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Por que é que nos licenciamentos de obras o direito do urbanismo tem de morar sozinho?: relatório da atividade profissional

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Academic year: 2020

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Escola de Direito

Ana Paula Bettencourt Pereira

RELATÓRIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL

Por que é que nos licenciamentos de obras o direito

do urbanismo tem de morar sozinho?

Ana Paula Bettencourt Pereira

REL

A

TÓRIO DE A

TIVID

ADE PROFISSIONAL

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Ana Paula Bettencourt Pereira

RELATÓRIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL

Por que é que nos licenciamentos de obras o direito

do urbanismo tem de morar sozinho?

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Isabel Celeste Monteiro Fonseca

Mestrado em Direito Administrativo

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Nome: Ana Paula Bettencourt Pereira

Endereço electrónico: pbettencourt2@gmail.com

Contacto: 967 856 364

Cartão de Cidadão n.º: 7816792 2 ZY6

Título do Relatório de Atividade Profissional: Por que é que nos licenciamentos de obras o direito do urbanismo tem de morar sozinho?

Orientadora: Professora Doutora Isabel Celeste Monteiro Fonseca Ano de conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito Administrativo

É AUTORZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTE RELATÓRIO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___ /___ /_____

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Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim, em cada coisa a Lua toda Brilha, porque alta vive. Ricardo Reis

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AGRADECIMENTOS

À Sr. ª Professora Doutora Isabel Celeste Fonseca, pelo inestimável e imprescindível apoio à realização deste Relatório de Atividade Profissional;

Ao Arlindo, que desde o primeiro momento me apoiou incondicionalmente; Ao Rafael e ao Rodolfo, pela motivação e confiança demonstradas; À Estrelinha que mais brilha no Céu…

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RESUMO

É nosso propósito desvendar se a atual regra da submissão exclusiva das licenças de construção a normas do Direito do Urbanismo, sob reserva de direitos de terceiros, efetivamente os protegerá, sendo certo que, na realidade, se nos afigura tratar-se de uma proteção bastante frágil e tardia.

Pretende-se, assim, ver esclarecida se esta regra, não obstante permitir ganhar tempo nos procedimentos administrativos, a posteriori, não sairá mais morosa e economicamente penalizante para os terceiros de boa-fé lesados, com inevitável recurso às instâncias judiciais a fim de dirimir os conflitos daí decorrentes, processos esses que, não raras vezes, se arrastam indefinidamente ao longo do tempo.

Almeja-se, assim, demonstrar, que seria mais benéfico para a proteção de direitos de terceiros e para a proteção da confiança dos próprios titulares da licença de construção, se a apreciação dos projetos de arquitetura fosse semelhante ao que sucede com a análise das questões de legitimidade pela administração local, ou seja, a sua submissão às normas do direito privado vigente.

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ABSTRACT

It is our purpose to unveil whether the actual construction licensing exclusive submission rule, applied to norms of Direito do Urbanismo, under reservation of others rights, will effectively protect them, taking into consideration that it is actually a rather fragile and late protection.

In this way, we aim at seeing clarified whether this rule, despite accelerating administrative procedures, à posteriori, will turn out to be more laborious and economically penalizing for those who were affected, with inevitable resource to judicial proceedings so as to solve the conflicts it created, processes that, not rarely, drag on indefinitely through the time.

Therefore, it is pretended to demonstrate if it would not be more advantageous for the protection of others rights and for the protection of the own construction license owners trust, in case the architecture project appreciation was similar to what follows the analysis of local admin-istration issues of legitimacy, which is its submission to the actual private right norm.

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS ... V Resumo ... VII Abstract ... IX ÍNDICE ... XI I. INTRODUÇÃO ... 13

II. VIRAGEM NA JURISPRUDÊNCIA ATÉ ENTÃO DOMINANTE ... 15

III. À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA MAIS ANTIGA ... 19

IV. ATOS ADMINISTRATIVOS DE GESTÃO URBANÍSTICA ... 23

1. A Licença de Construção ... 23

2. O regime da Comunicação Prévia ... 25

3. A Autorização de Utilização ... 27

4. A Informação Prévia ... 27

V. A APRECIAÇÃO DOS PROJETOS DE ARQUITETURA PELA ADMINISTRAÇÃO LOCAL ... 29

VI. EXCEÇÃO À REGRA DA SUBORDINAÇÃO DAS LICENÇAS AO DIREITO DO URBANISMO ... 31

VII. MEIOS AO DISPOR DO TERCEIRO LESADO DE BOA-FÉ ... 35

VIII. A SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ... 39

IX. EM BUSCA DA UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO ... 41

X. PROTEÇÃO TARDIA E ONEROSA DOS DIREITOS DE TERCEIROS NA CONCESSÃO DAS LICENÇAS DE CONSTRUÇÃO ... 45

XI. IMPREPARAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PARA A ABORDAGEM DAS QUESTÕES JURÍDICO-PRIVADAS... 47

XII. CAMINHOS A SEGUIR ... 49

1. Competências para averiguação dos pressupostos pela Administração Pública ... 49

2. Da invalidade do ato administrativo ... 50

2.1. Preliminares ... 50

2.2 Erro nos Pressupostos ... 53

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4. Sanções para as omissões deliberadas por parte do dono de obra ou promotor ... 57 XIII. CONCLUSÕES ... 61 XIV. BIBLIOGRAFIA ... 63 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: ... 69 CURRICULUM VITAE ... 71 I. FORMAÇÃO ACADÉMICA ... 71

II. ATIVIDADE PROFISSIONAL PRESENTE ... 71

III. ATIVIDADES PROFISSIONAIS ANTERIORES: ... 73

IV. SEMINÁRIOS: ... 73

V. CONFERÊNCIAS: ... 74

VI. AÇÕES DE FORMAÇÃO E CURSOS FREQUENTADOS: ... 74

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I. INTRODUÇÃO

Já vem de longe e é comummente aceite que a apreciação dos projetos referentes às operações urbanísticas seja única e exclusivamente feita à luz do direito do urbanismo.

Desta feita, “(…) a administração municipal, na apreciação dos projetos de obras de construção civil, apenas verifica o cumprimento de normas de direito do urbanismo. Isto significa que a legalidade que se examina no momento da outorga da licença é a estritamente urbanística. É nisto que se traduz uma das importantes características das licenças de construção: a da sua submissão exclusiva a regras de direito do urbanismo”. 1

Ao longo deste trabalho teceremos, ainda que sucintamente, aquele que foi o entendimento da jurisprudência dominante, bem como da doutrina vigente, no que concerne à temática que envolve a submissão exclusiva ao direito do urbanismo, sempre que estamos perante a apreciação dos projetos de arquitetura, no âmbito do procedimento administrativo que corre seus trâmites legais junto dos municípios e que tem como fim a obtenção de um título (licença de construção) para a realização de uma operação urbanística.

Considerando as manifestas contradições normativas decorrentes deste princípio da submissão exclusiva ao direito do urbanismo, no que toca à apreciação dos projetos de arquitetura e outorga das licenças de construção, não poderemos deixar de “trazer a lume” a não menos importante unidade do ordenamento jurídico.

Não olvidaremos, por se nos afigurar igualmente pertinentes, as verdadeiras desvantagens que o mencionado princípio acarreta, nomeadamente a proteção tardia, morosa e economicamente penalizante para os terceiros de boa-fé.

