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Só acredito naquilo que posso tocar. Não acredito, por exemplo, em Luiza Brunet.

(Luiz Fernando Veríssimo)

Nos anúncios analisados até o momento, vimos diferentes formas de exploração do sexual. Partimos de simulacros de presença evidentes, em que o registro do erótico correspondia àquele sentido de reciprocidade entre corpos desejantes adotado no capítulo 2, e identificamos formas mais brandas de manifestação do sexual, arrefecendo no percurso cognitivo das construções conotativas.

Buscaremos, a partir de agora, dar conta justamente deste último tipo de encenação, em que os corpos estão ausentes, ou desprovidos de subjetividade, parciais e improváveis, a engendrar efeitos de sexualidade. Para tanto, e isto parece determinante, estes singulares anúncios constroem formas de presença, substitutos semióticos dos corpos verdadeiros, no intuito de deflagrar um sentido sexual. Entretanto, o erotismo depende do efeito de veracidade, “da ilusão referencial” na construção destes simulacros de corpos, o que, com efeito, tem ligação com o tipo de relação entre os significantes presentes nos textos e os respectivos significados.

Segundo Greimas, os dispositivos de representação, como a escrita e as artes plásticas, fazem reconhecer uma relação entre dois sistemas, duas “realidades”, através

de um mecanismo de homologação. Tal mecanismo pode resultar de um processo

arbitrário de relação entre representante e representado, como é o caso da escrita

ocidental, com suas unidades discretas arranjando-se em grupos significantes, ou de um processo motivado, a exemplo dos sistemas icônicos de representação, como a fotografia.65 A partir da relação entre plano da expressão e plano do conteúdo, Floch propõe uma distinção entre os sistemas simbólicos e os sistemas semióticos propriamente ditos. Os sistemas simbólicos, ou arbitrários, apresentam conformidade total entre os dois planos: a cada elemento da expressão corresponde um – e somente um – elemento do conteúdo, a tal ponto que não é mais interessante para a análise a distinção dos planos, visto que têm a mesma forma66. Nos sistema s semióticos, a relação de conformidade entre os planos é nula, tal como acontece com as línguas naturais. Entre estes dois sistemas, aquém das relações arbitrárias, além da não correspondência, Floch identifica os sistemas semi-simbólicos, que se definem pela conformidade não entre os elementos isolados dos dois planos, mas entre categorias da expressão e categorias do conteúdo. Por exemplo, nas pinturas do período renascentista, fica tácita a relação da categoria superior/inferior, no plano da expressão, com a categoria semântica céu/inferno no conteúdo. Q uando falamos de simulacros de presença num enunciado visual, tratamos de significantes e de aspectos da expressão implicados na construção de um sentido de subjetividade e de sua manifestação sensível. Estes significantes são homologáveis aos sentidos de presença apreendidos nos termos dos processos de representação acima descritos. Desta feita, e não poderia ser diferente, os anúncios publicitários que não figurativizam corpos desejantes, efetivam sua temática sexual através da construção de representações, sejam elas motivadas ou arbitrárias, de corpos perfeitamente desejáveis.

O corpo simbólico

Alguns anúncios constroem simulacros de corpos atribuindo arbitrariamente aos elementos figurativizados, um sentido sexual que estes não possuem. Esta construção “artificial” de sujeitos valorados sexualmente dá-se através da relação absolutamente simbólica entre elementos da expressão e do conteúdo. Geralmente, este

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A. J. Greimas, Semiótica figurativa e semiótica plástica , in Semiótica Plástica / org. Ana Cláudia de Oliveira. São Paulo: Hacker Editores, 2004.

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tipo de encenação vincula um sentido sexual ao discurso através de investimentos semânticos reiterados tanto no enunciado verbal quanto no visual. No anúncio da figura 19, identificamos um enunciado que exemplifica muito claramente este tipo de encenação.

