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Sanções para as omissões deliberadas por parte do dono de obra ou promotor

XII. CAMINHOS A SEGUIR

4. Sanções para as omissões deliberadas por parte do dono de obra ou promotor

Enquanto a Constituição o não consagrar nem a legislação o prever, restar-nos-á que, sempre que seja suscitada qualquer dúvida relativamente aos direitos de terceiros em sede de procedimento administrativo, quer de licenciamento de obras de construção civil, quer ao nível da comunicação prévia para realização de operações urbanísticas, deverá a administração municipal promover, imediatamente, a suspensão do procedimento, até que a mesma seja clara e definitivamente esclarecida.

Por isso, não nos cansámos de salientar a importância que teve e o contributo que trouxe a decisão proferida em sede do aresto do S.T.A., de 23/06/1999, representando uma inovadora abordagem da temática que nos ocupa, permitindo encarar uma administração local como sendo capaz de aceitar e facultar a possibilidade do direito do urbanismo conviver, simultaneamente, com as demais normas de direito privado.

Para além de tudo, este novo entendimento contribuiu para que o direito do urbanismo não fosse perpetuamente “condenado” e confinado a uma existência solitária, alheado totalmente da esfera jurídica privatística dos intervenientes no procedimento administrativo, com vista à realização de operações urbanísticas, conforme se verificou ao longo de várias décadas.

Nos termos do citado aresto “todo o administrado, em obediência da boa-fé também consagrado no âmbito da actividade administrativa (…), deve, em pedido dirigido à Administração Pública fornecer todos os elementos necessários e suficientes para que ela possa proferir decisão rápida e justa”.

Face a isto, viola o princípio da boa-fé todo aquele que se arroga a propriedade de um prédio, omitindo, porém, a existência de um direito de servidão sobre o mesmo imóvel.

Parece-nos que seria adequado e aconselhável sancionar a conduta destes interessados que, de má-fé, omitem factos importantes para efeitos de uma boa e justa decisão por parte da administração local, devendo ser-lhes assacada a correspondente responsabilização, no mínimo contraordenacional, pelos danos causados a terceiros de boa-fé.

Estas omissões relativamente aos pressupostos por parte do dono de obra, que intencionalmente os omite em sede dos procedimentos administrativos, viciando desta feita a vontade da própria administração local, a qual decide com base em erro, deveria consubstanciar uma contraordenação nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a juntar-se ao elenco plasmado no artigo 98.º, do mesmo diploma legal.

Porém, conforme VIEIRA DE ANDRADE vem defendendo a “actividade administrativa suscita a necessidade de estabelecer garantias substanciais e procedimentais dos particulares, que em grande medida são inspiradas pelo direito penal: princípio da legalidade, princípio da tipicidade, princípio da culpa, princípio da audiência prévia, princípio da tutela judicial efectiva e em prazo razoável.”45

Prossegue o mesmo autor “[d]evem, contudo ter-se em conta as diferenças entre as sanções administrativas e as sanções penais, atendendo especialmente a que a administração não visa fazer justiça, mas assegurar a realização do interesse público”.46

O ilícito de mera ordenação social que viesse a ser integrado naquele normativo, consubstanciaria um ilícito urbanístico.

Assim, “(…) convocando o urbanismo, designadamente no âmbito de aplicação do RJUE, múltiplos atores e interesses de vária índole, e impondo ou pressupondo um conjunto amplo de ónus e obrigações, necessário se torna, a par da definição dos deveres ou proibições imputáveis a cada um, a previsão de situações de responsabilidade pelo seu incumprimento”.47

45JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 4.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p.