Perante tal realidade, questionar-se-á se não seria mais fácil, adequado e justo (para todos), evitando trabalhos e despesas completamente evitáveis, caso os municípios tivessem apreciado, ab initio, os direitos de cariz privatístico, eventualmente conflituantes, que subjazem ao

1

FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “As licenças de Construção e os Direitos de Natureza Privada de Terceiros”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coleção Studia Iurídica, Ad Honorem-1, Separata dos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra, Coimbra Editora, 2001.

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pedido de licenciamento ou apresentação da comunicação prévia, ou até, quiçá, na formulação dos pedidos de informação prévia junto da administração local.

Interrogar-se-á, assim, se não seria mais eficaz e assertivo caso o procedimento administrativo que corre seus trâmites nas autarquias procedesse à análise prévia e atempada das questões que se relacionam com o direito privado dos munícipes intervenientes, bem como no que concerne aos direitos e interesses legítimos de terceiros de boa-fé, que possam vir a ser lesados com a atuação e decisão tomada pelo município.

Veremos, igualmente, como os municípios deveriam velar pelo cumprimento total das normas de direito privado, abstendo-se de conceder qualquer licença de construção ou sequer permitir que seja realizada qualquer operação urbanística sempre que se verifique ofensa, desrespeito ou contradição com as normas de natureza privada.

É, assim, nosso intuito clarificar o entendimento de que, caso a administração local decida por “mudar de rumo” e expanda o alcance do seu olhar até às normas de direito privado, em vez velar única e exclusivamente pelo cumprimento das normas de direito do urbanismo, contribuirá para a verdadeira e real percepção de que o ordenamento jurídico é uno e como unidade deverá ser tratado.

O percurso que propomos trilhar não poderia deixar de ter como porto de partida o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.), de 23/06/1999, no âmbito do Processo n.º 44721, por se nos afigurar um importante marco de viragem na jurisprudência portuguesa.

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II. VIRAGEM NA JURISPRUDÊNCIA ATÉ ENTÃO DOMINANTE

Durante longas décadas, no nosso ordenamento jurídico, vigorou o entendimento jurisprudencial bem como doutrinal de que os pedidos de licenciamento, junto da administração local, com vista à obtenção de título legitimador para execução de operações urbanísticas deveriam ser analisados e aprovados sob o crivo do direito do urbanismo.

De facto, à data era totalmente irrelevante que outras questões de foro privatístico viessem a lume ou fossem suscitadas por quem quer que fosse ou qualquer que fosse a fase da tramitação processual em que se encontravam esses procedimentos administrativos.

Segundo o entendimento de ANDRÉ FOLQUE “o Direito do Urbanismo ocupa-se do fenómeno histórico e sociologicamente entendido como cidade (urbs na Roma Antiga, mas também civitas). E dele se ocupa, primeiro, para regular, ordenar e incrementar a segurança, a salubridade e a estética, usando os poderes políticos de polícia administrativa.” 2

De acordo com a definição apresentada por este autor “a cidade vive e constrói-se com uns e com outros. É - ou pretende ser – um espaço de inclusão, de acolhimento para aqueles que pontual ou sistematicamente a cruzam para adquirirem bens e serviços, para receberem cuidados de saúde ou instrução, fruírem dos monumentos e museus, teatros e cinemas ou tomarem parte em eventos desportivos ou religiosos. À polícia administrativa urbanística vem juntar-se uma actividade de fomento – a execução de políticas administrativas”.3

Refira-se que, no passado não muito distante, revelava-se deveras importante e era comummente aceite na generalidade da comunidade jurídica que os municípios não deviam “imiscuir-se” nem tão pouco “meter a foice em seara alheia”, devendo abster-se de analisar e decidir todas as questões externas ao direito do urbanismo, procedendo à sua remissão para outro plano, nomeadamente para o âmbito jurisdicional, sempre que isso acontecesse. Caso os terceiros prejudicados de boa-fé o entendessem, por consideraram que os seus direitos e interesses legítimos estavam a ser violados devido à total indiferença da administração local aos assuntos

2ANDRÉ FOLQUE, Curso de Direito da Urbanização e de Edificação, Coimbra Editora, 2007, p. 7.

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privatísticos, então aí recorreriam aos tribunais comuns a fim de alcançar a resolução dessas mesmas questões.

Vigorava, assim, a regra de que todas as questões de foro privado deveriam ser resolvidas a posteriori e em sede de instâncias judiciais (tribunais comuns), caso fosse essa a intenção do particular lesado pelo ato administrativo, consubstanciado na efetiva concessão de licença construtiva, para a realização de qualquer operação urbanística.

Não era aceitável que no âmbito da análise e da ponderação dos documentos apresentados pelo requerente da licença camarária, em sede de procedimento administrativo, os municípios se pronunciassem ou sequer diligenciassem no sentido de obter esclarecimentos respeitantes às questões de direito privado, que eventualmente pudessem surgir, sob pena de incorrerem em situações de usurpação de poderes.

A administração local dirigia a sua atuação bem como o seu poder de decisão, em sede de procedimento administrativo, com vista à realização de uma qualquer operação urbanística, tendo apenas por base o integral cumprimento das normas legais e regulamentares constantes do direito do urbanismo, descurando, desta feita, todas as questões que eventualmente surgissem ao nível de direito privado.

No nosso ordenamento jurídico, o aresto que representa um incontornável ponto de viragem e uma autêntica “lufada de ar fresco,” no que concerne ao entendimento que vinha sendo trilhado ao longo de várias décadas e que supra aludimos foi, sem dúvida alguma, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 23/06/1999, cujo sumário transcrevemos para melhor compreensão do seu verdadeiro alcance.

– O ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 23/06/1999 (sumário)

I. Todo o administrado, em obediência ao princípio da boa-fé também consagrado no âmbito da atividade administrativa pelo art. 6.º-A do C.P.A. deve, em pedido dirigido à Administração Pública fornecer todos os elementos necessários e suficientes para que ela possa proferir decisão rápida e justa;

II. Viola o aludido princípio o requerente que em pedido de licenciamento para a construção de um muro para vedar determinado prédio, cuja propriedade se arroga, omite a existência de um direito

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III. Cabe nas competências de uma câmara municipal, ordenar as diligências necessárias à averiguação do direito referido em II;

IV. O acto que revoga um outro, resultante de se ter apurado a existência de um ónus cuja inexistência vicia a vontade da autarquia ou do seu presidente ao conceder a licença para a construção requerida, e que resultou das diligências por ela levadas a cabo, não enferma de vício de usurpação de poder;

V. O acto inválido poderá ser revogado pela entidade, órgão ou agente competente, desde que sejam observados os termos e prazo, legalmente fixados.

A jurisprudência portuguesa dominante durante décadas a fio preconizava que a administração municipal, no que concerne à apreciação de projetos de construção, em sede de licenciamento de operações urbanísticas, nada tinha que ver com as relações de direito privado, regendo-se tão-somente pelas regras do direito do urbanismo.

A legalidade que se examinava durante a pendência do procedimento administrativo de licenciamento de obras, bem como no momento da outorga da própria licença de construção era estritamente urbanística.

Vigorava, na generalidade, o entendimento de que à administração municipal apenas competia apreciar os projetos de obras de construção, única e exclusivamente, à luz das normas de direito do urbanismo. Ficavam de fora todas as questões de cariz privatístico, independentemente do momento que surgissem e de quem as suscitasse.

Foi, efectivamente, esta a regra que vigorou durante um longo período de tempo, acolhida ao colo, quer pela jurisprudência, quer pela doutrina até então dominantes.

