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Potencialidades e limites das pesquisas sobre o efeito-professor

CAPÍTULO IV – UM OLHAR DE DENTRO

4.1 Os padrões de comportamento de Sara em sala de aula

4.1.6 Potencialidades e limites das pesquisas sobre o efeito-professor

Os fatores característicos do comportamento dos professores, considerados eficazes nas pesquisas relatadas por Bressoux (2003) e Gauthier et al. (1998), não devem ser encarados como determinantes do sucesso escolar, mas como fatores que perpassam as histórias de sucesso dos professores. Para Bressoux, eles são cumulativos e se manifestam “interligados e sua combinação parece mais importante do que seu efeito isolado.” (p. 41), favorecendo uma melhor compreensão do desempenho dos alunos. De fato, nas aulas de Sara, o ‘bom aproveitamento do tempo da aula’ e a ‘repetição da explicação, dos exemplos e dos exercícios’ não deixam os alunos se dispersarem, favorecendo uma melhor compreensão do conteúdo ensinado.

Bressoux (2003) aponta como uma limitação das pesquisas sobre o efeito- professor o método estatístico de análise utilizado, a correlação, que associa a medida do comportamento do professor em sala de aula à medida de seu efeito sobre a aprendizagem do aluno, sem deixar muito claro qual a relação de causalidade que possa existir entre eles. Ou seja: o comportamento do professor se reflete positivamente sobre a resposta dos alunos porque ele é eficaz, ou o comportamento do professor é eficaz porque a resposta dos alunos, a ele, é positiva?

Outra limitação, lembrada por Bressoux (2003), diz respeito ao número limitado das disciplinas usualmente avaliadas nas pesquisas: Matemática, Ciências Físicas ou Naturais e Leitura. Rosenshine e Stevens (1986), citados por ele, referem-se a essas disciplinas como “estruturadas”, que “visam essencialmente a transmissão de

saberes ou de métodos de raciocínio.” (p. 67). Para esses autores os resultados dessas pesquisas não se aplicariam a disciplinas que visam ao desenvolvimento da criatividade, como Artes e Expressão Escrita.

De fato, analisando as limitações apontadas por Bressoux (2003), observamos que as pesquisas, sobre os comportamentos dos professores e seus efeitos sobre os alunos não levam em conta toda a complexidade da ação pedagógica que se desenvolve em uma sala de aula, o nível cultural, social e econômico dos alunos, nem o próprio contexto social e cultural em que a escola está localizada. Também não é possível, por exemplo, explicitar de que modo esses comportamentos produzem seus efeitos sobre a aprendizagem dos alunos.

Entretanto Bressoux avalia que as pesquisas sobre o efeito-professor foram muitas, variadas e realizadas por diferentes estudiosos, não tendo analisado apenas um determinado tipo de professor ou alunos. Para ele foi possível, com essas pesquisas, “detectar fatores que, em certos contextos, são geralmente associados a melhores aquisições dos alunos” (p. 20). Ele dá valor ainda aos resultados dessas pesquisas, afirmando que elas não visavam prescrever leis imutáveis sobre o ensino, mas pretendiam mostrar que o professor tem influência sobre a aprendizagem dos alunos.

Gauthier et al. (1998) afirmam que as pesquisas analisadas por eles foram realizadas em salas de aulas de professores comuns e que, portanto, refletem o que está acontecendo nessas salas de aula. Buscando um repertório de conhecimentos próprio para o ensino, e não um padrão de comportamento para o professor, eles consideram que as pesquisas possibilitaram

“[...] uma identificação clara das variáveis comportamentais que produzem efeitos pedagógicos positivos. A multiplicação das pesquisas desse tipo fornece atualmente uma base de conhecimentos bastante confiável na qual pesquisas mais finas podem se apoiar. Estamos assim em melhores condições para responder à seguinte pergunta: quais são os comportamentos eficazes do professor no que se refere à aprendizagem e à Gestão da Classe?” (p. 149)

Eles afirmam que não pretendiam, com as pesquisas

“[...] impor um modelo substitutivo para o ensino padrão, nem identificar pesquisas que confirmariam a eficiência desses enfoques inovadores. Trata-se muito mais de estudar o professor na sala de aula comum, de ver como ele ensina, de examinar os efeitos de seus comportamentos e de seus pensamentos sobre a aprendizagem de seus alunos. Assim, a nossa intenção é descrever, a partir dos resultados de pesquisas encontrados, a realidade da sala de aula, dando ênfase a

certos comportamentos do professor que parecem mais eficazes.” (p. 141)

