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CAPÍTULO III – UM OLHAR DE FORA

3.2 A escola

A professora Sara leciona numa escola da rede pública estadual, que iniciou suas atividades em 1948 com o antigo ginásio, hoje anos finais do Ensino Fundamental, em uma cidade próxima a Belo Horizonte. Fundada por pessoas da comunidade local

como escola comunitária, foi estadualizada em 1963. Atualmente, ocupa um prédio construído especialmente para ela. O prédio é amplo, de dois andares, com as salas distribuídas em volta de um pátio central. Observo que há muito cuidado com a limpeza e com a organização do espaço físico, as paredes são enfeitadas com cartazes de boas vindas aos alunos, de incentivo ao ensino ou à formação de bons hábitos, e com cartazes comemorativos das datas cívicas, etc.

A Diretoria, constituída da diretora e vice-diretora, assim como a Coordenação Pedagógica são muito presentes no acompanhamento administrativo e pedagógico da Escola e seguem de perto o que acontece no dia-a-dia da mesma. Durante o tempo em que a freqüentei, tanto a Diretoria como a Coordenação Pedagógica estavam empenhadas na reformulação de uma proposta pedagógica para a Escola e na melhoria da sua qualidade de ensino.

Funcionando em três turnos, a Escola oferece o Ensino Fundamental no período da tarde e o Ensino Médio regular pela manhã e à noite. À noite, funciona ainda um curso direcionado para a Educação de Jovens e Adultos, a nível de Ensino Médio, e dirigido àqueles que, de alguma forma, “foram excluídos do sistema escolar quando crianças ou adolescentes”.15

A Escola se empenha em proporcionar um ensino de qualidade e possui normas de disciplina escolar bem definidas e controladas com rigor. Há controle de entrada e saída dos alunos, assim como controle quanto à sua forma de vestir e se apresentar na Escola. Talvez normas oriundas da época de fundação da Escola, que teve como deu primeiro diretor o pároco da cidade. Nota-se uma influência dessa época, numa imagem de Nossa Senhora colocada na entrada da escola, com uma Bíblia aberta.

Seu corpo docente é altamente qualificado, se comparado com o de outras escolas da rede estadual de Minas Gerais. Atualmente, todos os professores possuem curso superior completo. Por seus bancos, passaram pessoas de renome na vida social e política da cidade, e sua Diretoria foi ocupada por educadores que se destacaram na cidade.

A escola recebe alunos de diferentes bairros da cidade. Eles são filhos de professores, diretores e funcionários da escola, de profissionais liberais que trabalham na cidade ou filhos de executivos e funcionários de indústrias que se estabeleceram na

15 FONSECA, M. C. F. R. Educação Matemática de Jovens e Adultos: Especificidades, desafios e

contribuições. Em BORBA, M. (Coord.), Coleção Tendências em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

cidade e na região e de outras pessoas da comunidade. Esses alunos, portanto, pertencem a camadas sociais diferenciadas e têm também origem cultural diferenciada. Essa diversidade se faz presente em uma mesma sala de aula e, durante o acompanhamento das aulas de Sara, não percebi um tratamento diferente dispensado a esse ou aquele aluno.

Os seguintes depoimentos de alunos, apesar de se referirem especificamente aos professores de Matemática, mostram que eles respeitam os professores, gostando, principalmente, daqueles que demonstram se interessar por seu aprendizado.16 Vários professores de Matemática da escola se incluem entre esses.

Aluno L. (8ª série) “As duas professoras que mais cooperaram para que eu aprendesse foram Sara e Cecília, [...]. Todas duas sempre tiveram boa vontade para ensinar, se você não entendesse elas explicavam várias vezes. No começo não gostava do jeito que Cecília ensinava, agora já dá para entender melhor. Creio que as razões que me levaram a essas conclusões foram a boa vontade e o interesse das duas.”

