• Nenhum resultado encontrado

Como vimos, a globalização atual não mais pode ser vista como um processo irreversível. Há outras possibilidades a serem desvendadas e testadas, há outros usos possíveis para as técnicas atuais que servem ao capital. Vislumbra-se um novo mundo possível, de base popular, com a precedência do homem, com uma nova consciência do ser mundo, promovendo uma nova era de mutação. Não há disciplina social que não olhe para o futuro. E uma maneira de se encontrar com o futuro é enxergar a realidade também como aquilo que não existe, “o conjunto de possibilidades não realizado” apontado por Santos. Uma outra globalização supõe que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem, “a primazia do homem, colocado no centro das preocupações do mundo, como um dado filosófico e como uma inspiração para as ações”. Dessa forma, sentimentos como a compaixão e a solidariedade passam a fazer parte das relações entre indivíduos, entre o indivíduo e a sociedade, entre a sociedade e o Estado, “impondo uma nova ética” (Santos, 2000:148).

Para se formular este conjunto de possibilidades “é preciso retomar a idéia de utopia e de projeto” (Santos, 2000:160), onde estão, de um lado, os valores fundamentais, essenciais, como a liberdade, a dignidade, a integridade, a lealdade, a ética, a felicidade; de outro lado, os valores contingentes, devidos à história atual, do presente. Por isso, as possibilidades futuras são muitas, dependendo dos diferentes arranjos e do grau de consciência, há uma gama de possibilidades entre a vontade, o desejo de mudanças, e a efetiva transformação. Daí a importância do projeto, um projeto político claro que viabilize iniciativas, promova capacidades e

articulações entre lideranças, visando à superação de obstáculos e promotor de mudanças.

A perspectiva de um futuro diferente é fruto da construção de uma visão de futuro, um processo usado para criar imagens robustas, vívidas e descritivas de um futuro desejado que impulsione as ações que permitirão que a visão seja alcançada. Enquanto técnica, a visão de futuro normalmente representa o consenso de um grupo de pessoas, considerando a informação que eles acreditam que irá influenciar o assunto de interesse e combinando suas conclusões.

Fala-se de um período não mais apenas regido pela ação de mercado, pela base econômica, mas dirigido pela ação política, entendida no seu sentido mais amplo, de ação do homem. A ação política não é a arte do possível e sim, como afirma Harnecker (2000:397), “a arte de construir a força social e política capaz de mudar a realidade, tornando possível, no futuro, o que hoje parece impossível”. Onde o estilo participativo e o fortalecimento de agentes e instituições locais são, inequivocamente, indícios de um caminho alternativo. Santos (2000) afirma reconhecer o potencial dessa nova variável ascendente, promotora da crise e ansiosa por renovação, mudança – a nova era de transformações. Uma variável, por ele chamada, de variável "gente", gente formada por homens lentos, portadores dos vetores da horizontalidade, dos valores da família, da tradição, do cotidiano, valores endógenos ao território, à localidade. Para o geógrafo, a resposta encontra-se no espaço, precisamente no espaço banal – o espaço de todos – que é ao mesmo tempo “uma condição para a ação, uma estrutura à ação, um convite à ação” (Santos, 1998:257).

O local é a um só tempo o difusor do novo e das formas pré-existentes. Vivemos ao mesmo tempo o Mundo e o Lugar. “Pela primeira vez na história o novo deixa de ser apenas uma referência ao amanhã; ele é também constituído do que hoje ainda não se realizou, mas a partir das possibilidades reais concretas”, afirma Santos (2001:14). O modelo global não produziu soluções para os problemas dos lugares. Neles, onde se dá a vida em sociedade, a velocidade não consegue comandar e impor o seu modelo dominante. No lugar, “o tempo que comanda, ou vai comandar, é o tempo dos homens lentos”, segundo Santos (1999:260). São eles os detentores dos espaços abertos à criatividade, os donos da liberdade, os vizinhos,

os íntimos, os emotivos, atores do espaço banal que convivem dialeticamente com o global.

A aceleração contemporânea, entendida como uma variável ascendente da globalização, dá “a sensação de um presente que foge”, onde as palavras de ordem do período atual são “a fluidez e a competitividade” (Santos, 1998:34). Os homens rápidos são portadores do vetor da verticalidade, da lógica que privilegia a velocidade, a rapidez e não o dinamismo. O rápido obedece a lei da rapidez, código de comportamento que não tem respeito pelo que pré-existe e não tem preocupação ética. O mercado interno ou doméstico tem o papel de redução das velocidades, sendo, portanto, mais sensível ao meio. O mais lento é endógeno, é o que tem raiz, relacionado com a cultura dos povos e pelos povos. São os homens lentos, os cidadãos, que reduzem a velocidade, porque defendem valores e exigem que eles sejam respeitados, sendo, portanto, um obstáculo, um anteparo, à velocidade.

O Período Popular da História pode ser entendido como o da possibilidade do mundo atual dispor de informação em qualquer lugar para, de posse dela, definir estratégias de resistência; e, assim, aproveitar da ação política. A mesma base material, técnica, em uso para construir um mundo confuso e perverso, pode ser a condição para um mundo mais humano. E há, nos dizeres de Santos (2000:174), duas grandes mutações em gestação: a mutação tecnológica, com um novo uso das técnicas de forma democratizada a serviço do homem; e, a mutação filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta.

O período popular se fundamenta nas pessoas e nos lugares. O lugar é entendido como o espaço do acontecer solidário, onde as solidariedades serão criadas a partir de um sistema de comunicação confiável e inter-pessoal. É o espaço da prática política madura, resultado da informação e do conhecimento para a reconstrução do mundo através de uma outra lógica, fundamentada na ação política e não apenas econômica. O grande sujeito da transformação social são os homens lentos, que têm a sabedoria permanente da construção do amanhã. Homens pobres e lentos, oprimidos, sobreviventes, que com a difusão da informação aceleram uma compreensão sobre o mundo e reforçam os processos de resistência, impondo novo

ritmo e peso aos movimentos sociais. No Período Popular da História, o futuro do mundo está sendo plantado pelos homens lentos.