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4.2 OS LIVROS DIDÁTICOS: LÍNGUA PORTUGUESA

4.2.1 Escola A

O livro de Língua Portuguesa adotado pela escola intitula-se De olho no Futuro: Língua Portuguesa, edição renovada, de Cassia Garcia de Souza e Lúcia Perez Mazzio, tratava-se de uma obra atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. No manual do professor, não consta nenhuma explicação dos autores para o título.

Figura 14 – Livro: Escola A

Fonte: Da autora (2014)

Logo na apresentação do livro, as autoras expõem que o objetivo da obra é o de conhecer melhor a língua com a qual se comunica e descobrir o prazer de ler e produzir textos. No Manual de Orientações para o Professor, ressaltam que ele servirá de instrumento ativo visando a auxiliá-lo no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, organizaram-no em 10 capítulos, tematicamente: abertura, leitura (conversando sobre o texto, estudando o texto e comparando os textos), ampliando o vocabulário, produção escrita, produção oral, produção oral e escrita, refletindo sobre a língua e a escrita das palavras. Ao final dos capítulos 2, 3 e 8, propõem a elaboração de projetos que buscam articular os eixos de leitura, produção e oralidade. Como exemplo, apresento a proposta do capítulo 3: elaboração de varal de versos divertidos a partir da escrita de pequenos poemas. De acordo com o Guia de Livros Didáticos67 – PNLD 2010 (p. 233, grifos do autor),

O uso da língua é priorizado em atividades com boas oportunidades de reflexão. A

coletânea de textos tem temas variados, de interesse das crianças, escritos por

autores representativos da literatura. A leitura é tratada como processo de construção de sentidos e a escrita é proposta em atividades contextualizadas, que, em geral, apresentam objetivo e público definidos. O trabalho com a oralidade destaca-se pela pertinência com que os gêneros orais são explorados. Na abordagem dos conteúdos gramaticais, o caminho, em geral, vai da reflexão para a explicitação de conceitos e regras.

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Considerando apenas a citação, o livro considera o processo de letramento e a língua é tratada efetivamente na relação uso e reflexão a partir do uso de gêneros, todavia, não é o que a análise aqui apresentada indica. Ao verificar as questões de leitura, já a partir do primeiro texto, ―Era uma vez‖ (p. 9), as autoras exploram perguntas de cunho pessoal, provocando o diálogo entre texto e leitor: ―Que outro título você daria a esse poema? Compare-o com os títulos criados por seus colegas.‖.

O estudo do texto enquanto gênero se faz no decorrer das atividades; além disso, as autoras fazem algumas observações ao apresentarem determinados textos: ―Professor, antes de os alunos lerem o texto, peça a eles que leiam apenas o título e observem a diagramação do texto, tentando adivinhar a que gênero pertence e de que assunto ele tratará.‖ (p. 10). Tratava- se de uma reportagem. Após questões pontuais referentes ao assunto do texto, perguntas referentes ao gênero também são propostas: ―Você saberia explicar qual a importância de um subtítulo?‖. Todavia, é comum no decorrer do livro, como mostra o exemplo anterior, a ocorrência de questões que geram respostas Sim/Não, sem solicitar uma justificativa, sem criar uma situação problematizadora.

O uso de imagens é presente em todas as páginas, na maior parte como ilustração, para deixar o material atrativo ao aluno. As autoras propõem exercícios que solicitam a elaboração de desenhos ou a colagem, ora utilizando a imagem como entretenimento, ora como elemento de leitura. Por exemplo, ao tratar do gênero ficha informativa, solicitam a produção escrita e também a ilustração, todavia, esta não é sinalizada como elemento característico do gênero e como portador de sentido: ―Ilustrem o texto com uma foto [...].‖ (p. 17). Logo a seguir, após apresentar o gênero anúncio, fazem perguntas relacionadas ao texto verbal, mas há uma que busca explorar o imagético: ―Por que o autor do texto teria utilizado uma fotografia de bichinhos de pelúcia em vez de uma foto de animais de verdade?‖ (p. 19). No entanto, pecam quando apresentam esculturas de Sandra Guinle, representando brincadeiras populares e abaixo as nomeando, ao mesmo tempo que trazem a seguinte pergunta: ―Que brincadeiras essas esculturas retratam?‖ (p. 27), sendo, portanto, um exercício de mera reprodução (Anexo C).