Conforme alvitra FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “a regra que determina que a licença de construção está submetida exclusivamente às normas de direito do urbanismo aplicáveis aos projetos significa que ela não é o meio adequado para verificar do respeito por situações jurídico-privadas, cuja definição não cabe à Administração mas sim aos tribunais. E isto é assim, rigorosamente, com todas as situações jurídico-privadas decorrentes das servidões de vizinhança (de vistas, de passagem, de luz), bem como das regras de direito privado de construção, por exemplo, as relativas ao afastamento das edificações, abertura de janelas, etc.”4

4

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Na realidade, significa isto que a licença de construção poderá ser concedida/emitida pela administração local sem que para tal tenha havido alguma preocupação, com exceção da legitimidade do requerente, com as questões de caráter privatístico.

Embora a licença de construção emitida pela administração local nasça totalmente alheia às matérias de cariz privatístico, quer sejam elas suscitadas ab initio ou a posteriori, por qualquer terceiro lesado, nem por isso é colocada em crise a própria legalidade da mesma.

Significa isso que para a emissão de licença construtiva não houve lugar nem espaço para que o município procedesse à análise ou apreciação de qualquer questão relativamente ao afastamento dos prédios, ou servidão de passagem, ou servidão de vistas ou de outra qualquer restrição prevista nas normas do direito privado, nomeadamente do Código Civil.

Anteriormente à prolação do citado aresto, o qual corresponde a uma verdadeira viragem no entendimento até então preconizado pela jurisprudência, encontrava-se consagrado na sua plenitude a convicção de que competia à administração municipal tão-somente a apreciação dos projetos de arquitetura e a subsequente tramitação do procedimento de licenciamento ao abrigo das normas de direito público, mais concretamente do direito do urbanismo.

De fora ficavam as normas do Código Civil, sendo certo que a violação destas normas não importavam (nem importam), para o município, o indeferimento dos pedidos de licenciamento, conforme estatui o artigo 24.º do Regime Jurídico das Urbanizações e Edificações (RJUE).

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III. À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA MAIS ANTIGA

Como já alguém disse, é importante conhecermos o passado para melhor compreendermos o presente.

Aliás, o conhecimento que possuímos do passado ajuda-nos não só a entender o “agora” onde nos “situamos”, mas também constitui uma verdadeira base e espaço de reflexão que nos leva inquestionavelmente a um nível superior de maturidade que, por sua vez, nos permite, eficazmente, prevenir e preparar o futuro que se avizinha.

Face ao exposto, deambularemos um pouco em redor de alguns dos arestos que precederam o referenciado Acórdão do S.T.A. de 23/06/1999, sendo que este, como supra se aludiu, representa uma marco indiscutível e uma manifesta abertura relativamente ao entendimento jurisprudencial e doutrinal dominante no nosso ordenamento jurídico, no que concerne à matéria que nos ocupa.

O caminho até então exclusivamente trilhado pelos municípios, no que respeitava à apreciação dos projetos de arquitetura, bem como no âmbito de todo o procedimento administrativo, encontrava-se totalmente alheio ao crivo das normas de direito privado, sujeitando-se tão-somente às normas do direito do urbanismo.

Saliente-se que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.), bastante mais recuado no tempo, exarado em 07/03/1958, no âmbito do Recurso n.º 5053, havia consagrado o entendimento de que “(...) não terem as câmaras, ao conceder licenças para obras, de preocupar-se com a presumível violação de direitos de natureza privada emergente da construção das obras, nem de velar pela observância do artigo 2325.º do Código Civil, respeitante a interesses patrimoniais”.

Segundo este aresto, a administração local não devia submeter-se ao estudo e à análise das questões jurídico-privatísticas eventualmente existentes em sede dos procedimentos administrativos, cujo fim último é legitimar a realização de operações urbanísticas, independentemente dos conflitos privados que possam existir entre dono de obra e terceiros (vizinhos ou não).

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Face a este entendimento, a autarquia deveria sempre decidir as questões exclusivamente relacionadas com o direito do urbanismo, como sejam as questões que se prendem com a segurança, a salubridade e a estética das edificações, bem como com a observância dos planos de urbanização, mas com total desconsideração pelo acatamento das normas jurídicas do direito privado.

Este modelo de atuação administrativa levado a cabo pelos municípios, preconizado pela jurisprudência dominante durante décadas, implicava que, não obstante se verificar uma violação das normas de direito privado, não haveria fundamento válido para o indeferimento do pedido de licenciamento.

Esta total omissão e desprezo pelas questões jurídico-privatísticas, nomeadamente as decorrentes das servidões de vizinhança (de vistas, de passagem, de luz), bem como das regras de direito privado de construção, por exemplo, as relativas ao afastamento das edificações, abertura de janelas, representa um evidente “bico-de-obra” com consequências negativas para os intervenientes do processo, sobretudo para os terceiros de boa-fé, que terão de socorrer-se, a posteriori, das instâncias judiciais ao seu alcance para fazer valer os seus direitos e legítimos interesses.

No mesmo seguimento, veio o acórdão do STA, de 11/12/1964, in AD, n.º 40, sentenciar que “[a] câmara municipal, ao licenciar a construção dos edifícios dos ora recorrentes, colocou estes na posição de poderem construir em obediência aos condicionalismos legais e regulamentares, mas não definiu nem podia definir direitos de terceiros”.

Significa isso que os terceiros ficariam desprotegidos no que concerne aos seus direitos e interesses legitimamente protegidos, de cariz privado, que os afetassem diretamente, sendo certo que o fundamental seria dirigir todo o procedimento de licenciamento única e exclusivamente para a emissão da licença de construção.

Na eventualidade de existirem terceiros de boa-fé lesados nos seus legítimos interesses e direitos legalmente protegidos, sempre teriam estes de se socorrer dos meios judiciais competentes para o efeito – os tribunais comuns.

Prossegue o mesmo aresto “[a]s licenças de construção são de natureza policial, incumbindo à Câmara Municipal assegurar os interesses gerais e prevenir danos sociais, especialmente os referentes à segurança, salubridade e estética das edificações e à observância dos planos de urbanização(...).”

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Este entendimento jurisprudencial que vigorou no nosso sistema judicial, por um período de tempo bastante extenso, consagrava a desresponsabilização total das câmaras municipais pelo eventual desrespeito de direitos de natureza privada, emergente do pedido de licenciamento para realização de operações urbanísticas, podendo e devendo aquelas entidades administrativas – os municípios, emitir licenças de construção para realização de qualquer operação urbanística, sem que para tal se preocupassem ou velassem pela observância das normas jurídico-privatísticas.

Convém não olvidar que ao longo de todo esse percurso esta corrente jurisprudencial era acompanhada pela doutrina portuguesa vigente.

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IV. ATOS ADMINISTRATIVOS DE GESTÃO URBANÍSTICA

Na senda de ALVES CORREIA, “o controlo prévio das operações urbanísticas constitui, assim, um mecanismo indispensável para garantir o respeito das normas jurídicas urbanísticas no momento em que têm lugar as transformações urbanísticas do solo e para garantir a harmonização entre todos os interesses conflituantes coenvolvidos nas ações de ocupação, uso e transformação daquele bem”.5

Subsequentemente faremos uma breve incursão pela licença construtiva emitida pela administração local bem como pelo outro ato de controlo sucessivo (mais simples) que é a comunicação prévia, por representarem, indubitavelmente, realidades fulcrais para a nossa temática.

