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3.2 A ABORDAGEM METODOLÓGICA E O CORPUS A PARTIR DA AD

3.2.1 Preliminares

No Capítulo 2, apresentei os principais aportes teóricos desta pesquisa e que me acompanharam na análise do corpus. Como mencionado ao final da seção 2.5 (Alfabetização e letramento), não se trata de apresentar previamente a teoria e depois testá-la, mas sim de apresentar subsídios teóricos necessários e condizentes ao que investigo aqui, todavia, ao perceber a necessidade de recorrer a conceitos lá não expostos, a análise deu abertura para abarcar tal falta.

De acordo com Orlandi (2012b), para compreender os mecanismos de produção do discurso, o analista precisa fazer dois deslocamentos: a) passar da classificação ao funcionamento (forma material) e b) considerar que a língua significa por sua historicidade, considerando que o sentido se vincula ao assujeitamento (o sujeito afetado pela história).

Além desses mecanismos, não interessa ao analista, como ponto de chegada, a organização textual do corpus, mas o que o texto organiza em sua discursividade em relação à sua materialidade (ordem da língua e das coisas). Como já mencionado, a linguagem é afetada50 pela história e daí emergem os sentidos, resulta o texto, portanto, textualidade, e é esta que faz sentido. Dito isso, exponho o recorte teórico inicial desta pesquisa (assim como para AD) que levou ao aporte metodológico: trata-se, na análise, dos processos de constituição do corpus, considerando-o fenômeno linguístico e não apenas um produto, importando não o apartar da sociedade que o produz (professores, alunos, escola).

Todavia, um adendo importante se faz ao que Orlandi traz em As formas do silêncio (2007, p. 14) ao afirmar que ―o silêncio é fundante‖. Significa que, ao interpretar os registros das práticas pedagógicas, não se buscou apenas práticas em que gêneros imagéticos

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se efetivassem, mas também quando silenciados. E como o Capítulo 2 não trata do assunto (propositalmente), foi na análise discutido a partir do próprio corpus, como instável e provisório que é.

De acordo com Orlandi (2003a), na AD não se segue critérios empíricos na delimitação do corpus, segue-se critérios teóricos; assim, a exaustividade deve ser compreendida quanto aos objetivos e à temática da pesquisa e não em relação aos textos (ao material empírico). Ressalta a autora (2003a, p. 10): ―as marcas linguísticas em si não dizem muito sobre um discurso. É preciso considerar o modo de existência em relação à propriedade do discurso que é o objeto de análise, já que estamos caracterizando significativamente o discurso, em relação às marcas que o constituem.‖.

Nesse sentido, os textos são exemplos do discurso, é um exemplar que remete à rede discursiva que o constituiu que tem relação com a formação ideológica. Todavia, não é objetivo da AD investigar qual o sentido do texto, interessa-lhe conhecer como o texto produz sentido, a organização discursiva a partir da ordem da língua e das coisas. Nessa investigação, ao se detectar um processo discursivo relevante para o tema e o objetivo, Orlandi (2003a) explica que é hora de olhar o corpus como um todo a fim de se proceder aos recortes. Para atingir o modo de constituição dos sujeitos da linguagem e dos sentidos que eles produzem, algumas distinções na delimitação do corpus são necessárias.

Nesse sentido, proponho a Tab. 2 a fim de mostrar como operacionalizei a delimitação do corpus.

Tabela 2 – Operacionalização na delimitação do corpus

Universo discursivo Campo discursivo Espaço discursivo Discursos produzidos que se

relacionam à(ao) AD

Psicanálise

Alfabetização e Letramento Estudo da linguagem imagética.

Projeto Pedagógico das duas escolas

Questionário com as duas professoras

Diário de campo com a descrição das aulas observadas

Filmagens, fotografias e gravação de voz relacionadas às observações das práticas.

Duas turmas do 3ª ano do Ensino Fundamental, da região da

AMUREL-SC, sendo

representativos da:

Escola A (esfera estadual) Escola B (esfera municipal).

Com o intuito de organizar o corpus, foi possível definir os modos de produção em que se deu a leitura. Assim, neste capítulo, mostrarei a operacionalização do corpus a partir dos seguintes tópicos51:

a) Contato inicial da pesquisadora com as professoras, as observações e os registros

b) O questionário e o contexto de produção c) As escolas participantes: alguns dados d) A escolha dos sujeitos: as professoras

e) As salas de aula – A organização do espaço físico f) A comunidade escolar

Ressalto aqui que a extensão do corpus é representativa de uma homogeneidade inscrita na própria esfera escolar. Todavia, foram feitos recortes dos dados coletados direcionando o olhar interpretativo para: a) as práticas que apresentavam gêneros verbais imagéticos e imagéticos; e b) as práticas que silenciavam gêneros verbais imagéticos e imagéticos.

Mesmo com essa delimitação, reorganizações no decorrer do processo analítico foram necessários, considerando que analistas de discurso também são afetados pelos processos histórico-sociais, por isso, o aporte teórico é essencial na construção da análise. Mazière52 (2005, p. 57 apud PEREIRA, 2010, p. 137-138), ao falar da trajetória da noção de corpus, explica:

Assim, o corpus, transformado em rede de memória, se torna um tipo de dicionário discursivo que integra, em contínuos efeitos de abertura, reconfigurações, mudanças de estado do corpus, ao longo da análise. A construção inclui as ―formas de falar‖, rotinas, esquematizações. Simultaneamente, esta rede de memória se tornará, no decorrer da escrita da análise, construção de novos enunciados abrindo novas regiões do corpus.

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Faço referência à tese de doutorado de Souto (2009) que muito me ajudou a pensar na organização/operacionalização do corpus desta pesquisa.

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No original: ―Ainsi, le corpus, transformé en « réseau de mémoire », devient une sorte de «dictionnaire discursif» qui intègre en continu l‘effet des ouvertures, reconfigurations, changements d‘état du corpus, tout au long de l‘analyse. La construction inclut les «manières de parler», routines, schématisations. Simultanément, ce réseau de mémoire devra, au cours de l‘écriture de l‘analyse, construire de nouveaux énoncés ouvrant de nouvelles régions du corpus.‖. Tradução alternativa: ―Assim, o

corpus, transformado em ―rede de memória‖, se torna um tipo de ―dicionário discursivo‖ que integra

continuamente o efeito das aberturas, reconfigurações, mudanças de estado do corpus, ao longo da análise. A construção inclui as ―formas de falar‖, rotinas, esquematizações. Simultaneamente, esta rede de memória deverá, no decorrer da escrita da análise, construir novos enunciados abrindo novas regiões do corpus.‖

Pereira (2010) comenta que a partir do exposto é possível afirmar que a noção de corpus como postula Mazière (2005) trabalha em uma fronteira considerada tênue e imaginária, na qual o interdiscurso (discurso de um sujeito) rompe no intradiscurso (matéria linguística, ideológica, etc. já conhecida de uma realização linguística que qualquer sujeito pode reconhecer).

Dessa forma, a análise também foi dando novos encaminhamentos e engendrando novas reflexões quanto ao material (texto) posto em observação. Parto agora para explicar as etapas de operacionalização do corpus.

No documento Linguagem verbal e linguagem imagética (páginas 85-88)