Figura 19 – O não-sujeito

Siemens, Marie Claire, 2005

O que ocorre é uma projeção arbitrária de um sentido sexual sobre actantes objetais, uma modalização realizante que provoca mais que uma atualização subjetal dos produtos anunciados. Implica, na verdade, a dissolução das propriedades idiossincráticas da subjetividade, sublimadas agora na objetidade das coisas: o “sex appeal” do inorgânico. Esta categoria de imagens revela uma hibridização entre aquilo mesmo que nos acostumamos a identificar como da ordem do sexual, ou seja, do interesse motivado pelo encontro de subjetividades, o desejo erótico propriamente dito,

com aquilo que é da ordem do querer objetal, inorgânico, cadenciado pela dimensão pragmática da aquisição, da posse e do usufruto do inanimado. No exemplo do não- sujeito da figura 19, bem como no anúncio 20, observamos este investimento de valores sexuais no produto.

Entretanto, neste grupo de anúncios, os efeitos de erotismo não parecem obtidos, mas pressupostos. Já é esperado que o enunciatário apresente uma inclinação de ordem sexual em seu comportamento consumidor, pois o produto ali anunciado manifesta uma qualidade erótica, ou seja, eminentemente sexual, que lhe é atribuída de maneira arbitrária. No caso específico do anúncio da figura 31, o elemento que corrobora esta qualidade, a saliência em forma de “x” que cruza o aparelho celular, na verdade desempenha um papel articulador, pois apenas trata de ratificar a sua “desejabilidade”. Situação análoga, talvez mais contundente, ocorre através da imagem da maçã mordida no pequeno visor, reiteração simbólica de um valor sexual do produto. Já não falamos de um sentido erótico sensível, mas despertado de forma mediada por uma construção frasal e por um símbolo inteligível.

Contudo, a viabilidade de tal texto, a lógica por trás do “sex appeal” de um objeto inanimado, tem a ver com a excitação insólita experimentada pressupostamente pelo enunciatário do anúncio, uma predisposição parafílica (cultural, social, psicológica, ou de outra ordem qualquer) aos desvios fetichistas da sociedade de consumo. De fato, uma excitação desta ordem, pouco ou nada tem que ver com o sexual de que tratávamos até aqui. Esta outra sexualidade, que verificamos implicada nas figuras 19 e 20, segue estatuto absolutamente singular. Sobre o tema, Perniola afirma:

O que sucita inquietude e constitui um enigma é exatamente a confluência num único fenômeno de duas dimensões opostas, o modo de ser da coisa e a sensibilidae humana: parece que as coisas e os sentidos já não lutam entre si, mas tenham tecido uma aliança graças à qual a abstração mais distanciada e a excitação mais desenfreada sejam quase inseparáveis e muitas vezes indistinguíveis. 67

Somos levados a crer numa excitação somática que só pode se realizar através desta sexualidade “branca”, desta conjuntura metafísica que não opõe o sujeito à

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coisa, mas que os tem lado a lado, desprendidos do positivismo de suas limitações paradigmáticas.

A aliança entre os sentidos e as coisas permite o acesso a uma sexualidade neutra, que implica uma suspensão do sentir: esta não é uma anulação da sensibilidade, que provocaria queda de toda tensão, mas o ingresso em uma experiência deslocada, descentrada, livre da intenção de atingir um objetivo. Sentir-se como uma coisa que sente quer dizer, antes de mais nada, emancipar-se de uma concepção instrumental da excitação sexual que a considera naturalmente direcionada para a obtenção do orgasmo.68

Aqui, o erotismo desprende-se do corpo e da subjetividade, suprimidos, consagrando os valores inscritos no objeto. À medida que concebemos esta sexualidade neutra e passamos a aceitar sua efetividade, anuímos, em última análise, à cristalização de um não-sujeito absolutamente operante. Em outras palavras, existiria ainda aqui um sentido erótico, mesmo que de outra ordem, sustentado nas qualidades plásticas e (principalmente) míticas de um objeto definido contingentemente como corpo. Este não-sujeito dá-se a ver totalmente, pois seu “sex-appeal” decorre justamente de seu magnetismo plástico, de sua desejabilidade inorgânica, de sua infalibilidade. Diferentemente dos anúncios com corpos autênticos, que valoravam sobretudo as formas do corpo, os atributos formais aqui relevantes para a caracterização de um sentido erótico (seja ele qual for) são justamente aqueles que um corpo jamais apresentaria.

Na figura 20, outro exemplo bastante similar. O diferencial destacado pelo verbal, uma propriedade “sedutora”, marca uma indefinição que opera um jogo capcioso: tanto o produto quanto seu enunciatário (seu potencial usuário) podem estar sendo descritos na expressão “nascido para seduzir”, o que cria um sentido de identificação. O produto, irresistível ao consumidor, o consumidor irresistível aos seus pares.