Subjacentes a estes procedimentos administrativos vislumbra-se todo um longo caminho que se inicia com o pedido de licenciamento ou com apresentação da comunicação prévia, junto dos serviços camarários, reclamando e exigindo por parte da administração local uma análise e ponderação dos respetivos elementos constitutivos do procedimento, tendo como principal incidência os projetos de arquitetura apresentados pelos requerentes, que serão analisados unicamente à luz das normas do direito do urbanismo e não das normas de direito privado.

1. A Licença de Construção

Poderá dizer-se que “[a] licença administrativa de operações urbanísticas teve a sua origem na Portaria de 6 de junho de 1838, a qual determinou que as câmaras municipais podiam estabelecer posturas que proibissem a edificação nas cidades e vilas sem prévia aprovação da respectiva planta, cominando a sanção de demolição do que fosse construído sem licença ou em contravenção da planta aprovada”. 6

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Conforme ensina FERNANDO ALVES CORREIA, “(...) até aquele período histórico, era ainda entendimento corrente – sujeito, no entanto a algumas excepções – quederivava do direito natural de cada proprietário a liberdade de edificar no seu solo como quisesse e com a altura que achasse conveniente, de acordo com a máxima “ejus est era cujus est solum”, sendo que as restrições àquela liberdade eram essencialmente de direito privado, isto é, motivadas fundamentalmente pela protecção dos direitos dos proprietários vizinhos”.7

Refira-se que nessa data já se consideravam algumas exceções ao direito de propriedade, contrariamente ao que se preconizava no direito medieval de que ao proprietário de um imóvel apenas se podiam impor como limites o céu e o inferno.

Estatui o artigo 1344.º, n.º 1 do Código Civil que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.

Porém, o n.º 2 do mesmo preceito legal estabelece que o proprietário não pode, todavia, proibir os atos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir.

De facto, do teor desta norma jurídica “(...) resulta que o direito de propriedade não respeita apenas à superfície de um imóvel - caso contrário, não seria possível nele nenhuma cultura, nem nenhuma construção -, mas que se estende a tudo o que existe sobre o solo ou debaixo dele, for material e lhe estiver unido de modo duradouro. O proprietário pode, por isso, agir livremente sobre o solo que lhe pertence, e debaixo dele, dentro dos limites do que lhe é materialmente possível, podendo excluir qualquer actividade de terceiros, sempre que tenha interesse em excluí-la, no sentido de que a actividade de terceiros possa perturbar o gozo do imóvel que a lei lhe reconhece. A licença de construção, inicialmente, foi utilizada para o controlo prévio das construções e das alterações de obras, estendendo-se de seguida às operações de loteamento e às obras de urbanização, até que por fim abrangeu todas as demais operações urbanísticas, tal como vêm definidas no artigo 2.º, alínea j) do RJUE.” 8

Entende-se por operações urbanísticas, nos termos do mencionado dispositivo legal, “as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que,

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neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água.”

2. O regime da Comunicação Prévia

Muito embora se considere que a licença de construção representa, por excelência, uma forma de controlo administrativo mais abrangente e rigorosa, levada a cabo pela administração municipal no que concerne à realização das operações urbanísticas contempladas no artigo 4.º, n.ºs 2 e 3 do RJUE, não podemos deixar de trazer a lume a figura da comunicação prévia.

Esta figura jurídica apareceu num contexto de simplificação e de aproximação ao cidadão e às empresas, bem como de grande preocupação e vontade em desburocratizar e agilizar os procedimentos administrativos.

Nos termos do que dispõe o teor constante do documento preambular do RJUE “[o] princípio da simplificação administrativa constitui um corolário dos princípios constitucionais da desburocratização e da eficácia na organização e funcionamento da Administração Pública, assim como uma das formas de concretização de um modelo de melhoria da prestação e da gestão dos serviços públicos orientado pela economicidade, eficiência e eficácia. A diminuição dos custos administrativos constitui, ainda, um fator de competitividade económica dos Estados, das empresas e dos cidadãos em geral.”

Como não poderia deixar de ser, “(...) a esse esforço de simplificação, associa-se o correspondente esforço de responsabilização dos intervenientes nas operações urbanísticas, por um lado, assim como das medidas de tutela da legalidade urbanística, por outro.” 9

De acordo com o disposto no artigo 34.º n.º 2, do RJUE, a comunicação prévia consiste numa declaração que, desde que corretamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização dedeterminadas operações urbanísticas, após o pagamento das taxas devidas, dispensando a prática de quaisquer atos permissivos por parte da administração local.

Muito embora o regime de comunicação prévia seja mais simples e célere do que o procedimento administrativo que culmina com a emissão de uma licença de construção, sempre

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se dirá que as operações urbanísticas realizadas sob aquele deverão observar as normas legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente as respeitantes às técnicas de construção e nos instrumentos de gestão territorial.10

O regime da comunicação prévia inicia-se com o ato de apresentação da mesma (cfr. art. 9º n.º 1, do RJUE), a qual deve ser acompanhada de diversos elementos instrutórios (cfr. arts. 9º n.º 4, 10º, 35º n.º 1, 57º n.º 2 e 59º n.ºs 1, 2 e 7, do RJUE, e arts. 8º, 10º, 12º, 14º, 17º e 18º, da Portaria 232/2008, de 11/3) e publicitada no local de execução da operação (art. 12º, do RJUE, e Anexo II, da Portaria 216-C/2008, de 3/3).

De acordo com o disposto no art. 8º- A, do RJUE, a tramitação do procedimento de comunicação prévia é realizada informaticamente, com recurso a um sistema informático próprio, o qual permite, desde logo, a entrega da comunicação.

Como esclarece PEDRO GONÇALVES relativamente ao regime da comunicação prévia“(...) não há lugar à apresentação de um requerimento ou de um pedido, uma vez que, em termos formais, o interessado se limita a ter de comunicar – apresentar uma comunicação – que pretende executar uma certa operação urbanística.”11

Mais defende o mesmo autor que, “o acto de comunicação prévia não envolve qualquer solicitação ou pedido à autoridade administrativa: com a recepção da comunicação, a autoridade fica investida no dever legal e institucional (não relacional) de apreciar a conformidade legal da pretensão, mas não tem a obrigação de emitir uma pronúncia favorável”. 12

10Como veremos adiante, o RJUE impele todo o procedimento administrativo levado a cabo pelos municípios para a apreciação

“solitária e unilateral” à luz do direito do urbanismo, alheando-se pura e simplesmente das questões jurídico-privatísticas que eventualmente existam ou possam surgir na pendência do mesmo procedimento. Vale a pena referir que esta regra sofre apenas uma exceção, que acontece sempre que “estão sobre a mesa” questões relativas à legitimidade dos intervenientes. Como veremos adiante, a emissão da licença dá-se somente após a verificação do cumprimento de certas normas de direito privado.

Conclui-se, assim, que somente nestas situações que se prendem com a averiguação da legitimidade por parte do requerente do licenciamento da operação urbanística ou apresentante da comunicação prévia existe um certo afastamento da regra de submissão exclusiva da licença de edificação a regras de direito do urbanismo e da sua concessão sob reserva de direitos de terceiros. Por isso, a falta ou errada análise respeitante à questão da legitimidade do requerente afetará a validade da licença construtiva emitida pela administração local.

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3. A Autorização de Utilização

Feita uma incursão pelo procedimento da comunicação prévia, passaremos, desde logo, à figura da autorização de utilização.