De facto, “a actividade de aplicação de sanções urbanísticas encerra o círculo de actividades administrativas de natureza urbanística. Havendo o incumprimento das normas urbanísticas, é reconhecido à Administração o poder de reprimir (jus punendi) os responsáveis por esse facto, sem prejuízo de as condutas poderem ser enquadradas também num ilícito de outra natureza, civil ou criminal”.48

Conforme ensina JOÃO MIRANDA, parece que se caminha cada vez mais para a criminalização de condutas ilícitas no urbanismo. Para além de alterarem as previsões normativas de certos tipos de crime praticados no exercício de funções públicas, como por exemplo o crime de recebimento indevido de vantagem (artigo 372.º), o crime de corrupção passiva (artigo 373.º) e o crime de corrupção ativa (artigo 374.º), foram ainda aditados dois novos crimes no Código Penal relacionados com o ilícito urbanístico.49

Assim, criou-se o crime de violação de regras urbanísticas (artigo 278-A), destinado a sancionar as condutas de realização de obras de construção, reconstrução ou ampliação de imóvel que incidam sobre via pública, terreno da Reserva Ecológica Nacional ou da Reserva Agrícola Nacional e bem do domínio público ou terreno especialmente protegido por disposição legal. 50

Mas as alterações não se ficaram por aqui. Criou-se, ainda, um novo crime no exercício de funções públicas: “o crime de violação de regras urbanísticas por funcionário (artigo 382.º-A), visando punir as condutas conscientes dos funcionários em desconformidade com a legalidade urbanística e que se traduzam numa informação ou decisão favorável sobre um processo de licenciamento ou de autorização, ou ainda na prestação de uma informação falsa sobre as leis ou regulamentos aplicáveis”.51

48JOÃO MIRANDA, A função pública urbanística e o seu exercício por particulares, ob. Cit, nota de rodapé 999, p. 263.

49JOÃO MIRANDA, A função pública urbanística e o seu exercício por particulares”, ob. cit, nota de rodapé 999, p.263.

50JOÃO MIRANDA, A função pública urbanística e o seu exercício por particulares”, ob. cit, nota de rodapé 999, p.263.

XIII. CONCLUSÕES

i. De nada valerá acelerar um procedimento de licenciamento de obras, alheio a quaisquer normas de direito privado, se as suas implicações e consequências se estenderão com efeitos lesivos aos terceiros de boa-fé, arrastando-se anos a fio pelos Tribunais;

ii. A licença de construção constitui uma relação duradoura com a administração e o seu titular, porém, se atentar contra legítimos interesses de terceiros potencia relações duradouras de conflitualidade;

iii. Os pretensos titulares de licença de obra deveriam, ab initio, ser informados pelos serviços municipais dos riscos que incorrem no caso de existirem servidões e outros direitos de natureza privada;

iv. A Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como o Regulamento Jurídico da Urbanização e Edificação, deveriam prever a possibilidade da administração municipal indeferir o pedido de licenciamento sempre que haja qualquer tipo de violação das normas de direito privado, porquanto o ordenamento jurídico português deverá ser encarado como um todo e não como vários “compartimentos estanques”;

v. Nos casos, como sucede no aresto do S.T.A., datado de 23/06/1999, em que o titular da licença de construção omitiu a existência de servidão em benefício de prédio de terceiro, poderá a Administração ou o Tribunal Administrativo proceder à anulação do respetivo ato administrativo; vi. Quando suscitada qualquer dúvida relativa a direitos de terceiros, em sede de apreciação de projetos de construção, deveria o Município, IMEDIATAMENTE, promover a suspensão do procedimento, até que a questão jurídico-privada seja devida e definitivamente esclarecida;

vii. Na senda de HUGES-PERINET MARQUET, a Administração deveria guiar-se tanto pelas normas de direito público como pelas normas de direito privado;

viii. Seria adequado e aconselhável sancionar a conduta dos interessados que, de má-fé, omitem factos importantes para a prolação da decisão por parte da Administração;

ix. O recurso contencioso é o meio próprio para obter o reconhecimento judicial da existência de todos os vícios que possam inquinar um ato administrativo lesivo, e, assim, obter a respetiva anulação.

x. Os atos anuláveis podem ser impugnados perante os tribunais administrativos competentes ou perante a própria Administração dentro dos prazos legalmente fixados.

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CURRICULUM VITAE

I. FORMAÇÃO ACADÉMICA

Curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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