositivos constitucionais, e, naquela demanda, comprovou-se o desvio de finalidade decorrente do benefício a uma única entidade privada, à luz da Constituição Federal (art. 37).7. Recurso Especial não provido. (STJ - REsp: 1198161 SC 2010/0112187-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/05/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2011)

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3.6 INTERESSE SOCIAL

A desapropriação por interesse social, decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social, é regida pela Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962.

O art. 2º8, da mencionada lei, descreve as situações de interesse social, incluindo também a finalidade de construção de casas populares, além do aproveitamento efetivo das áreas rurais.

Meirelles (2001) entende que o interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do poder público.

Já nas palavras de Franco Sobrinho (1996, p. 530):

O interesse social nasce da obrigação com a sociedade, a qual possui natureza difusa, é imperiosa, forçada e comutativa. Da obrigação com o todo, com a sociedade, nasce o interesse social. Uma natureza difusa, conforme a natureza do fato socioeconômico. Imperiosa, por se impor na ordem pública. Forçada, porque determinante de uma atividade disciplinadora. Comutativa, já que relaciona partes e pessoas na problemática social.

Para Franco Sobrinho (1996), o direito de propriedade é garantido, desde que o seu uso não confronte o interesse social, ou seja, quando não esteja em discordância com o interesse da coletividade. Todavia, desrespeitados os ditames

8 Art. 2º da Lei 4.132/62: Considera-se de interesse social:

I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; II - a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO; III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola: IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias; V - a construção de casa popular; VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas; VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais; VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas. § 1º O disposto no item I deste artigo só se aplicará nos casos de bens retirados de produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por ineficientemente explorados, seja inferior à média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados. § 2º As necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econômicas locais, cabendo o seu estudo e verificação às autoridades encarregadas de velar pelo bem estar e pelo abastecimento das respectivas populações.

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constitucionais, abre-se a oportunidade para o poder público tomar para si, em proveito da coletividade, as propriedades que não estejam exercendo a função social, que lhes é inerente.

3.7 MODALIDADES DE DESAPROPRIAÇÃO

A Constituição contempla as seguintes modalidades de desapropriação: a desapropriação confiscatória, prevista no art. 2439 da Constituição Federal de 1988 (não confere ao expropriado direito indenizatório); desapropriação clássica ou ordinária, prevista no art. 5º, XXIV, e nos artigos 182 e 184 da Constituição Federal de 1988 (realizada mediante indenização prévia, justa e em dinheiro), e a desapropriação extraordinária (há indenização, mas não será prévia, nem em dinheiro). Para os fins deste trabalho, vamos tratar apenas da desapropriação clássica ou ordinária e da desapropriação extraordinária.

A desapropriação clássica ou ordinária, em que se evidencia a supremacia do interesse público sobre o particular, é realizada mediante indenização prévia, justa e em dinheiro, e tem como pressupostos a utilidade pública, a necessidade pública, e o interesse social. Encontra fundamento constitucional nos artigos: 5º, XXIV, 182 e 184.

Como bem explica Nunes (s.d.), a Constituição Federal de 1988 contempla, também, a desapropriação extraordinária, que é realizada quando o bem particular, que está sendo desapropriado, não está cumprindo a sua função social. Nesta, há indenização, mas não será prévia, nem em dinheiro. Cuida-se de desapropriação com caráter sancionatório, verificando-se nas hipóteses dos artigos

9 Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas

psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

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82, § 4º, III, da CF (desapropriação urbanística)10, e 184 a 186, da CF (e desapropriação rural)11.

3.8 DESAPROPRIAÇÃO RURAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA

Marquesi (2001) explica que essa modalidade de desapropriação foi eleita pelo legislador como um dos instrumentos básicos para a consecução dos objetivos da reforma agrária.

Para Rocha (1992) a reforma agrária visa estabelecer um sistema de relações entre o homem, à propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento do país com gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

O Estatuto da Terra, em seu artigo 1612 destaca que a finalidade da reforma agrária é estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social.