Ao tratar do gênero história em quadrinhos (p. 47), apenas o texto verbal e os recursos cinéticos (GRRR!! e fumaça) são aproveitados em Estudando o texto; ao imagético não foi dada nenhuma importância. Também, ao tratarem posteriormente do mesmo gênero (p. 119), agora sem a presença do texto verbal, os alunos são solicitados a responder questões que buscam o sentido presente, considerando a linguagem como transparente: ―O que você achou da atitude dos amigos de Cascão, ou seja, de eles fugirem quando quebraram a janela?‖

e ―O que você achou do final da história?‖ (p. 122) (Anexo D). Outra história em quadrinhos apresentada inicia a tentativa de abrir a leitura para o discurso lúdico e polêmico: ―Professor, antes da leitura desse texto, converse com os alunos sobre o que podemos ‗criar‘ usando a nossa imaginação. Liste no quadro as sugestões dos alunos.‖ (p. 170). Após apresentar a história Bruxinha 2, de Eva Furnari, novamente as autoras propõem a leitura do imagético no seu efeito de literalidade.

Quando do estudo do gênero placas de trânsito, as autores solicitam o seguinte: ―No trânsito, as placas são empregadas para orientar e informar os pedestres e motoristas. O que você acha de criar uma placa? Pense na mensagem que deseja transmitir e mãos à obra! Veja o exemplo e faça seu desenho em uma folha de papel avulsa.‖ (p. 77). Novamente as autoras desconsideram o processo criativo dos alunos, ao exporem uma placa como modelo à atividade proposta (Anexo E).

O gênero cartum é proposto para leitura, todavia, o direcionamento dado ao professor evidencia a preocupação quanto à atribuição de sentido no momento do processo de leitura: ―Professor, antes de iniciar a leitura desse texto, promova uma discussão com os alunos abordando o abuso de velocidade, o desrespeito à sinalização, a combinação de bebidas alcoólicas e direção e as possíveis consequências desses e de outros atos.‖ (p. 91). Pressupõem ainda a dificuldade que o professor poderia ter ao ler o cartum, indicando-lhe assim as temáticas a serem discutidas (Anexo F).

Outra forma de utilização de imagem e a partir da leitura literal: ―Observe a ilustração. Qual das expressões você acha que pode representá-la: cheio de dedos ou dor de cotovelo?‖ (p. 98, grifos das autoras). O uso de quadros em sequência para elaboração de histórias também é apresentado como proposta à atividade de produção escrita. As autoras escrevem: ―Observe com atenção as cenas apresentadas a seguir‖ (p. 135), sem dar oportunidade aos alunos para criarem e buscarem possíveis sentidos. Após apresentarem três quadros de imagem, mencionam: ―Que situação, não é mesmo? Não conseguir alcançar um produto na prateleira não é uma experiência muito agradável de encarar, concorda? Que tal pensar um final bem legal para essa história, resolvendo esse problema?‖ (p. 136). Ocorre aqui a atribuição da possibilidade de um único sentido na leitura das imagens. (Anexo G)

A imagem também não é objeto de reflexão no estudo do gênero capa. Apresentadas a capa e a quarta capa de um livro de Ruth Rocha, as autoras questionam: ―Você gostou das ilustrações apresentadas na capa do livro? Faça um comentário.‖ (p. 152). Também na apresentação do gênero tira de humor, a imagem passa despercebida: ―Por que não foi preciso empregar o travessão para indicar a fala dos personagens?‖ (p. 160). As

autoras, no Manual de Orientações para o Professor (2008, p. 4) – anexo ao livro – afirmam que ―O trabalho realizado [no livro] está baseado nas principais contribuições dadas ao ensino de Língua Portuguesa pela linguística textual e pela análise do discurso.‖, todavia, tem-se um livro centrado na linguística textual, com a prática de leitura que desconsidera a polissemia da linguagem, considerando o leitor imaginário como homogêneo. Conforme Orlandi (2012, p. 13 discurso e...): ―Os sentidos que podem ser lidos, então, em um texto não estão necessariamente ali, nele. O(s) sentido(s) de um texto passa(m) pela relação com outros textos. [...] Saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente.‖.

Ressalto aqui que o Guia de Livros Didáticos – PNLD 2010 (p. 234) menciona: ―No início das unidades, perguntas, imagens e uma breve explicação visam a acionar conhecimentos dos alunos sobre o assunto.‖, porém não é isso que realmente aparece. As imagens trazidas buscam mais dar beleza ao livro do que servirem de reflexão.

O eixo Refletindo sobre a língua busca fazer uma relação com os textos anteriormente trabalhados, porém a retomada se perde e o que se vê é a apresentação de conceitos e exercícios de metalinguagem. No Manual de Orientações para o Professor (2008), as autoras afirmam que o ensino de gramática é fundamental porque ao produzir um novo enunciado, acionamos o saber gramatical. A partir do PCN de Língua Portuguesa (1997a), explicam que é preciso se questionar como ensiná-la para que o funcionamento da língua seja compreendido pelo aluno. Como vimos, as atividades do livro didático desconsideram o funcionamento, privilegiando o estudo de regras gramaticais.