Aluno M. (8ª série) “A professora de Matemática que mais cooperou para o meu aprendizado foi Cecília; cheguei a essa conclusão pelo fato da mesma ser uma pessoa exigente, nervosa, mas contudo carinhosa, sabe muito bem separar diversão de estudo (como todos os professores), é muito pontual e sabe cativar a todos pelo jeito de ser.”

Aluno A. (7ª série) “Todas as professoras cooperaram para que eu aprendesse mais, pois todas as dúvidas que eu tinha, desde a 5ª até hoje, na 7ª série elas me tiraram, nunca levei dúvidas para casa. E essas professoras de Matemática, são muito interessadas que nós aprendamos bastante sobre Matemática, pois toda pessoa precisa saber, nem que seja um pouquinho de Matemática.”

Aluno D. (7ª série) “As minhas professoras tiveram um bom procedimento no ensino em que elas aprenderam, tanto para ensinar como para explicar.

[...]

Já a Sara foi a melhor, às vezes por ter mais experiência que a Daniela. Adorei ela, o seu jeito de passar o ensino é excelente. Aprendi mais rápido com ela do que com as outras mesmo sendo ela da 5ª . Matemática é uma matéria essencial para o ensino fundamental, dela tiramos bastante proveito para o futuro. É esse o meu ponto de vista. Até aqui um bom aprendizado é o melhor para o nosso, o meu futuro. Não deixando de lado a matéria de português que é uma das matérias mais aproveitadas. Tive também um bom procedimento.”

Aluno F. (7ª série) “Todos os professores cooperaram muito para que eu aprendesse mais coisas. Mas acho que a que mais me ajudou foi Cecília, porque ela primeiro vê o nosso raciocínio, e depois vai aprimorando-o para chegar ao que ela quer. Se você não entende bem ela te dá uma atenção especial na hora de corrigir o exercício. Ela se diferencia de todas pela sua forma de explicar a matéria.”

Outros momentos que dão mostra do interesse dos professores pelo crescimento dos alunos são a Feira de Cultura e a Feira de Ciências nas quais são expostos trabalhos dos alunos feitos sob a orientação dos professores. Eles são o fruto

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Esses depoimentos foram retirados das redações dos “inventários de saber”, mencionados no Capítulo II, Procedimentos Metodológicos.

de muita pesquisa realizada pelos alunos e de um trabalho de equipe que colabora decididamente para a formação integral dos mesmos. Além da participação dos alunos, o apoio da Diretoria e a dedicação dos professores, na organização dessas feiras, são fatores importantes para o sucesso das mesmas e traduzem o interesse da escola pelo incentivo às atividades interdisciplinares, presente na sua proposta pedagógica.

3.2.1 Espaços coletivos de organização do trabalho escolar

Em 2002 e 2003, a Secretaria de Educação possibilitou às escolas estaduais destinar um tempo mensal ou semanal dentro de seu horário para reuniões pedagógicas. A Escola optou por realizar essas reuniões com duração de quatro horas a cada mês, em um dia em que os alunos eram dispensados das aulas. Algumas dessas reuniões eram gerais e tinham o objetivo de planejar projetos comuns a serem nela desenvolvidos, entre eles uma reformulação do projeto político-pedagógico da escola. Em outras dessas reuniões, os professores se reuniam por nível de ensino, Ensino Fundamental e Médio, analisando questões específicas de cada um desses níveis. Nessas reuniões, reuniam-se também por área de conhecimento; no final do ano letivo, avaliavam-se as atividades desenvolvidas e definia-se o planejamento do próximo ano, para cada disciplina. Esses momentos serviam também para uma análise das diferentes práticas e para uma troca de experiências. A escolha das coleções de livros didáticos era decidida nessas reuniões. Em 2004, essas reuniões passaram a acontecer aos sábados, e a freqüência era optativa. Aos poucos, elas foram se esvaziando e deixaram de acontecer. As reuniões pedagógicas de avaliação de um período letivo e planejamento do seguinte, continuam acontecendo ao final de cada ano letivo. De acordo com o depoimento da Diretora, elas são mais produtivas se realizadas no final do ano, porque, nesse momento,

