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3 METODOLOGIA

3.3. A escola pesquisada

Trata-se de uma escola pública de nível médio integrado pertencente a uma universidade federal. Devido à sua situação institucional, seu corpo discente é formado por estudantes selecionados através de concurso público e por promoção direta (sem a necessidade de realização de concurso) de alunos oriundos do 9º ano de uma escola de ensino fundamental pertencente à mesma universidade. Essa característica faz com que os estudantes componham um universo bastante heterogêneo, tanto no que se refere às condições acadêmicas, culturais e sociais, quanto no que diz respeito a aspectos psicológicos, tais como interesses e motivação para o estudo.

A escola oferece cursos técnicos, em horário integral, que demandam conhecimentos específicos, principalmente nas áreas de Biologia, Física, Química e Matemática. Disso resulta uma carga horária bastante elevada nessas disciplinas e em outras afins, como será apresentado mais adiante. A maioria dos professores é composta por especialistas, mestres, doutores e pós-doutores e as instalações físicas da escola são consideradas boas, quando comparadas a outras escolas públicas e privadas. A instituição conta com diversos

laboratórios e salas de aula, para as disciplinas do núcleo básico e da parte diversificada e profissional, bem como com biblioteca, quadras e cantina.

A concepção de ensino, segundo documentos apresentados ao MEC e de acordo com a vivência desta pesquisadora, está em consonância com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio: “preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, em eventual prosseguimento dos estudos ou diretamente no mundo do trabalho” (BRASIL, 1998, p. 4) e com a finalidade da Educação Profissional: “Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (BRASIL, 9694). De acordo com a grade curricular da escola, são predominantes as disciplinas da área de Ciências da Natureza e Matemática. A título de exemplificação, em 2009, a grade dessa escola trazia, para o curso técnico de Instrumentação e Automação, 4.418,8 horas anuais e, para o curso técnico de Química, 4.518,4 horas anuais, sendo a carga horária anual de Física de 431,6 horas/aula e de 398,4 contra 298,8 de Língua Portuguesa e Literatura para ambos os cursos. Em 2010, essa diferença diminuiu, mas a carga horária da disciplina de Física permaneceu superior à de Língua Portuguesa em dois casos: 332 horas nos cursos de Instrumentação e de Eletrônica. Nesse ano, a carga horária de Língua Portuguesa igualou-se à do curso técnico de Química: 298,8h.

As práticas pedagógicas realizadas, à semelhança do que acontece em diversas escolas nos dias de hoje, podem ser compreendidas como “mistas”. Encontram-se, isoladas ou mescladas, práticas baseadas no Behaviorismo, na Psicogenética e no Sócio-Interacionismo (2.2, p.22), refletindo concepções variadas sobre a cognição e o processo de aprendizagem. O método de avaliação é quantitativo, sendo frequentes provas e trabalhos escritos principalmente. O relatório parece ser uma dessas práticas mistas.

O programa de ensino de língua materna e de literatura segue os Parâmetros Curriculares, sendo que a carga horária é a mesma nos dois primeiros anos de todos os cursos (4horas-aula) e 2horas-aula, no 3º ano. A despeito da marca indelével do discurso científico, no presente e no futuro dos adolescentes que lá se formam, a disciplina Língua Portuguesa, como é comum em muitas escolas do Ensino médio e até mesmo do Médio Profissionalizante, prioriza o ensino de gêneros jornalísticos e literários.

A seguir serão abordados os contextos de produção das disciplinas envolvidas nesta pesquisa.

3.3.1. O contexto de produção de relatórios da disciplina A

Segundo informações dos docentes da disciplina A, a exploração da escrita de relatórios como instrumento de aprendizagem, até o término da coleta de dados, vem ocorrendo há muitos anos e sempre de forma sistemática. Há uma orientação geral para que todos os professores realizem experimentos que ao final resultará na produção de um relatório. A produção do texto é feita a partir de orientações escritas e orais dadas pelos professores que, baseados em sua experiência, iniciam a atividade desconhecendo o estágio de desenvolvimento competência discursiva dos alunos e o tipo de relação que eles estabelecem com a escrita.