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Figura 20 – Sedução sem corpo

Siemens, Cosmopolitan, 2005

Outros exemplos bastante expressivos podem ser observados no esquema abaixo. Em grupo, estas imagens reforçam a idéia de uma sexualidade em que pesam fatores distintos daqueles intersubjetivos. São os produtos, objetos inanimados, que apresentam as qualidades sexuais anteriormente atribuídas aos corpos ou aos seus simulacros.

a b

c d

Figura 21 – Objetos do desejo

Mont Blanc, Vogue, 2005; Lord Taylor, Elle, 2005; Citroën, Vogue, 2004; Pirassununga, Playboy, 2003.

Ainda nesta categoria de imagens, observamos enunciados publicitários que se valem de um expediente centrado no simulacro de subjetividade. A rigor, estes anúncios são marcados por um processo distinto, fundamentado numa temática subjetivante, em que os objetos cênicos – ou mesmo os produtos anunciados –

apresentam um comportamento subjetal, animados por uma sexualidade volitiva que não possuem, mas que manifestam discursivamente. Como pode ser observado na figura 22, este simulacro de erotismo não busca nível algum de iconicidade nas imagens produzidas. Pelo contrário, o que estes simulacros de subjetividade configuram é da ordem de um animismo dos produtos apresentados, da personificação através do comportamento libidinoso: objetos-sujeitos, cuja sexualidade o enunciado constrói. De fato, cabe ao enunciatário aceitar a arbitrariedade um tanto absurda destas imagens.

Figura 22 – Crime passional

Neste interessante anúncio, composto por cinco imagens subseqüentes, temos uma pequena narrativa de notável riqueza temática. Um sujeito, por razões passionais, atenta contra a vida de sua amada. Ele, mais um na multidão, enamorado justamente dela, desejada por todos, ao alcance de poucos. Possuído pela paixão, ele espreita sua amada na calada da noite. Tomado pela febre de seu sentimento, perde a cabeça... Acaba atentando contra a vida dela. A vítima, donzela vulnerável, cai a verter seus humores, atraindo a curiosidade mórbida de uma multidão estarrecida. De volta à cena do crime, ele acaba apanhado. Será reconhecido? Ela sobreviveu...

Este argumento temático extenuantemente aplicado na literatura policial e no cinema noir pouco interesse nos despertaria, não fossem os protagonistas uma garrafa de cerveja e um abridor, simulacros de actantes sujeitos exercitando suas pulsões, suas libidos, suas paixões... Não são pessoas nem parecem com pessoas, no entanto comportam-se como se o fossem. A arbitrariedade destes anúncios, em que os papéis narrativos cabem a objetos inanimados, se dissolve no sentido conotativo do discurso empregado. Aos signos denotados “garrafa” e “abridor”, são atribuídos novos sentidos, e a não pertinência destes, a estranheza que causam, permite o reconhecimento da conotação. Já não temos simplesmente os objetos “abridor” e “garrafa”. A encenação nos traz, na verdade, dois sujeitos. Um verdadeiro universo paralelo, fantasioso, mas no qual o objeto de desejo do aturdido abridor, motivador da desmedida paixão, é o mesmo produto que nos é anunciado, um elo entre dois mundos, uma cerveja avassaladora, que cobra de seu apreciador (como cobrou do desiludido instrumento) uma insana reverência. As minúcias deste anúncio, o jogo de luzes e a inusitada cenografia dão forma a um espetáculo amoroso irredutivelmente plausível que leva o destinatário a confabular hipóteses que justifiquem o ocorrido. Na figura seguinte, duas configurações semelhantes.

a b

Figura 23 – Inocência perdida

Portal Chueca.com, Arena, 2003.