No que concerne à autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas, tendo em consideração que se trata de uma etapa posterior à da emissão da licença de construção ou da apresentação da comunicação prévia, seremos muito breves na sua abordagem.

Com efeito, de acordo com o artigo 62.º do RJUE, “[a] autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis (...)”.

Considerando que a matéria que propomos analisar no presente trabalho, prende-se com o desenvolvimento e tramitação dos procedimentos administrativos, junto dos municípios, sob o olhar único e exclusivo do direito do urbanismo, com a exceção das questões que se prendem com a legitimidade dos seus intervenientes/requerentes, considerando, ainda, que a autorização de utilização se reporta à fase mais tardia desses mesmos procedimentos (portanto, após emissão da licença construtiva), avançaremos para o pedido de informação prévia que se encontra plasmado nos artigos 14.º a 17.º do RJUE.

4. A Informação Prévia

Realizada a abordagem ao procedimento administrativo que culmina com a emissão da licença camarária e tecida uma ténue alusão ao procedimento mais simplificado da comunicação prévia, traçaremos algumas notas relativamente à figura jurídica da informação prévia, prevista nos artigos 14.º a 17.º do RJUE.

O pedido de informação prévia, quando favorável à pretensão apresentada pelo interessado, vincula as respetivas entidades decisoras competentes, nos termos do artigo 17.º do RJUE.

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Segundo estatui o artigo 14.º n.º 1 do RJUE “[q]ualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.”

Como ensina ALVES CORREIA “[a] informação prévia prestada pela câmara municipal é (….) um verdadeiro ato administrativo, que se pronuncia, de forma prévia ou antecipada, sobre a viabilidade e os condicionamentos legais ou regulamentares de uma determinada operação urbanística.13

A lei permite que o pedido de informação prévia seja formulado por um interessado que não seja proprietário do prédio, sendo que, neste caso, o referido pedido incluirá a identificação do bem e dos titulares de qualquer outro direito real sobre o imóvel, mediante certidão da conservatória do registo predial. Vide artigo 14.º, n.º 3 do RJUE.

Nesta situação em que o interessado não é o proprietário do prédio, a administração local deve notificar o proprietário e os demais titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio relativamente à abertura do procedimento.

Aquando da deliberação da informação favorável, a câmara municipal indica sempre qual o procedimento de controlo prévio a que se encontra sujeita a realização da operação urbanística projetada. Cfr. n.º 3, do artigo 16.º do citado diploma.

Quanto aos efeitos, a lei prevê que, dentro do prazo de um ano, após a decisão favorável do pedido de informação prévia, o interessado deverá junto do município formular o pedido de licenciamento ou a apresentação de comunicação prévia, devendo, ainda, juntar declaração dos autores e coordenador dos projetos, atestando-se que a sua pretensão respeita os limites previstos na informação prévia emitida favoravelmente. (artigo 17.º, n.º 3, do RJUE).

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V. A APRECIAÇÃO DOS PROJETOS DE ARQUITETURA PELA

ADMINISTRAÇÃO LOCAL

Como vimos, compete ao município apreciar os projetos de arquitetura dos pedidos de licenciamento ou dos procedimentos de comunicações prévias apresentados, com vista à realização de operações urbanísticas, nos termos do RJUE.

Assim, “[a] apreciação do projeto de arquitetura, no caso do pedido de licenciamento relativo a obras previstas nas alíneas c) a f) do n.º 2 do artigo 4.º, incide sobre a sua conformidade com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento no território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto”.14 Cfr. Artigo 20.º, n.º 1 do RJUE.

O prazo para a administração local se pronunciar acerca do projeto de arquitetura apresentado pelo interessado é de 30 dias. Cfr. artigo 20.º, n.º 3, do RJUE.

No que concerne aos requisitos elencados no mesmo preceito legal, no seu n.º 1, relativamente aos quais incide a apreciação do projeto de arquitetura, poder-se-á afirmar que a pronúncia da Administração é final e vinculativa. 15

Atendendo que a aprovação do projeto de arquitetura consubstancia um verdadeiro ato prévio, com conteúdo decisório, será pertinente salientar o que vem vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de dezembro (Processo n.º 19/09), “constitui ato administrativo

14Refira-se que as obras previstas na alínea c) a f) n.º 2, do artigo 4.º são: alínea c) As obras de construção, de alteração ou de

ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor; alínea d) As obras de conservação, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como de imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de proteção de imóveis classificados ou em vias de classificação; alínea e) Obras de reconstrução das quais resulte um aumento da altura da fachada ou de número de pisos; alínea f) As obras de demolição das edificações que não se encontrem previstas em licença de obras de reconstrução.

15Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (2.º Juízo), de 28 de outubro de 2009, Processo n.º 4110/2008. Este aresto

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impugnável, o ato que aprovou projeto de arquitetura praticado no âmbito de um processo de legalização de uma obra de construção, que havia sido levada a efeito em desconformidade com um anterior licenciamento, o qual permitiu a implantação daquela obra de molde a não permitir um correto arejamento, iluminação natural e exposição à luz solar de um prédio vizinho”.

Vem sendo defendido por FENANDA PAULA OLIVEIRA “que (...) a administração municipal competente pela apreciação dos projectos e pela concessão de licença de construção, deve apreciar os referidos projectos exclusivamente à luz das normas de direito público, mais especificadamente de direito do urbanismo, e não à luz de normas de direito privado relativas à realização de obras de construção, designadamente normas do Código Civil, cuja aplicação não lhe incumbe assegurar, tanto mais que (…), a violação destas normas não pode constituir fundamento válido para o indeferimento de pedidos de licenciamento.16

De acordo com este entendimento, a licença de construção é um ato administrativo que estabelece tão-somente a situação jurídica do respetivo titular, no âmbito da sua pretensão construtiva, permitindo-lhe a realização da obra e a obtenção da competente licença camarária.

Contudo, a mesma autora cuidou esclarecer que “(...) a licença de construção não é susceptível de modificar, de qualquer modo, direitos ou obrigações que existem nas relações entre os particulares. Não pode, por isso, valer como título de propriedade nem servir de título constitutivo para uma servidão”17, tal como não pode assegurar o direito e obrigações já existentes

nas relações privatísticas.

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VI. EXCEÇÃO À REGRA DA SUBORDINAÇÃO DAS LICENÇAS AO DIREITO

DO URBANISMO

Na senda do explanado no presente trabalho, não obstante constatar-se a ausência de cuidado e alheamento total (quase “cegueira”), em relação ao cumprimento das normas jurídico-privatísticas face ao tratamento, análise e apreciação dos projetos de arquitetura e tramitação no âmbito dos procedimentos administrativos, que correm seus trâmites junto da administração local, com vista a obtenção/emissão da licença de construção para realização de operação urbanística, haverá que salientar a existência de uma exceção a esta mesma regra de submissão ao direito do urbanismo. Exceção essa que ocorre sempre que são suscitadas dúvidas quanto à legitimidade dos intervenientes no pedido de licenciamento ou da apresentação da comunicação prévia, junto da entidade competente – municípios.

Verifica-se, aqui, uma verdadeira exceção à regra comummente vigente da subordinação das licenças de construção às normas do direito do urbanismo.

Nestes casos, poder-se-á constatar que o procedimento administrativo seguirá os seus trâmites legais, tão-somente, após a administração local ter verificado o cumprimento de certas normas de direito privado, nomeadamente à averiguação e esclarecimento no que concerne à legitimidade do titular ou requerente do pedido de licenciamento ou da apresentação da comunicação prévia.