Na primeira aula do ano letivo, em 100 minutos, os professores distribuíam um roteiro para a realização de um experimento (Anexo 5, p.211) e outro para a elaboração de relatórios (Anexo 4, p.207). Os alunos liam primeiramente o roteiro do experimento, que continha, além dos materiais e dos procedimentos a serem seguidos, diversas perguntas a respeito do conteúdo focalizado. A princípio, as respostas a essas perguntas deveriam servir para a elaboração das seções do relatório, que, por sua vez, seria produzido na semana seguinte ao experimento, em mais 100 minutos dedicados à disciplina. Assim, de 15 em 15 dias, os alunos produziam relatórios. Os experimentos eram feitos em grupos de três alunos, em média. Cada um deles anotava os resultados e escrevia seu relatório em um caderno exclusivo para esses fins. O professor sorteava um desses textos para avaliação.

A adoção desse gênero era coerente com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Ciências da Natureza, Matemática e Tecnologia (2008) e o Conteúdo Básico Comum para o Ensino Médio da disciplina A, conforme já apresentado em 2.3.1 (p.30). Segundo informações extraídas dos documentos consultados e das observações feitas em laboratório, práticas pedagógicas elaboradas para a disciplina combinavam o modelo piageteano em espiral associado à perspectiva sócio-interacionista. Isso equivale a dizer que a produção do relatório se tratava de uma prática pedagógica mista, que pretendia proporcionar aos estudantes a condição de partir de uma observação de fenômenos mais simples rumo aos mais complexos, dentro de um ambiente de negociações e trocas, a fim de que fossem construídos modelos explicativos cada vez mais sofisticados e de que fosse possível chegar a aplicações tecnológicas condizentes com a realidade em que os alunos vivem ou com a sociedade da qua fazem parte.

A fim de exemplificar a prática pedagógica dos professores dessa disciplina e finalizar a descrição do seu contexto de produção, abaixo, apresenta-se um esclarecimento

pedido pela pesquisadora a um dos professores entrevistados acerca do relatório cuja elaboração pôde ser acompanhada pela pesquisadora. Tal experiemento envolvia dinossauros, como se segue.

A partir da pressuposição de que já existiram dinossauros com mais de trinta metros, a finalidade da investigação era abordar o tema tempo de reação. O pedido foi feito e respondido via e-mail. A fala do professor P6 representa bem o fazer pedagógico de natureza interacionista dos professores dessa disciplina, conforme fora observado. Segue transcrito esse email:

P6, bom dia para você! Será que você poderia (rapidinho) me explicar (lembrar) o porquê dos questionamentos feitos no primeiro relatório de um dos seus

alunos do 1º ano. Está no texto do relatório: “(...) e descobrimos porque seria

inviável a existência de um animal muito grande, como um dinossauro de 32 metros

de comprimento, por exemplo. ” Essa implicação recebeu a seguinte intervenção:

Esses dinossauros existiram! E agora? Ou eles não existiram? ”obrigada, abraço.

Olá,

Não sei se ajuda, mas é o seguinte: Com a resposta o grupo (ou o aluno) chega à conclusão que o dinossauro não poderia ter existido. Mas, ele existiu!

A provocação que eu faço com as minhas réplicas se deve à seguinte contradição: Os alunos fazem um cálculo (bastante aproximado!!) para a velocidade dos impulsos nervosos em nós humanos. Tomam esse valor como hipoteticamente válido também para dinossauros, que seriam organicamente semelhantes nesse aspecto. Considerando este valor, quando o dinossauro fosse atacado na cauda, os impulsos nervosos teriam que viajar da cauda até o cérebro. Mas isso levaria muito tempo porque a velocidade dos impulsos nervosos é muito pequena. Então a reação do dinossauro viria tarde demais e ele já poderia ter sofrido um golpe fatal, quando percebesse o ataque. Ou seja, se o sistema nervoso dele funcionasse com o centro no cérebro, sua espécie nem deveria ter existido. Eis a contradição! Então deve haver, e há, uma outra explicação para o funcionamento do sistema nervoso deles.

