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XII. CAMINHOS A SEGUIR

2. Da invalidade do ato administrativo

2.2 Erro nos Pressupostos

Defende o mesmo autor que, para que o ato prossiga o fim legalmente pretendido, necessário se torna que a sua emissão se fundamente em pressupostos legalmente previstos e efetivamente existentes.

Caso assim não suceda, verificar-se-á um vício por falta de pressupostos, o que determinará a anulabilidade do ato.38

Se a emissão do ato se basear em pressupostos legalmente previstos, mas não efetivamente existentes, verificar-se-á falta de pressuposto real ou de facto: a circunstância legalmente prevista não existiu na realidade.39

É o que sucede quando o dono da obra que pretende edificar uma moradia unifamiliar vem junto da respectiva autarquia solicitar o competente licenciamento da obra, omitindo que aquele mesmo prédio, de que é proprietário, se encontra onerado com uma servidão de passagem, em benefício de terceiros vizinhos.

E, com base nessa omissão, que determina erro relativamente aos pressupostos, o município, com desconhecimento total da efetiva existência daquela servidão privada, veio a emitir a licença de construção solicitada pelo particular, com prejuízo de terceiros de boa-fé.

O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação da lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do ato administrativo que contraria a lei. 40

Na verdade, “tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em

37Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, ob. Cit.p. 294.

38Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, ob. Cit. p 295.

39Vide ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, policp., Coimbra, 1978, Pp. 274-275.

40

concreto, resultando do facto de terem considerado na decisão administrativos factos não provados ou desconformes com a realidade.”41

Perante este estado de coisas, admite-se que, constatando-se a existência de erro quanto aos pressupostos, fará todo o sentido que se prossiga com a anulação oficiosa do ato administrativo, tendo como fundamento a sua ilegalidade.

Na base do direito administrativo praticado no exercício de poderes discricionários, deve estar sempre uma vontade esclarecida e livre.

Se a vontade da administração não for esclarecida ou não for livre, porque foi determinada por erro, dolo ou coação, então haverá vício de vontade, ou seja, existe uma vontade que se encontra inquinada e que consequentemente deverá fundamentar a invalidade do ato.42

Os pressupostos de cada tipo de ato administrativo são as circunstâncias objetivas, normativamente previstas da verificação das quais depende a constituição da Administração no poder-dever de agir através da emissão de um ato administrativo desse tipo.43

Conforme esclarece DIOGO FREITAS DO AMARAL, “(...) os órgãos administrativos dispõem da faculdade de, respeitados certos limites, extinguir os efeitos jurídicos dos atos que anteriormente praticaram, desde que os reputem inválidos ou inconvenientes. 44

Na generalidade dos atos administrativos vigora a regra plasmada no artigo 168.º, n.º 1, do C.P.A., que estabelece que [o]s atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão”.

Porém, conforme prevê o artigo 168.º, n.º 4, do C.P.A., quando estamos perante atos constitutivos de direitos, salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, tais atos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da sua emissão, nas seguintes circunstâncias:

41

Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0545/2008, de 12/03/2009.

42DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 3.ª Edição, 2016, p. 353.

a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática;

b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada;

c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.

De acordo com a lei, consideram-se “constitutivos de direitos” os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato. (C.P.A., artigo 167.º, n.º 3).

Atendendo que a licença de construção emitida pela administração local a favor de um determinado interessado com vista à possibilidade legal de construção da sua própria moradia unifamiliar, consubstancia um verdadeiro ato constitutivo de direito, considerando, ainda, que o mesmo interessado omitiu, intencionalmente, que sobre o prédio onde foi implantada a moradia recaía uma servidão privada, poder-se-á concluir que este ato administrativo poderá ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão.

É, de facto, o que prescreve o artigo 168.º, n.º 4, alínea a) do C.P.A.

Convém salientar que quando o referido ato administrativo (emissão da licença de construção) se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional, o mesmo só pode ser objeto de anulação administrativa oficiosa. Cfr. Artigo 168.º, n,º 5, do C.P.A.

Na situação referenciada, em que o dono da obra dolosamente omite pressupostos quer de facto quer de direito, importantes para a cabal e justa decisão administrativa, como é o caso do ónus de servidão privada que incide sobre o prédio onde se edificou uma moradia unifamiliar, ficará, como bem se entende, descartada qualquer indemnização a prestar a esse titular, porquanto a ele se deve o erro nos pressupostos, e consequentemente as consequências daí decorrentes, nos termos do n.º 6, do supra enunciado preceito legal.

Seguidamente, iremos esboçar alguns contornos que nos parecem pertinentes relativamente à possibilidade (a nosso ver justa e merecida) de ser atribuída uma indemnização aos terceiros de boa- fé pelos prejuízos e custos decorrentes da atuação dolosa do requerente/titular da licença de construção, emitida no âmbito do procedimento administrativo, que correu seus trâmites junto dos municípios.

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