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O gênero relatório de experimento como instrumento mediador de aprendizagem

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.6. O gênero relatório de experimento como instrumento mediador de aprendizagem

De acordo com Schneuwly e Dolz, os gêneros medeiam a relação entre sujeito e linguagem, de forma que sua eficácia depende de como são apropriados pelo sujeito:

O instrumento, para se tornar mediador, para se tornar transformador da atividade, precisa ser apropriado pelo sujeito; ele não é eficaz senão à medida que se constroem, por parte do sujeito, os esquemas de sua utilização. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 24).

Nesse sentido, vale reportar o fato de que, para esses pesquisadores, o gênero norteia ou ordena de tal forma a linguagem que nele se encontram caminhos para produção e a compreensão de variados textos ao mesmo tempo. Porém, na mediação de aprendizagem de adolescentes baseada na noção de gênero, é importante considerar que

[...] nem todos os gêneros são igualmente aptos para refletir a individualidade na língua do enunciado, ou seja, nem todos são propícios ao estilo individual [...] As condições menos favoráveis para refletir a individualidade na língua são as oferecidas pelos gêneros do discurso que requerem uma forma padronizada, tais como a formulação do documento oficial, da ordem militar, da nota de serviço, etc. [...] Na maioria dos gêneros do discurso (com exceção dos gêneros artístico-literários), o estilo individual não entra na intenção do enunciado, não serve exclusivamente às suas finalidades, sendo, por assim dizer, seu epifenômeno, seu produto complementar. (BAKHTIN, 2003, p. 283).

A apropriação dos gêneros na esfera escolar, bem como a afirmação feita por Bakhtin, são aspectos concernentes ao caráter artificial que os gêneros podem assumir, conforme discutido anteriormente. Nessa mesma direção, Schneuwly e Dolz acentuam que

A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdobramento que se opera, em que o gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de ensino/aprendizagem. O aluno encontra-se, necessariamente, num espaço do como se, em que o gênero funda uma prática de linguagem que é, necessariamente, em parte, fictícia, uma vez que ela é instaurada com fins de aprendizagem. (SCHNEUWLY; DOLZ, 1999, p. 7).

No entanto, tal particularidade dos gêneros em cursos técnicos não se verifica exatamente assim com relação ao gênero relatório. Nos ambientes de laboratório, é possível observar que ele está, de certa forma, fora ou além do “espaço do como se”, na medida em que acontece a partir da realização de experimento. Isso equivale a dizer que os experimentos agregam um valor de realidade ao texto, que modifica a maneira como os alunos o produzem

e ainda apresenta uma capacidade de levá-los a (re)contextualizarem a experiência vivida no laboratório. Nessa situação, os gêneros podem

[...] representar importante ferramenta para a realização de projetos individuais e coletivos em sociedade, já que qualificaria o aprendiz para enfrentar as relações sociais que desenvolvem com seus interlocutores, através de atividades de linguagem das quais participam (BALTAR, 2004, p. 209).

Consequentemente, os gêneros

[...] precisam realmente funcionar como gêneros catalisadores, ‘que favorecem o desencadeamento e a potencializarão de ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto de seus aprendizes. (BALTAR, 2013, p. 148).

Isso revela que as interações em sala de aula/laboratório entre os interlocutores fazem emergir posições políticas e ideológicas. Essas posições se organizam em “formações discursivas”, que mantêm entre si relações de antagonismo, de aliança ou de dominação, típicas da sala de aula. Tais relações acarretam uma aproximação entre uma teoria da linguagem e uma teoria da aprendizagem, o Behaviorismo, já descrito anteriormente nesta tese. Podem-se reconhecer, nas práticas pedagógicas behavioristas, relações de antagonismo e dominação. As atividades em sala de aula que determinam o que pode ou não ser dito implicam a subordinação de “quem nada sabe” (a tábula rasa) a quem “tudo sabe”.

Apesar disso, nas interações com seus alunos e seus textos, durante o processo de textualização, todo professor, behaviorista ou não, tem oportunidade de observar o que e como algo está sendo aprendido; é sempre possível ao locutor (professor) uma interferência na aprendizagem. Certamente, práticas pedagógicas interacionistas permitem, com mais facilidade, acompanhar as ações do seu interlocutor (alunos), fazendo mais e melhores intervenções, tal como sugere a Teoria Psicogenética, ou promovendo também o aparecimento de uma zona de desenvolvimento proximal (ZDP), como propõe o Interacionismo de Vygostky. Uma vez situados em uma ZDP, os aprendizes encontram-se em condições de construir e de consolidar um conhecimento, abrindo espaço para novos outros. Do ponto de vista interacionista, na produção de relatórios, os professores desempenham papéis de agentes produtores e de mediadores, não só de um saber específico, como também da cultura que lhes acompanha ou lhes envolve, utilizando como instrumento de mediação o relatório.

A discussão apresentada até aqui sugere que o relatório de experimento desempenha um papel de megainstrumento cuja função é ser uma espécie de organizador geral de todas as atividades que estabeleçam uma ligação direta entre linguagem e o ensino. Como gênero que é, um megainstrumento deve ser devidamente apropriado, no caso, pelos alunos. Quanto mais o seu processo de textualização for conhecido, aumentam-se as chances de que o seu emprego com finalidades pedagógicas. Além disso, a partir dessa mesma discussão, evidenciam-se os polos constuintes do esquema de tripolaridade do instrumento (p.26-27): as características próprias do gênero, o sujeito (aluno/professor) e a situação escolar. Nos termos de Schneuwly e Dolz (2004), esses três polos dão sustentação aos gêneros para funcionarem como megainstrumentos. E são eles que participam do processo de textualização de um saber, no caso, de um saber representado pela linguagem científica. A representação do conhecimento interiorizado pressupõe um movimento de transformação da linguagem científica em um texto escrito que leva o aluno ao aprendizado de ciências. Tal transformação, portanto, faz parte do processo de textualização, o que justifica a próxima a próxima seção.