O procedimento administrativo, cujos trâmites legais correm junto da administração local, a fim de permitir legalmente a realização de operações urbanísticas, apenas se desenvolve e prossegue os visados fins, quando possui os necessários elementos para aferir da legitimidade do requerente do licenciamento de obras de construção ou do apresentante da comunicação prévia.

Só após obter os necessários esclarecimentos perante as dúvidas suscitadas no âmbito do procedimento administrativo, relativamente à legitimidade dos respetivos interessados, sejam eles requerentes do licenciamento ou meros apresentantes da comunicação prévia, é que a administração local obtém “luz verde” para prosseguir, desenrolando-se normalmente a respetiva tramitação processual.

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Denota-se, in casu, um efetivo afastamento da regra de submissão exclusiva da licença de edificação a regras de direito do urbanismo, cumprindo-se, desta feita, o velho ditado popular que diz “não há regra sem exceção”.

Na eventualidade de vir a falhar, por qualquer motivo, a apreciação da legitimidade das partes intervenientes no procedimento de licenciamento ou da comunicação prévia, poder-se-á concluir que essa lacuna ou erro de apreciação afetará a própria validade da licença construtiva ou da comunicação prévia apresentada perante a administração local.

Neste mesmo sentido, concluiu o Acórdão do STJ, de 26/02/1998, Proc. N.º 819/97, “a concessão da licença, apesar do respetivo requerente não ser titular da propriedade do terreno, foi o acto praticado com erro sobre os pressupostos, o que determina a anulabilidade...”

Ressalvando os casos em que está em causa a legitimidade do requerente da licença ou do apresentante da comunicação prévia para realização de uma operação urbanística, a regra que vigora é de que a licença de construção é emitida independentemente do cumprimento das regras de direito privatístico, bem como a absoluta certeza de que o seu desrespeito não implica qualquer invalidade do título emanado pela administração local.

É, de facto, esta a direção de rumo que adotou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/04/1962 (Proc. n.º 58826) o qual determinou que, “a aprovação das obras pelas câmaras municipais não impede o exercício dos proprietários lesados por elas, competindo aos tribunais comuns conhecer das ações tendentes a obter nessas obras a obediência às prescrições regulamentares”.

Neste mesmo sentido asseverou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/12/1994 (Proc. n.º 6806), que “tais licenciamentos (de obras) são concedidos nos limites e condições legais e regulamentares. As relações jurídicas de vizinhança que possam deles surgir quanto a terceiros confinantes não podem ser discutidas no contencioso administrativo”, e continua defendendo que, “as questões que surjam entre proprietários confinantes e o terreno de construção licenciada são meramente particulares e estranhos ao âmbito do contencioso administrativo, devendo ser solucionadas pelos tribunais judiciais (...) ”.

É prática corrente e sobejamente conhecida pela generalidade da população que, nos municípios portugueses, mesmo que a licença de construção tenha sido emitida com violação das normas de direito privado ou com violação de direitos de terceiros (excecionando as questões de legitimidade que são analisadas à luz do direito privado), nem por isso a mesma licença construtiva

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Contudo, os terceiros de boa-fé lesados, caso assim o entendam, terão de recorrer às instâncias judiciais (junto dos tribunais comuns) para fazer valer os seus direitos, pois, como vimos, durante o procedimento administrativo, que corre seus trâmites legais junto da administração local, as questões de cariz privado como as servidões de passagem, de vista, de luz, bem como os eventuais conflitos que sejam suscitados por terceiros de boa-fé em torno dos afastamentos das edificações ou relacionadas com as aberturas de janelas, foram manifestamente ignoradas.

Saliente-se que nas situações em que a invalidade é suscitada no âmbito do procedimento administrativo, por exemplo, quando se verifica a violação de normas do direito do urbanismo, serão competentes os tribunais administrativos e não os tribunais comuns.

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VII. MEIOS AO DISPOR DO TERCEIRO LESADO DE BOA-FÉ

O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) garante aos cidadãos a faculdade de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os direitos à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário (n.ºs 1 e 2).

Segundo VIEIRA DE ANDRADE, estes direitos podem ser agregados num direito geral à proteção jurídica, que constitui um direito-garantia dos cidadãos.18

Ao nível constitucional, o direito à proteção judicial é ainda reforçado pelo artigo 205.º, que estabelece nos n.ºs 2 e 3, a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução efetiva.19

O texto constitucional consagra, ainda, no seu artigo 268.º, n.º 4 e ss. o princípio da tutela judicial efetiva dos cidadãos perante a Administração Pública.

Saliente-se que esta proteção não fica confinada à C.R.P., porquanto o artigo 2.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.) consagra que “ todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”. Contudo, como esclarece VIEIRA DE ANDRADE, embora o recurso às vias judiciais possa assegurar a tutela adequada a todos os cidadãos, se afigure uma efetiva garantia relativamente à boa administração da justiça, não poderemos olvidar que essa possibilidade conduz a uma manifesta morosidade da realização da justiça.20

Verificando-se uma situação de desrespeito das regras de direito privado por parte do construtor ou empreiteiro, nomeadamente a construção de uma moradia implantada em terreno alheio, bem como uma violação de servidão de direito privado, o terceiro (vizinho) lesado, caso assim o entenda, poderá eventualmente socorrer-se das instâncias judiciais (tribunais comuns) para fazer valer e proteger os seus legítimos interesses, mesmo no caso em que a edificação tenha

18Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Lições, 14.ª Edição, 2015, Almedina, p. 144.

19Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa..., ob. Cit. p. 144.

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sido realizada em total conformidade com a respetiva licença construtiva, emitida pelo Município territorialmente competente.

Contudo, não podemos deixar de salientar que esta solução representará sempre uma maior onerosidade para o terceiro de boa-fé que vê os seus interesses e direitos afetados pela atuação, não raras vezes, dolosa por parte dos interessados no procedimento de licenciamento administrativo.

Refira-se que os donos da obra ou requerentes do licenciamento administrativo com interesse na realização de uma determinada operação urbanística, para além de omitirem direitos de terceiros de boa-fé, por vezes, arrogam-se detentores de direitos que não possuem ou, então, omitem direitos legítimos de terceiros, com o fito de alcançarem os seus próprios objetivos construtivos, alheios e com desrespeito pelos direitos de outrem.

Frequentemente, surgem situações incómodas e desfavoráveis para os vizinhos ou terceiros de boa-fé que, por razões de desconhecimento, por motivos económicos ou de outra ordem (por exemplo por motivos de doença) ou por qualquer outro motivo, somente após a obra se encontrar parcial ou totalmente concluída é que recorrem às vias judiciais para resolverem os litígios resultantes da atuação dolosa dos donos de obra, que deliberadamente omitiram elementos e pressupostos importantíssimos em sede de procedimento administrativo.

Perante tal realidade, questiona-se se não seria mais fácil, adequado e justo (para todos), evitando trabalhos e despesas completamente evitáveis, caso os municípios tivessem apreciado, ab initio, os direitos de cariz privatístico, eventualmente conflituantes, que subjazem ao pedido de licenciamento ou apresentação da comunicação prévia, ou até, quiçá, na formulação dos pedidos de informação prévia junto da administração local.