Barros (1998) explica que a desapropriação rural para fins de reforma agrária se tornou possível através do art. 147, 1º, da Constituição Federal de 1946, pela redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 10, de 11 de outubro de 196413. E a implementação desse dispositivo veio com o artigo 20 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964)14.

10 § 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano

diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

11 Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel

rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º. O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. (...)

12 Lei 4.504/64, Art. 16. A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem,

a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, oi progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

13 Emenda Constitucional nº 10, de 11.10.04: Art. 5º Ao art. 147 da Constituição Federal são

acrescidos os parágrafos seguintes: 1º Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, segundo índices

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Como a desapropriação mediante prévio e justo pagamento em dinheiro era difícil, através da Emenda Constitucional nº 10/64, a União passou a ser autorizada a promover a desapropriação mediante prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, hoje conhecidos como títulos da dívida agrária. (FERREIRA, 2000).

A desapropriação rural tem o objetivo de permitir a perda da propriedade de imóveis rurais para fins de reforma agrária. A Constituição de 1988, no artigo 184, sob o título “Da Política Agrícola e Fundiária e Da Reforma Agrária”, prevê que a indenização será paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, sendo que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. Possui disciplina na Lei 8.629/1993, e ainda na Lei Complementar 76/1993 e será objeto de estudo em item seguinte.

A desapropriação para reforma agrária incide sobre imóveis rurais que não estejam cumprindo sua função social, por isso, é denominada desapropriação-sanção.

O cumprimento da função social da propriedade rural requer o atendimento dos seguintes requisitos, previstos no art. 186 da Constituição Federal e regulados pela Lei 8.629/1993: a) aproveitamento racional e adequado; b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A Lei 8.629/93 (art. 6º) considera propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinqüenta por cento do Imposto Territorial Rural e como pagamento do preço de terras públicas [...].

14 Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão

sobre: I - os minifúndios e os latifúndios; II – as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto; III – as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos naturais; IV – as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos; V – as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; VI – as terras cujo uso atual não seja, comprovadamente, através de estudos procedidos pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, o adequado à sua vocação de uso econômico. (BARROS, 1998, p. 47-48).

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Quanto aos requisitos para ocorrer esta desapropriação, Alexandre de Morais (2005) enfatiza que são exigidas as seguintes condições: a) imóvel que não estiver cumprindo sua função social; b) prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária; c) indenização em dinheiro das benfeitorias úteis e necessárias; d) edição de decreto que declare o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária; e e) isenção de impostos federais, estaduais e municipais para as operações de transferências de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. Segundo o autor supramencionado (MORAES, 2005), a Constituição garantiu um tratamento constitucional especial à propriedade produtiva, vedando-se sua desapropriação e prevendo a necessidade de edição de lei que fixe requisitos ao cumprimento de sua função social. Neste diapasão, o enfoque do capítulo seguinte girará, justamente, em torno da possibilidade de desapropriação para reforma agrária da propriedade rural produtiva que não cumpre sua função social.

Destaca-se, por fim, que a pequena e a média propriedades rurais, cujas dimensões físicas ajustem-se aos parâmetros fixados em sede legal (Lei 8.629/1993, art. 4º, II e III), não estão sujeitas, em tema de reforma agrária, (CF, art. 184) ao poder expropriatório da União Federal, em face da cláusula de inexpropriabilidade fundada no art. 185, I, da Constituição da República, desde que o proprietário não possua outra propriedade rural.

3.9 COMPETÊNCIAS RELATIVAS A DESAPROPRIAÇÃO

As competências relativas à desapropriação situam-se em três categorias, segundo Carvalho Filho (2009): Competência Legislativa, Competência Declaratória e Competência Executória.

3.9.1 Competência Legislativa

O artigo 22 da Constituição Federal assim traz: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] II – desapropriação”.

Carvalho Filho (2009) sustenta que essa competência funda-se na produção normativa a respeito da matéria, resultando que é a União quem tem o poder privativo de estabelecer regras jurídicas novas sobre desapropriação.

Referências

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