nós já estamos engajados, nós estamos com tudo fresquinho na cabeça ... aquilo que deu certo naquele conteúdo ... o que não deu ... o que deu tempo de trabalhar ... o que não deu ...” [ ... ] “... então a gente vai discutir as turmas ... que turmas serão mantidas e como ... tem algum menino que no ano que vem ... não é uma boa manter nessa turma ... colocá-lo em outra turma ... por qual motivo ... vamos fazer uma experiência ... ou vamos manter a turma do jeito que ela está ... isto tudo a gente discute ...

Pergunto se o planejamento também é feito nessas reuniões e ela diz que sim, sendo que, naquele ano de 2003, “inclusive ... a gente já está até com uma proposta

nova para eles ...”. Os professores receberiam uma sugestão sobre como elaborar o planejamento, para o ano seguinte, de forma mais cuidadosa e mais consciente.

Outro espaço de encontro e troca de idéias é o Conselho de Classe que reúne todos os professores de cada turma no final de cada trimestre. Nessas reuniões, em geral, discute-se o rendimento de cada aluno e o andamento dos conteúdos das disciplinas daquela turma. Nesse conselho, os professores analisam a situação dos alunos que precisarão de assistência individualizada e daqueles cujo rendimento é muito baixo ou que estão apresentando problema de indisciplina. Esses motivos exigem que os pais compareçam à escola. O Conselho de Classe do Ensino Fundamental se reúne separadamente do Conselho de Classe do Ensino Médio. Como explica Dalben (2004)17, a Escola acredita nas “possibilidades da instância Conselho de Classe como espaço privilegiado na organização do trabalho escolar, para o reconhecimento, a identificação e a mobilização do projeto pedagógico da escola”. (p. 15)

O trabalho realizado nos Conselhos de Classe e nas Reuniões Pedagógicas é um indício de que a escola favorece o compartilhamento das práticas sociais desenvolvidas em sala de aula. Esses espaços são importantes para que os professores reflitam sobre suas próprias práticas. Na entrevista com a Diretora, ela deixa claro o interesse dadiretoria por esse compartilhamento de experiências com os professores de diferentes disciplinas desenvolvendo um trabalho interdisciplinar.

Sara não faz alusão a essas reuniões em particular, porém, indiretamente, nas entrevistas, ela se refere a um desses momentos que eu caracterizo como sendo um momento de reflexão, facilitado por essas reuniões pedagógicas. Por exemplo, quando comenta que está “dando as coisas muito mastigadas” para os alunos e que perdeu muito tempo com as operações com números inteiros (conjunto Z), Sara faz a seguinte avaliação de sua prática, para a coordenadora de Matemática: “ ... é o que eu falei para Vânia18 ontem ... Vânia ... eu estava observando o diário em casa [ ... ] o tempo que eu perdi no conjunto zê ... eu estou horrorizada com a quantidade de aulas ... eu fiz o plano de aula e agi muito junto dele ...”

Lembrar esses espaços coletivos de organização do trabalho escolar, envolvendo o corpo docente da Escola onde Sara trabalha, é descortinar o cenário onde atua como professora, entendendo que esse entorno de alguma forma influencia seu

17 DALBEN, A. I. L. F. Conselhos de Classe e Avaliação: perspectivas na gestão pedagógica da escola.

Coleção Magistério e trabalho pedagógico (VEIGA, I. P. A. Coord.). São Paulo: Papirus, 2004.

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Vânia, nome fictício, coordenava, na época, as reuniões pedagógicas, por ser a professora de Matemática mais antiga e mais experiente na escola.

trabalho. Sara conta com o apoio da Diretoria da Escola, a amizade dos colegas e o respeito de seus alunos. A confiança dos pais de seus ex-alunos e dos atuais alunos e a seriedade com que encara seu trabalho fizeram com que se projetasse na cidade como uma boa professora.