Questiona-se, ainda, se não seria mais eficaz e assertivo caso o procedimento administrativo levado a cabo pela administração local procedesse à análise prévia e atempada das questões que se prendem com o direito privado dos munícipes intervenientes, bem como em relação aos direitos e interesses legítimos de terceiros de boa-fé, que possam vir a ser lesados com a atuação e decisão tomada pelo município.

A fim de evitar males maiores e prejuízos para os vizinhos e/ou terceiros de boa-fé, melhor seria que a apreciação realizada pela autarquia relativamente a questões de direito privado fosse tida em conta desde o nascimento do próprio procedimento administrativo evitando-se assim que a obra fosse sequer iniciada e muito menos realizada, como não raras vezes sucede no atual

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Por isso, revela-se de extrema importância evitar, a tudo custo, que o terceiro de boa-fé tenha forçosamente de se socorrer das instâncias judiciais, a posteriori, junto dos tribunais comuns, por serem estes materialmente competentes, sempre que pretenda dirimir os conflitos decorrentes da realização de obras com violação de direito privado, quando na verdade essa preocupação deveria ter sido acolhida pela administração local, a fim de evitar que os licenciamentos e comunicações prévias tivessem um início “com vícios” e incorreções.

Como é consabido, esses conflitos decorrentes do exercício legitimado para a realização de operações urbanísticas, muitas das vezes em estado avançado de construção, para além de representarem maior morosidade para o terceiro de boa-fé, também lhe causa mais contratempos, acarretando-lhe, indubitavelmente, maiores custos.

Convém não olvidar que, por diversas vezes, o dono da obra com o intuito de executar determinada operação urbanística, seja a construção de uma habitação, anexo agrícola, muro, instalações industriais, ou quaisquer outras obras de construção civil, omite deliberadamente à administração local direitos que oneram o imóvel onde pretende edificar, com inevitável prejuízo para terceiros de boa-fé.

Não podemos deixar de nos questionar, com alguma inquietação, relativamente à melhor solução a adotar perante situações extremas e lesivas para terceiros de boa-fé, como por exemplo nos casos em que o dono da obra obteve (legitimamente) uma licença construtiva emanada pela entidade legalmente competente – município – para edificar uma moradia, mas onde se verifica total violação de normas de direito privado, nomeadamente a verificação de emissão de fumo, a produção de ruídos para a vizinhança, ou total desrespeito por uma servidão de vistas, conforme vem previsto nos artigos 1346.º e 1360.º do Código Civil.

Importará não descorar que sendo a licença de construção legitimadora da execução de uma operação urbanística, sempre haverá repercussões, direta ou indiretamente, na esfera jurídica de terceiros, o que doutrinalmente se designa por efeitos jurídicos multipolares ou poligonais.

Na senda do entendimento de GOMES CANOTILHO, o procedimento de licenciamento não se circunscreve unicamente a uma relação bilateral entre a Administração e o particular, mas antes, estende-se por diversas relações onde se interpenetram, em conflito, interesses públicos e interesses privados.

Na realidade, “uma relação jurídica, enquanto relação social disciplinada pelo direito, pressupõe um relacionamento entre dois ou mais sujeitos, que seja regulado por normas jurídicas

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das quais decorrem as posições jurídicas, activas (direitos) e passivas (deveres), que constituem o respectivo conteúdo”. 21

Poder-se-á assim confirmar que “[a]s relações jurídicas de direito administrativo são relações jurídicas públicas - seguindo um critério estatutário, que combina a qualidade pública dos sujeitos, a natureza pública dos fins e a especificidade pública (prerrogativas de autoridade) dos meios utilizados -, isto é, aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público ou de um dever público, conferido ou imposto com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.22

Para JOÃO MIRANDA o urbanismo é um dos setores da atividade administrativa mais propício à formação de relações jurídicas administrativas multilaterais.23

Esclarece o autor, “a propósito do poder de licenciamento de operações urbanísticas, que o legislador português não utiliza a expressão «sob reserva dos direitos de terceiros», mas pode extrair-se do artigo 4.º do Regulamento Geral da Edificação e Urbanização (RGEU) a necessidade de acautelar os direitos de terceiros «a concessão de licença para a execução de qualquer obra» não prejudica a obrigatoriedade de os trabalhos serem realizados em «obediência a outros preceitos gerais ou especiais a que a edificação, pela sua localização ou natureza, haja de subordinar-se».24

Esta situação não é ímpar porquanto relativamente ao procedimento de licenciamento, também se põe o problema da proteção de terceiros no direito espanhol.25

21JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, p. 61.

22JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, ob. Cit. p. 61.

23JOÃO MIRANDA, A função pública urbanística e o seu exercício por particulares, Coimbra Editora, 2012, p. 497.

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VIII. A SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

É interessante verificar que o artigo 11.º, n.º 8, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), prevê que, se o direito que o requerente invoca for judicialmente contestado por terceiros, deve o presidente da câmara suspender o procedimento do licenciamento, até que seja decidido naquela instância o respetivo litígio.

Assim, “se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o presidente da câmara municipal suspender o procedimento até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, notificando o requerente desse ato (...)”, evitando assim, que males maiores se avizinhem, até que a questão controversa, seja ela qual for, venha a ser dirimida e esclarecida.

Contudo, sem prejuízo do previsto naquele dispositivo legal, o interessado poderá, caso assim o entenda, requerer a continuação do procedimento, em alternativa à suspensão, ficando a decisão final condicionada, na sua execução, à decisão que vier a ser proferida pelo órgão administrativo ou tribunal competente.

Na verdade, não poderíamos estar mais de acordo com a posição levada a cabo pelo legislador ínsita no artigo 11.º, n.º 7, o qual prevê a suspensão do procedimento administrativo se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, porquanto, desta maneira, evitar-se-ão mais e maiores conflitos, morosidade e onerosidade na resolução dos problemas suscitados em sede de procedimento administrativo.

Saliente-se, ainda, que tanto nestes casos como em outras situações onde sejam suscitadas dúvidas relativamente a direitos de terceiros de boa-fé, afigura-se-nos ser adequado e proporcional suspender, de imediato, o procedimento, sob pena de se avolumar e adensar o “novelo” de conflitualidade entre as partes intervenientes.

Só desta maneira poder-se-á evitar que as situações mal esclarecidas e em conflito entre os intervenientes (dono da obra e terceiro de boa-fé) se venham a arrastar e a complicar, levando

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a que o terceiro de boa-fé tenha sempre que valer-se dos meios judiciais para dirimir situações que seriam facilmente resolvidas, caso a administração local tivesse o cuidado de analisar, ab initio, as questões de cariz privado, aliás, como procede sempre que existem questões relacionadas com a legitimidade dos intervenientes no procedimento administrativo.

Por isso, parece-nos que, sempre que se verifique a existência de dúvidas e não ocorra a aludida suspensão do procedimento administrativo, a consequência disso será, inevitavelmente, o recurso às instâncias judiciais com evidente perda de tempo por parte dos respetivos intervenientes, sem descurar o acréscimo de despesas com a procura e necessidade de obtenção de serviços prestados por advogados e custas processuais.

Tudo seria mais simplificado e consentâneo com os princípios da economia e da celeridade processuais, caso se realizasse desde o início dos vários procedimentos administrativos em causa a averiguação dos direitos privados subjacentes aos mesmos.

Isto é o que acontece sempre que se levantam questões de legitimidade em sede de apreciação de pedido de licenciamento ou de apresentação da comunicação prévia junto dos municípios.