Estas duas fotografias bastante despretensiosas fazem parte de um conjunto de anúncios do site espanhol Chueca.com, um portal de relacionamentos voltado ao público homossexual. Em ambas observamos bastante comedimento cênico, pouca iluminação e uma notável simplicidade. No entanto, o que se encontra de fato reiterado nestas imagens é a mesma motivação de ordem sexual que animava o abridor do anúncio anterior. Em 23b, um peque no urso-confeito avermelhado rompe o invólucro plástico da embalagem que o aprisionava e vai acomodar-se ao lado de outro pequeno urso-confeito avermelhado, cobrando deste o conforto da conformidade com os demais. Na verdade, fugindo do espaço que lhe havia sido reservado, o pequeno ator rompe com um estatuto, com um propósito que já não lhe interessa servir. Está aqui implicado um querer que impulsiona a performance, um querer homossexual: um desejo do mesmo, do semelhante, do proibido, ainda nascente e inocente, próprio dos primeiros anos, da idade das descobertas, da concupiscência inocente permitida às crianças. Embora seja indiscutível a iconicidade patente em 23a, o arranjo dos elementos cênicos – dois bonecos de uma mesa de pebolim – também implica uma volição sexual manifestada por objetos inanimados. Esta prosopopéia publicitária, que não é da ordem do antropomorfismo, mas da subjetivação, é o traço marcante destas imagens, e pode ser verificada também nos anúncios seguintes.

a

b

c

Figura 24 – Objetos-sujeitos

O corpo motivado

Os corpos nos anúncios a seguir são o resultado de estratégias enunciativas com grande apelo conotativo. Na ausência de sujeitos históricos, autênticos, os enunciados remetem ao sentido de presença através do acréscimo de novos significados àqueles signos denotados que já traziam uma relação de expressão e conteúdo (ERC). O que passamos a observar agora, são signos cujo plano da expressão já é um signo, ou seja, signos conotados. Desta feita, para deflagrar do sentido de corporeidadede, é necessário haja uma relação entre o significado que se acrescenta (corpo desejante) e o significado já presente nos significantes utilizados (ERCRC). Quando esta operação for o resultado de uma relação de semelhança, temos uma conotação sexual da ordem da

metáfora. Quando for o desdobramento discursivo de uma relação de contigüidade ou

coexistência, o que se coloca é uma sexualização da ordem da metonímia69.

Corpo metonímico

Na figura 25, o simulacro de presença insinua-se de maneira singular e, como resultado, percebemos um erotismo menos velado que nas imagens simbólicas. Isto parece decorrer da identificação dos traços figurativos de uma corporeidade, que nos permite reconhecer mais rapidamente uma tematização erótica.

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J. L. Fiorin. Metaphore et métonymie: deux processus de construction du discours. In:

J. M. Gressin (org.). Dictionnaire international de termes littéraires. Limoges, Association Internationale de Littérature Comparée/ Université de Limoges, http://www.ditl.info/arttest/art8000.php.

Figura 25 – Erotismo e corporeidade

Axe, Playboy, 2003

Nesta imagem, temos a fachada de um prédio, à qual se prendem dois varais. No varal da esquerda, um par de meias e outro de calças aparentemente masculinas. No outro, à direita, uma blusa feminina e uma calcinha. O slogan do anúncio é o mesmo das campanhas anteriores: “o efeito Axe”. Como aquelas, segue o mesmo princípio anteriormente identificado: o usuário do produto é dotado de um irresistível sex appeal, como se passasse a portar aquele anel descoberto por Turpino. Neste flagrante fotográfico, a blusa da moradora do apartamento à direita parece responder ao irresistível perfume do morador do apartamento à esquerda, remanescente em sua roupa. Sensibilizada pelo encanto, a atrevida blusa manifesta um movimento bastante inusitado, confirmando a competência mítica do produto já apontada nos anúncios com apontadores, parafusos e extensões. Entretanto, nesta imagem em particular, a insinuação sexual fica por conta de elementos cênicos que recuperam uma corporeidade figurativa inexistente nos anúncios precedentes. Isto porque tanto a calça masculina quanto a blusa feminina remetem aos corpos que os ocuparam por guardar semelhança com suas formas. Estes atributos formais são, no mínimo, indícios incontestáveis de duas subjetividades não mostradas. Em algum lugar além daquelas janelas, no universo iconográfico paralelo criado pelo anúncio, dois indivíduos de sexos diferentes esperam suas roupas secar. Um deles – o homem – usa um desodorante que o torna irresistível. Este alhures para o qual aponta a imagem, esta história prévia de que a imagem é uma

singela precipitação, sugere uma intersubjetividade autêntica por trás da prosopopéia que nos é apresentada. Ainda assim, falamos aqui de um erotismo que se constrói no flagrante fotográfico, no comportamento lascivo da blusa e na permissividade da calça. Curioso que a posição das duas peças poderia mesmo ter resultado simplesmente do ato corriqueiro e desinteressado de estender a roupa no varal; a mulher o teria feito depois, o que causou o inusitado encaixe das peças.

