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A configuração do trabalho Macu

3.8. Escolarização e cultura Macu

Espaços socias são construídos e neles se estabelecem permutas entre conhecimentos e informações. Entretanto, o caminho das práticas escolares é construído ora passivamente (i.e. regras e valores inquestionáveis) ora transversalmente pela cultura, com integralização e exclusão (Dubet & Martuccelli, 1996; Lave, 1991; Perrenoud, 1995;

Com os Macuxi não foi diferente. Os missionários implantaram escolas na cidade e nas regiões indígenas conduzindo a educação para a catequese e aos valores sociais e morais. As malocas passaram a ser denominadas de “comunidades”, onde devem conviver entre a paz e a harmonia do “Senhor”. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) também fundara escolas nas fazendas nacionais e por fim, seria a vez da Secretaria de Educação do Estado de Roraima expandir o aculturamento dos indígenas com suas cartilhas doutrinárias.

A educação escolar homogeneizadora se habilitou em construir uma educação escolar “para” o índio, e não uma educação escolar “do” índio e assim, o ensino nas escolas veio reforçar a política social da cultura dominante. Os Macuxi apropriaram-se oficialmente da língua portuguesa e deixaram de falar a língua nativa, concebida no contato como “gíria”.

No entanto, o que se tem visto é paulatinamente ocorrerem quebras na hegemonia das políticas educativas de massificação da escolaridade, a considerar que seus atores sociais cada vez mais inserem-se em espaços plurais e exigem da instituição “escola”, atenção para a pluralidade em seus currículos, pela garantia às relações identitárias que nela se (re)constroem. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe o respeito aos grupos étnicos, confirmando em seu Art.231, os direitos reconhecidos aos índios de sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições.

A escola que viera viabilizando a degradação social no reforço da dominação de uma sociedade sobre a outra, passa a ser usada como instrumento de libertação pela

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sociedade dominada. As reivindicações indígenas voltam-se para o ensino bilíngue. A língua nativa que era falada só pelos mais idosos, hoje está sendo repassada por professores indígenas que compõem o quadro de ensino escolar. A despeito dos ritos católicos já enraizados, os mais jovens buscam conhecer o que de suas crenças foi apagado. No entanto, sobrevive, em geral, uma forte consciência em ser Macuxi. Estando eles mais organizados, buscam hoje reverter a ideologia neles introjetada pelo etnocentrismo envolvente e assim, reconstroem suas identidades (Gomes, 2010).

Hoje, pela Divisão Escolar de Educação Indígena (DIEI), reivindicam por contratação de professores indígenas com o intuito de valorizar sua cultura. As escolas situadas nas comunidades indígenas têm em seu quadro efetivo professores indígenas formados no Curso Superior, tanto em Licenciatura Intercultural para professores indígenas e Curso de Gestão Territorial indígena ofertados pelo Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR), como também, professores formados em outras áreas de conhecimento e em outros estabelecimentos de ensino superior.

Vale ressaltar que tais conquistas devem-se às lutas dos povos indígenas por uma educação específica, de qualidade, respeitando suas identidades étnicas. No entanto, o Censo 2010 identificou a população indígena brasileira com o nível educacional mais baixo que o da população não indígena, nomeadamente na área rural e ainda, os grupos etários acima dos 50 anos apresentam taxa de analfabetismo superior à de alfabetização.

As relações que se estabelecem na escola são mediadas por um universo de interações quotidianas (in)formais, que se (re)produzem numa relação dialógica entre troca de experiências, afetos, favores e competências. Nesse sentido, percebe-se a (re)estruturação de redes sociais e culturais. No entanto, a cultura manifestada de forma objetiva e institucional é incorporada, internalizada e passa a ser confundida com o HABITUS (Bourdieu, 1999). Por esse prisma, verifica-se o processo de dominação perpetuado com a imposição e com a ocultação da ação arbitrária sobre a cultura.

Sabemos ainda que muitos aspetos do ambiente escolar (e.g. obediência, subordinação, organização do espaço em sala de aula, divisões entre meninos e meninas) não fazem parte do currículo oficial mas nele estão implícitos e que portanto precisam ser desocultados (Dreeben, 1968). Nesse aspeto, convêm tratar dos currículos escolares que atuam como mecanismo de exclusão. O currículo de qualidade é percebido como espaço de interseção, das diferenças, do diálogo, não de transmissão, mas de produção de culturas. O currículo como artefacto cultural é uma invenção e

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construção social (Silva, 1999). Colocá-lo em prática, requer exercer a cidadania na garantia de que o caráter contínuo e formativo da educação seja contemplado na construção de conteúdos múltiplos, plurais e multiculturais.

Nesse sentido, é expressiva a pesquisa na área da etnobotânica, realizada com 15 indígenas agentes de saúde da terra indígena Araribóia (MA), identificou que todos os agentes indígenas entrevistados detinham conhecimentos sobre o poder curativo dos vegetais adquiridos na própria aldeia através de conversas com índios mais velhos e, demonstraram consciência quanto aos riscos, quando da má utilização fitoterápica de cascas para a obtenção do preparo caseiro do remédio (Coutinho, Travassos, & Amaral, 2002). Portanto, o conhecimento escolar e extraescolar estão envolvidos em uma complexa relação de poder e que dela pode germinar organização e viabilização de potências na produção de subjetividades e identidade social.

Por meio da educação e informação, as perceções sobre o trabalho também vão sendo revisadas em prol das atividades que geram rentabilidade econômica, nomeadamente com a agricultura familiar. Os pequenos produtores aproveitam a oferta ambiental e cultivam a produção básica para a dieta alimentar, especialmente constituída do arroz, milho, feijão, hortaliças, mandioca e pequenos animais. Segmento rural que impulsiona a pluriatividade para a diversificação da força de trabalho, intencionando a melhoria de renda de pequenos e médios agricultores, por meio da inserção dos produtos no mercado tanto no interior como na capital do Estado. Nesse sentido, a família passa a ocupar-se com mais de uma atividade (Fuller, 1990).

Assim, o apoio tecnológico tem sua essencialidade quando previamente são analisados os impactos ambientais, diretamente à produtividade da terra, como na produtividade do trabalho. No entanto a inserção tecnológica na agricultura familiar dos povos indígenas não implica em subordinação destes à superioridade do progresso tecnológico, visto que as comunidades indígenas buscam assessoria nesse setor sem deixar de entremear nelas suas formas tradicionais ao lidar com o trabalho. É como daqui em diante estaremos apresentando algumas comunidades indígenas brasileiras que têm suas pluriatividades voltadas para o sustento familiar.

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3.9. Sustentabilidade e etnodesenvolvimento: entre tecnologias e