Ao folhear o livro, pude constatar que mesmo o instrumento não sendo usado de forma regular, ele efetivamente organizava as aulas: a aula da Professora A, a respeito de substantivo (SD7 e SD 8), foi baseada no próprio livro, daí a prática de aulas centradas em metalinguagem. As autoras perguntam (p. 31): ―Os substantivos femininos terminam sempre em a? E os masculinos, são sempre encerrados com a letra o? Responda oralmente.‖ (Anexo H). Ao retomar a SD8, constata-se que a Professora A reproduziu o que estava no livro, apenas transformando a atividade na forma escrita. O Guia de Livros Didáticos – PNLD 2010 explicita (p. 238): ―Os conceitos e regras são apresentados em caixas coloridas e, em seguida, vem um conjunto de exercícios para fixação.‖. Ainda em box informativo, sob o título de Atenção!, o Guia alerta:

Os livros [de 1º, 2º e 3º anos da coleção] apresentam muitos conteúdos gramaticais para estudo. Por exemplo, são nomeadas todas as classes de palavras, apresentam-se conceitos de dígrafos, encontros vocálicos e consonantais, regras de acentuação e regras de uso do hífen, entre outros. Assim, apesar de os exercícios não serem

exaustivos, é importante não trabalhar a gramática pela gramática. O mais importante é que os alunos aprendam a compreender e a usar bem os recursos linguísticos nos textos que escutam, falam, leem e escrevem.

Pergunto: então por que a coleção foi selecionada para compor a lista de livros do PNLD 2010? Trata-se de uma contradição, a gramática é tratada pela gramática, todavia, o professor é alertado para não trabalhar dessa forma. Acredito que os materiais tenham que estar de acordo com o que os documentos que regem a educação no Brasil (e no nosso caso em Santa Catarina também) buscam alcançar. Se os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Proposta Curricular de Santa Catarina concebem o ensino da Língua Portuguesa a partir do uso e da reflexão do uso da língua, por que o material aqui analisado vai em outra direção? Também é importante questionar: quem escolhe os livros adotados e em que condições? Quanto às leituras propostas pela coleção, ainda no mesmo box, o Guia ressalta (p. 238):

As seções de leitura trazem boas atividades de exploração das características dos gêneros e da organização interna dos textos, mas há necessidade de maior ênfase no trabalho voltado para a compreensão global, especialmente no caso de textos extensos e de assuntos complexos. Além disso, ainda que a coletânea possa proporcionar aos alunos experiências significativas de leitura, o professor precisará ampliá-la, trazendo para a sala de aula textos que retratem realidades socioculturais diversificadas, para compor um painel mais representativo dos modos de vida da população brasileira e de outros países.

Ao analisar as atividades propostas no livro e o que as autoras mencionam no Manual de Orientações para o Professor (2008), percebo o distanciamento entre o que é manifestado discursivamente no manual e as atividades que constituem o livro didático. Ao explicarem como o trabalho de leitura deve ser compreendido, mencionam no manual que deve ser prática constante para assim formar leitores competentes, não entendendo a leitura apenas como processo de decodificação de letras e palavras: ―Ler é um processo de atribuição de sentido ao texto, é a construção do significado do texto pelo leitor.‖ (p. 5). Todavia, os enunciados das atividades e os comentários ao professor – como visto aqui – não dão abertura para que o leitor (professor/aluno) construa a sua própria leitura, apesar de ressaltarem que ―os exercícios de compreensão e interpretação abrangem questões de conteúdo, estrutura e análise do discurso. O aluno-leitor fará, por exemplo, atividades de localização e cópia de informação, inferência, generalização de informação, antecipação/predição, extrapolação e retextualização. Analisará também recursos estilísticos e coesivos presentes nos textos.‖ (p. 7). Pergunto-me: como a AD está sendo concebida nesses processos? Ou o termo análise do discurso é por elas utilizado para que o material seja considerado adequado em relação aos documentos que regem a educação?

Ao tratarem da produção escrita, utilizam a expressão gênero textual e aqui se estabelece uma confusão entre a distinção de gênero e de tipologia textual; classificam a receita culinária e a carta pessoal como gênero, todavia, o texto dissertativo também é – para elas – um gênero. No entanto, dissertação, narração e descrição formam o tripé da tipologia de texto. Os tipos textuais, para Marcuschi (2005, p. 22, grifos do autor), designam ―uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição [aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas]. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.‖, diferentemente de gênero, como vimos na seção 2.3. Ainda na página 10 do manual, as autoras sugerem algumas obras para o professor ampliar o conhecimento acerca de gêneros textuais, entre eles: Os gêneros do discurso, de Bakhtin.

Os gêneros [discursivos] apresentados no livro correspondem à/ao: reportagem, anúncio publicitário, instruções de brincadeira, história em quadrinhos, poema, prescrições do código de trânsito, cartum, entrevista, conto de esperteza, fábula, ficha informativa, instruções de brincadeira, história, legenda, verbete humorístico, pesquisa de opinião, resenha, teatro.

No documento Linguagem verbal e linguagem imagética (páginas 116-122)