Então veja; o que nós queríamos que os alunos fizessem na sequência, era que elaborassem outras hipóteses sobre o funcionamento do sistema nervoso do dinossauro (essas hipóteses já existem, na verdade).

forma bem rudimentar era possível mostrar que algumas explicações científicas são

“furadas”. Ou seja, o conhecimento científico é provisório, ele tem que ser

construído e reconstruído paulatinamente. Não há verdade absoluta na Ciência. Essa questão foi colocada para suscitar este debate. Mas, eu me lembro que nem todos os grupos conseguiram chegar a alguma hipótese alternativa.

Bem, cabe por fim lembrar que essa é uma atividade didática e, portanto, sofreu adaptações e simplificações.

Eu não sou um especialista em dinossauros... Até que gostaria de ser! Espero que possa ter ajudado. Se precisar conversar sobre, estou à disposição.

3.3.2. O contexto de produção de relatórios da disciplina B

Conforme entrevista feita com o professor da disciplina B, os alunos recebiam, no primeiro dia de aula, um roteiro para a elaboração de relatórios (Anexo 4, p.207), que era apenas lido. Nas aulas seguintes (200 minutos semanais), recebiam um roteiro para a realização do experimento. Enquanto realizavam o experimento, faziam anotações de resultados e interagiam com o professor, mesclando teoria e prática. As práticas eram feitas em grupos pequenos e os relatórios, individualmente, fora do horário de aula. Os alunos recebiam atendimento do professor, nos casos de dúvidas, em seu gabinete ou pela internet. Um dos relatórios de cada grupo era recolhido para avaliação, que se dava desde o primeiro relatório produzido. Pode-se inferir, a partir dessas informações, que a disciplina também procurava proporcionar ao aluno condições de aprendizagem que os colocassem como sujeitos do próprio conhecimento. Embora isto não tenha sido declarado pelo professor, com o apoio dos documentos consultados sobre o ensino da disciplina B, associados às teorias da aprendizagem discutidas, foi possível observar que, nessa disciplina, a prática de produção de relatórios é mista e procura desempenhar a função de instrumento mediador de aprendizagem.

3.3.3. O contexto de produção de relatórios da disciplina C

Na disciplina C, os alunos, reunidos em grupos, fizeram uma atividade de campo através de uma visita ao Parque das Mangabeiras. Lá, realizaram observações do meio ambiente, fazendo anotações em um caderno e fotografando itens presentes em um roteiro de visita de campo. Essas imagens fariam parte do relatório, que seria produzido em sala de aula a partir

de um roteiro para sua elaboração (Anexo 4, p.207), que recebiam no início do ano. Em um horário de 100 minutos semanais, elaboravam parcialmente os relatórios, que eram concluídos posteriormente. Para solucionar dúvidas, os alunos faziam contato com os professores presencialmente e pela internet. Os princípios pedagógicos dessa prática, assim como nas disciplinas anteriores, também se pautavam pela interação dos alunos entre si e com seu professor. Diferentemente das demais disciplinas, C era uma disciplina recente na escola e desenvolvia uma proposta interdisciplinar, entrelaçando conteúdos de Biologia e de Geologia. A disciplina contava com dois professores: um da área de Ciências Humanas e outro da área de Ciências da Natureza.

3.3.4. O contexto de produção de relatórios da disciplina D

Na disciplina D (200 minutos semanais), os alunos recebiam um roteiro para a realização do experimento, no qual constavam os procedimentos a serem executados e uma lista de perguntas (Anexo 4, p.207) que deveriam ser respondidas a partir dos resultados alcançados (costumeiramente eram valores numéricos). O registro desses resultados era chamado de relatório, uma possível conceituação também presente em 2.3 (p.25). Respostas e relatórios eram, então, discutidos oralmente em sala de aula na semana posterior.

De acordo com as observações da realização de experimentos e de relatório e com as entrevistas, foi possível perceber o papel preponderante que a linguagem verbal oral desempenhava no processo de ensino das disciplinas. A presença de gráficos e tabelas também era bastante valorizada, pois indicava, para o professor, o domínio da linguagem de cada área. Além disso, importa ressaltar que, em D, assim como em todas as outras disciplinas, era esperado que os estudantes adquirissem e desenvolvessem as habilidades apresentadas 2.3.1 (p.30). Sob a ótica do professor, a diferença entre os relatórios e seus contextos não indicava comprometimento das habilidades, dos alunos.