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CAPÍTULO II – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.3 O acompanhamento das aulas

Acompanhei as aulas da professora Sara, em uma escola da rede pública estadual, em três turmas do Ensino Fundamental (uma turma de 6a série e duas turmas de 5a série), ao longo de três anos consecutivos, 2002, 2003 e 2004. O acompanhamento das aulas da 6ª série ocorreu ao longo de um ano letivo e foi bastante sistemático: de cada cinco aulas na semana, acompanhei pelo menos quatro, todas gravadas em áudio e algumas em vídeo. Foi com esse acompanhamento que obtive os melhores resultados de análise. Além de ter sido um acompanhamento mais sistemático, os alunos eram mais velhos e mais experientes e participavam mais dos diálogos. Já na 5ª série, apesar de as observações se prolongarem por dois anos, o acompanhamento foi mais irregular. Uma

greve de professores me fez interromper o acompanhamento de uma turma no início do ano e só retornar no final do segundo semestre desse ano. No ano seguinte, retomei o acompanhamento de uma outra turma de 5ª série. Os resultados obtidos com o acompanhamento dessa turma não interferiram na minha análise, uma vez que os dados obtidos já não acrescentaram fatos novos. Todas as aulas foram gravadas em áudio e algumas em vídeo. Encerrei as observações quando as anotações se tornaram repetitivas e não estavam trazendo elementos novos para minha discussão. Durante esse acompanhamento, fiz seis entrevistas com a professora e duas entrevistas com grupos de alunos, um grupo da 6ª série e outro da 5ª série. As entrevistas foram gravadas somente em áudio. Além das gravações, tenho também anotações de campo com as observações pertinentes às aulas observadas. Esses registros das aulas da professora Sara me têm permitido, não só recuperar minhas percepções da época do início das observações, como também perceber como meu olhar foi mudando ao longo desse acompanhamento. Durante o primeiro ano de realização deste estudo, contei com a colaboração de uma aluna de Iniciação Científica, que revezou comigo no acompanhamento das aulas e se encarregou das transcrições das fitas gravadas em áudio6. Para que nossas anotações não fossem discrepantes, conversamos sobre os dados que deveriam ser anotados, mesmo que a aula estivesse sendo gravada, tais como os relacionados às ações da professora e às reações dos alunos que fossem mais significativos para a pesquisa. Para a transcrição das fitas, usamos as Normas para Transcrição de Kock (1997)7. No momento de usar as transcrições dos textos, fiz algumas alterações, não previstas nas Normas, para permitir uma leitura mais fluente das mesmas, tomando o cuidado de manter o sentido da fala original. Por exemplo, suprimindo o excesso de “né?”, “tá?”, corrigindo alguns erros de concordância, naturais na fala ou escrevendo a palavra de acordo com as normas da ortografia.

O acompanhamento das aulas de Sara foi feito sem a minha interferência direta quer no planejamento das mesmas, quer no momento da exposição ou junto aos alunos. Essa estratégia se fazia necessária, considerando meu interesse em registrar as ações da forma como se desenvolviam em sala de aula. Sentava-me, eu mesma ou minha assistente de pesquisa, no local indicado pela professora, em carteira na frente da sala ou ao fundo da mesma. Quando me sentava à frente da sala, o gravador ficava

6 Como essa colaboração ocorreu apenas durante um período limitado de tempo, optei por continuar

usando, em geral, a primeira pessoa do singular para me referir às ações desenvolvidas nesse período, para uniformizar a minha escrita.

comigo; se me sentava ao fundo, deixava o gravador na mesa da professora. Essa posição do gravador dificultava, às vezes, escutar vozes de alunos que se encontravam mais afastados dele.

Com o tempo, percebi que algumas ações desenvolvidas pela professora em sua sala de aula eram influenciadas por situações que foram vividas por ela como aluna nos cursos de formação inicial e continuada, pelo exemplo de professores que teve nos diferentes cursos que freqüentou, ou por sua própria prática, com os autores que consulta para preparar suas aulas e suas experiências em sala de aula nos seus muitos anos de magistério. Assim, procurei, na sua prática docente, os padrões de comportamento que guiam suas ações e os saberes e valores que são mobilizados por ela nessa prática e, a partir desses padrões, fui revendo e reconstruindo o meu referencial de análise num processo semelhante ao descrito por Glaser & Strauss (1967) e Strauss & Corbin (1994). Daí a importância das observações das suas aulas e da análise das interações, que nela se processavam, entre a professora, os alunos, o conhecimento matemático, o contexto da sala de aula.

Considero que a sala de aula é o espaço natural para se observar os sujeitos envolvidos no meu estudo, por ser o palco no qual as ações que eu me interessava em pesquisar — o comportamento padrão de Sara na Gestão do Ensino e na Gestão da Classe e a resposta dos alunos a esse comportamento — se desenvolviam. O ano/série escolar ou a turma em que a professora estava atuando não era de fundamental importância para o tipo de informação que buscava.

As primeiras análises das aulas foram feitas paralelamente ao acompanhamento das mesmas. A aula era transcrita, e a transcrição completada com as anotações de campo que registravam as definições e os exercícios que os alunos deveriam copiar e com os textos que Sara projetava para os alunos lerem. As anotações de campo continham também observações de aspectos das aulas que me haviam chamado a atenção por algum motivo particular.

As aulas gravadas em vídeo, por solicitação de Sara, eram dadas na Sala de Projeção, que era uma sala ambientada para projeção, com uma televisão, um vídeo e uma tela. Era uma sala maior que o normal das salas de aula, o que facilitava a movimentação do operador da filmadora. Para essas aulas, ora Sara trazia os textos com o resumo do conteúdo ou com listas de exercícios em transparências para projetar para os alunos, ora os trazia em pequenos cartazes que colava no quadro. A professora

explicava que, dessa forma, não havia necessidade de ela escrever no quadro, e o tempo da aula era melhor aproveitado.

Se a aula tivesse sido gravada em vídeo, então assistia ao vídeo acompanhando com a leitura da transcrição e fazendo os ajustes necessários, com as palavras que não haviam sido ouvidas ou com observações complementares, como falas e gestos que haviam escapado à observação direta ou à gravação em áudio. Nas gravações das aulas em vídeo, o foco era dirigido às ações desenvolvidas por Sara no uso dos textos que ela trazia e à interação dela com os alunos e destes com ela.

Nesse primeiro momento, em função da grande semelhança de estrutura percebida nas sucessivas aulas de Sara, destacaram-se a Gestão do Ensino e a Gestão da Classe como as duas principais categorias de análise, e, também, algumas subcategorias, ligadas à Gestão do Ensino. Gauthier et al. (1998) e Bressoux (2003) me forneceram não só a fundamentação teórica inicial para essa análise, como também os nomes/designações que vou usar para algumas categorias. Posteriormente, outros autores me permitiram fazer uma análise mais fina dos dados. (WINBOURNE; WATSON, 1998; GREENO, 1994, 1998; WATSON, 2003). Esses autores também contribuíram para a análise dos dados obtidos com a observação das aulas, que culminou com a caracterização da concepção de ensino de Matemática que consegui extrair da prática dessa professora, no Capítulo IV. As entrevistas com a professora e com os alunos complementaram essa análise.