Fazendo minha a pergunta de Gauthier et al. sobre os comportamentos eficazes de Sara no que concerne à aprendizagem e à Gestão da Classe, considero que as pesquisas relatadas por eles e por Bressoux, ajudaram-me a encontrar a resposta. Refletindo sobre paralelo que faço entre ‘Um Ensino Dirigido’ (BRESSOUX, 2003), ‘O Ensino Explícito’ (GAUTHIER et al., 1998) e ‘O Ensino Observado’ por mim, nas aulas de Sara, percebo que aqueles comportamentos da professora Sara, que, num primeiro olhar, eu havia associado a um ‘ensino tradicional’, são comportamentos que, nas pesquisas sobre o efeito-professor, relacionam-se à ‘eficácia’ dos professores. Mesmo sabendo que essa eficácia é medida em testes que valorizam os fatores cognitivos (valorizados no ‘ensino tradicional’), como o sucesso em Matemática, leitura e linguagem, em detrimento de fatores não-cognitivos, como a criatividade, a curiosidade e a autonomia (valorizados no ‘ensino aberto’)36, e talvez por causa disso, essas pesquisas me ajudaram a explicar a história de sucesso de Sara na sua profissão de professora. Uma história de sucesso que decorre de uma opção que Sara faz por um tipo de aula com uma organização que pode ser considerada mais tradicional, de procurar ensinar as regras e os procedimentos próprios da Matemática.

Para evitar a carga pejorativa da expressão ‘prática tradicional’, passarei a usar a expressão ‘prática convencional’, no sentido dado pelo Dicionário Aurélio a uma prática “consagrada ou aprovada pelo uso, pela experiência”. (FERREIRA, s.d., p.378). Uma prática que segue um padrão de aula mais ou menos previsível, de uma aula na qual a professora faz a intermediação entre o conhecimento matemático e os alunos e canaliza a atenção dos mesmos para os aspectos teóricos ligados aos processos e à linguagem da Matemática. Nas entrevistas, Sara mencionou alguns fatores que influenciaram sua concepção de ensino e aprendizagem de Matemática e que dirigem a sua prática: o exemplo de antigos professores, os autores que ela utiliza na preparação de suas aulas, o currículo que ela tem que seguir.

36 Sob o título “A eficácia em função dos diferentes aspectos do desenvolvimento das crianças”, Bressoux

(2003) comenta “a meta-análise realizada por Giaconia et Hedges (1982), a partir de estudos que

compararam os efeitos de um ensino ‘tradicional’ com os de um ensino ‘aberto’, [ ... ]” e conclui que

seus “resultados mostram que o ensino ‘tradicional’ é um pouco mais eficaz do que o ensino ‘aberto’

naquilo que diz respeito aos fatores cognitivos, mas é o ensino “aberto” que conduz aos melhores resultados no domínio não cognitivo” (p. 68).

GIACONIA, R. M. et HEDGES, L. V. Identifying Features of Effective Open Education. Review of

Pelos diálogos que se estabelecem na sala de aula de Sara, percebo que há um alto grau de participação e envolvimento dos alunos nessas aulas. Volto, então, meu olhar para esses diálogos e passo a analisar como se dá a participação dos alunos, isto é, passo a analisar como os alunos reagem aos comportamentos de Sara na sua Gestão do Ensino. Quando pede a um aluno um exemplo, ela está chamando a atenção dele para aspectos ligados ao conteúdo que está sendo estudado e está, portanto, compartilhando com ele e com os outros esse conteúdo. A forma de Sara conduzir suas aulas, a explicação do conteúdo e dos exemplos, as perguntas que dirige aos alunos, os exercícios de aplicação que os alunos devem resolver, fazem com que eles estejam todos (ou quase todos!) engajados em uma mesma atividade, envolvidos em uma mesma prática. Começo a perceber que a participação dos alunos nessa prática apresenta características de uma Comunidade Local de Prática, como descritas por Winbourne e Watson (1998) e merece ser melhor investigada, sob esse ponto de vista da participação dos alunos.