Esta libido enunciada, entendida aqui como a energia sexual contagiante que anima o actante sujeito, pede inequivocamente um sujeito desejante como par pressuposto. Esta dialética do desejo – libido mais sujeito desejante – que abordamos sob a fórmula da intersubjetividade recuperada no enunciado, alça-se além da dimensão cognitiva acintosamente relevante nas representações simbólicas. Através desta corporeidade mais crível da figura 25, o enunciado apresenta, na ausência de corpos, uma encenação intersomática que se torna significante por sua dimensão sensível. O enunciatário é convocado a assumir uma das posições actanciais “lacunares”; como se pudesse antecipar, na imediatidade da apreensão em ato, as carícias que receberia se usasse o produto, ele vislumbra sua própria imagem, sua própria subjetividade mediatizada no simulacro publicitário.

Retomemos o anúncio 18, aquele em que um tubo de lubrificante investia contra uma embalagem de papel, e o tipo de presença a que dava forma. Assim como o anúncio 25, ele encena uma intersomaticidade artificial através da presença de dois simulacros de actantes sujeitos. No anúncio 18, a subjetividade é uma instância construída obliquamente, pela analogia entre os objetos utilizados e órgãos sexuais. Já no anúncio 25, como foi colocado no parágrafo anterior, o simulacro apóia-se numa alusão sensível a corpos que se movem, se tocam e manifestam suas libidos, e que, de qualquer forma, estão pressupostos no interior daquelas paredes. Entretanto, salvo tais aspectos dissonantes, ambas as imagens constroem simulacros de intersubjetividade que são encenados para um terceiro actante: o enunciatário. Contrária a esta categoria de intersubjetividade enunciada, temos aquela que aciona o enunciatário enquanto sujeito desejante segundo um arranjo actancial que agora se dá no plano da enunciação (16c). Nesta categoria, observamos uma disposição de actantes que se assemelha à da figura 9 (em que a jovem garçonete fita o destinatário e oferece- lhe uma cerveja), e cujo desdobramento já havíamos identificado no anúncio do vulto negativo do aparelho de depilação (figura 14). Este actante sujeito apresentado é uma espécie de menção

figurativa de um indivíduo alhures, uma referência a sua presença, uma impressão icônica que guarda o formato de seu corpo e que atesta sua existência. Tal arranjo minimal, que figurativiza um único actante em traços parcos de sua materialidade, implica efeitos de subjetividade que tocam a própria subjetividade do destinatário. À medida que o simulacro de presença vai sendo despido de sua corporeidade orgânica, assume gradativamente a condição de uma presença que já não é completa. Este simulacro de presença simulado pode ser observado nas figuras 26 e 27, ambas a recuperar semioticamente corpos através de vestígios de sua existência. O mesmo mecanismo também operava no anúncio das roupas no varal.

A figura 26 traz um anúncio comemorativo dos trinta anos da revista Playboy. Nele, alguns guardanapos, um jogo de talheres, um bolo branco com duas depressões e velas recém apagadas no topo. A sugestão de uma desembaraçada mulher transitando nas imediações daquela mesa com os seios lambuzados em glacê substitui a encenação de uma corporeidade efetiva, figurativizada na plasticidade erótica de um corpo desejável. O texto visual resgata esta subjetividade fugidia através das “pegadas” impressas no bolo. O erotismo por trás da imagem se cristaliza no vácuo deste corpo elíptico, cuja identidade o enunciado verbal ajuda a definir: “Grazi na Playboy 30 anos. O nosso presente para você”. De maneira similar ao que acontece no anúncio 25, esta imagem faz referência à existência real de um corpo que a explica. Entretanto, este modo de operação do erotismo prescinde mais profundamente da alusão figurativa a um corpo e, diferentemente do que também ocorre no anúncio do gel lubrificante, não constrói subjetividades através da personificação de objetos inanimados. Eis nesta

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