Entende-se que só desta maneira se conseguirá obviar todo o “emaranhado” de conflitualidade que, desnecessariamente, é tecido nos procedimentos administrativos, em sede de apreciação de pedidos de licenciamento ou de apresentação de comunicação prévia com vista à realização de operações urbanísticas.

É tempo de abandonar o entendimento e também a prática de, teimosamente, olhar numa só direção e “tudo ver” à luz (única) do direito do urbanismo, alheando-se de toda e qualquer preocupação ou violação relativamente às normas e aos princípios de direito privado, sempre que se trata de analisar processos administrativos, mais concretamente os projetos de arquitetura.

Urge, assim, parar de “fazer de conta” de que não há necessidade de respeitar e cumprir qualquer norma ou princípio inerente ao direito privado, até porque o ordenamento jurídico é inteiro, uno e constitui, por isso mesmo, uma unidade, rejeitando-se, liminar e definitivamente, a ideia de que os direitos privado e público não podem conviver entre si.

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IX. EM BUSCA DA UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Sobressai do entendimento generalizado da jurisprudência e da doutrina que a licença urbanística é independente de quaisquer direitos privados de terceiros, encontrando-se sujeita exclusivamente às normas do direito do urbanismo, como se de um “compartimento estanque” se tratasse.

Isso significa que nos procedimentos de licenciamento e na comunicação prévia, que correm seus trâmites legais junto dos municípios, o direito do urbanismo “reina sem rival”, de nada relevando que ocorra qualquer violação das normas de direito privado ou quaisquer prejuízos dos direitos de terceiros de boa-fé que daí possam advir.

Reconhecemos, por isso, ao supra mencionado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 23/06/1999, o mérito que teve no que respeita à abertura de horizontes mais alargados, nomeadamente no que concerne à apreciação dos projetos de arquitetura, no âmbito dos procedimentos administrativos com vista à obtenção de licença ou na comunicação prévia para execução de operações urbanísticas.

Repara-se que segundo este aresto “[t]odo o administrado, em obediência ao princípio da boa-fé também consagrado no âmbito da atividade administrativa pelo art. 6.º-A do C.P.A. deve, em pedido dirigido à Administração Pública fornecer todos os elementos necessários e suficientes para que ela possa proferir decisão rápida e justa”.

Mais defende o mesmo aresto que “[v]iola o aludido princípio o requerente que em pedido de licenciamento para a construção de um muro para vedar determinado prédio, cuja propriedade se arroga, omite a existência de um direito de servidão sobre o imóvel a vedar, constituído em benefício de outro ou outros prédios”, estabelecendo que caberá aos Municípios ordenar as diligências necessárias à averiguação do direito de servidão que onera o prédio onde o dono da obra pretende construir.

De facto, este entendimento, com o qual nos identificamos, consagra o ordenamento jurídico como um todo, não permitindo separação entre o direito privado e o direito público, pois, tratando-se de direitos diferentes, não significa que a administração apenas dirija a sua atenção e se paute unicamente pelo respeito e cumprimento do direito do urbanismo.

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De facto, rejeita-se esta visão algo “redutora” de submeter os procedimentos administrativos às regras do direito do urbanismo, com exceção das questões de legitimidade dos intervenientes, abandonando ao mero acaso o respeito pelas demais regras de direito privado, em prejuízo dos legítimos direitos de terceiros de boa-fé.

Antagónico a esta linha de pensamento, corre o entendimento de ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA o qual, num comentário ao mesmo aresto do STA de 23/06/1999, considera que, se eventualmente, a construção prevista afeta uma servidão de passagem, o beneficiário desta apenas tem de socorrer-se das instâncias judiciais, e, se nestas obtiver ganho da causa, poderá impedir a construção licenciada.

Mais defende que “o que não pode é a Administração dirimir o conflito existente, impondo ao requerente do licenciamento a existência de servidão, correndo o risco de o tribunal decidir em sentido contrário.”

Na verdade, não podemos concordar com esta visão, atendendo que, contra o terceiro lesado recai o ónus de se dirigir às instâncias judiciais, com os inerentes gastos (geralmente avultados) com advogados, solicitadores, custas processuais, etc..., sem esquecer toda a incomodidade e morosidade daí decorrentes.

Aliás, conforme reza o povo sabiamente “tempo é dinheiro”, não podendo olvidar-se que, não raras vezes, já a edificação objeto de licenciamento se encontra parcial ou totalmente edificada, colocando-se a questão de saber o que fazer perante tal factualidade.

Questiona-se, ainda, se deverá proceder à demolição da respetiva obra edificada, que desrespeita o direito de terceiro, como é o caso do muro erguido com a devida licença camarária, mas que viola o direito de servidão dos vizinhos? Não deveria, nestas situações em que o dono da obra omite dolosamente o direito de privados ser sancionado ou inclusivamente indemnizar os terceiros de boa-fé pelos danos e gastos daí decorrentes? Às questões formuladas tentaremos responder no Capítulo sob a epígrafe “Caminhos a Seguir”.

O argumento de que os terceiros de boa-fé deveriam estar mais atentos à atuação do dono da obra ou do promotor, na medida em que evitaria que o procedimento se arrastasse e fosse desencadear conflitos e prejuízos para aqueles, não nos parecer atendível.

Basta atendermos a que os terceiros de boa-fé podem estar ausentes do local onde decorrem os trabalhos da operação urbanística ou, até mesmo, encontrar-se a residir no estrangeiro e, por tal facto, desconhecerem totalmente as intenções construtivas do dono da obra.

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Também não será de aceitar o argumento de que a publicitação do pedido de licenciamento junto da administração local, exigível nos termos do artigo 12.º do RJUE, protegerá os terceiros de boa-fé.

Dispõe o citado normativo que “[o] pedido de licenciamento ou a comunicação prévia de operação urbanística devem ser publicitados sob forma de aviso, segundo o modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pelo ordenamento do território, a colocar no local de execução da operação de forma visível da via pública, no prazo de 10 dias a contar da apresentação do requerimento inicial ou comunicação.”

Contudo, como é consabido, infelizmente este preceito não é cumprido por todos os donos de obra, como seria expectável e desejável.

Aliás, são até bastantes aqueles que violam a obrigatoriedade de afixar o aviso que publicita o pedido de licenciamento ou da autorização de utilização, incorrendo em infrações contraordenacionais, nos termos do artigo 98.º, n.º 1, alínea i), do RJUE.

A punição pela prática desta infração são puníveis com coima graduada de (euro) 250 até ao máximo de (euro) 50 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1000 até (euro) 100 000, no caso de pessoa colectiva, nos termos do artigo 98.º, n.º 6 do RJUE.

Mutatis mutandi se aplica à ausência de manutenção de forma visível do exterior do prédio, até à conclusão da obra, do aviso que publicita o alvará ou a comunicação prévia.

In casu, também se aplica coima graduada de (euro) 250 até ao máximo de (euro) 50 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1000 até (euro) 100 000, no caso de pessoa colectiva, nos termos do artigo 98.º, n.º 6 do RJUE.

Por isso, não será de atender ao argumento supra mencionado de que terceiro de boa-fé se encontra protegido da atuação levada a cabo pelo dono de obra no que respeita à realização de operações urbanísticas, como, aliás, era intenção do legislador, socorrendo-se dos dispositivos normativos supra referenciados.

Poderemos até mesmo concluir que as mencionadas medidas legislativas ainda não alcançaram os seus objetivos, tal como foram equacionados pelo legislador, o que não significa que não estejam no bom caminho.

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Referências

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