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ESTUDO EMPÍRICO

4.5. Protocolo de entrevista

A entrevista semiestruturada foi construída a partir da revisão de literatura (Blustein, 2006; Morin, 1996, 2001; MOW, 1987; Ruiz-Quintanilla & Claes, 2000) com o cuidado na elaboração das questões para que fossem concisas e que atendessem à compreensão conceitual dos participantes. Neste sentido, procurou-se que as questões fossem neutrais, abertas, singulares e claras. Com a neutralidade das questões procuramos que não induzissem determinados respostas valores. Neste caso, estando a entrevistar pessoas de uma cultura muito diferente da nossa, seria importante evitar que os nossos valores sobre o trabalho e a satisfação com a vida fossem transmitidos ou impostos ao longo da entrevista de forma implícita ou explícita. Por sua vez, com questões abertas procuramos que as questões abrissem múltiplas possibilidades de resposta e assim, maior riqueza de informação. A singularidade das questões implicou que não se fizesse mais do que uma questão de cada vez, a fim de garantir a sua clareza. A clareza da resposta também se procurou através da adequação do vocabulário à linguagem dos participantes.

Outro dos cuidados na elaboração das questões foi o de evitar perguntar “porquê?”. Deste modo, procuramos minimizar o risco de o entrevistado interpretar o porquê como critica à resposta que havia dado. Patton (2002) também alerta para a possibilidade de, com participantes de outra cultura, o porquê ser entendido como incompreensão do entrevistador sobre uma resposta que, para o entrevistado, era mais do que evidente.

A fim de averiguar se as questões avaliavam aquilo que de fato se pretendia que avaliassem (i. e. validade facial), foram realizadas entrevistas piloto em dois momentos. Primeiro, a oito indígenas de etnia Macuxi e posteriormente a oito pessoas não-

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indígenas. A escolha dos dois grupos possibilitou verificar se as perguntas estavam elaboradas de forma clara e concisa e, por isso, suscetíveis de compreensão por indivíduos de diferentes culturas. Foram retiradas algumas perguntas por se considerarem redundantes com outras que estavam no guião (e.g. O que você aprendeu com sua família acerca do trabalho? Foram traçados planos para a sua vida? Suas experiências de trabalho são discutidas com outras pessoas?) e por não permitirem informação relevante (e.g. Conte três histórias que marcaram sua vida).

O protocolo de entrevista semiestruturada iniciou com perguntas de caráter demográfico referente a idade, gênero, etnia e comunidade de residência. Posteriormente, foram feitas perguntas em dois domínios temáticos: significado do trabalho e satisfação com a vida. No domínio relativo ao significado do trabalho as seguintes questões guiaram a entrevista:

1) O que é o trabalho para si? 2) O que não é trabalhar?

3) É importante trabalhar? O que o leva a considerar que o trabalho é (ou não é) importante?

4) O seu trabalho recebe alguma influência da cultura Macuxi?

Para o domínio satisfação com a vida e com o trabalho elaboraram-se as seguintes questões:

5) Você se sente satisfeito com sua vida ou não? Em que aspetos?

6) O trabalho contribui para a sua satisfação ou insatisfação com a vida?

As questões funcionavam como tópicos a explorar no decorrer da entrevista. No entanto, estas questões foram colocadas de forma flexível de modo a garantir a fluência do diálogo e a fidelidade da informação recolhida. Neste sentido, nem sempre a sequência das questões foi a mesma, tendo sido introduzidas à medida que a conversa ia decorrendo.

As vantagens do guia de entrevista semiestruturada são as de estabelecer uma estrutura de informação a recolher, passível de usar com flexibilidade e num reduzido espaço de tempo mas, ao mesmo tempo, permitindo a comparabilidade de resultados entre os participantes (Patton, 2002).

94  4.6. Procedimentos

A pesquisa, realizada em terras indígenas do Estado de Roraima/Brasil, em sua primeira etapa atendeu aos Termos da Resolução brasileira CNS/MS nº 196/96, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde e demais resoluções complementares à mesma, que trata a pesquisa que envolve seres humanos, sob a ótica do indivíduo e das coletividades e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.

Nesse sentido, foi encaminhado aos órgãos fiscalizadores: Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS), Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Roraima (CEP/UFRR), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNPQ) e Fundação nacional do Índio- Distrito Federal (FUNAI/DF) via Plataforma Brasil, os seguintes documentos: currículo Lattes do pesquisador e do Orientador, projeto de pesquisa, modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), termo de Anuência dos Tuxauas; Declaração ou Carta de Apresentação do Orientador, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFRR, do Coordenador do Curso, do Instituto de Investigação e Formação Avançada/Universidade de Évora (IIFA/UÉvora/Portugal); ofícios à FUNAI, ao Coordenador geral da região indígena. Ainda como exigência: a apresentação da Carteira de Saúde com as vacinas em dia para o acesso às regiões indígenas, atestado médico de não portador de moléstia infecto-contagio. Finalizando o protocolo; folha de rosto da Plataforma Brasil, documentos de identidade pessoal (RG, CPF) e demais documentos comprobatórios de vínculo institucional. Recebemos por parte destas Entidades, o consentimento para a realização da pesquisa in loco, o que aconteceu via correio eletrônico.

A próxima etapa foi estabelecer contato com os tuxauas, representantes das cinco comunidades indígenas localizadas no Estado de Roraima/Brasil, a fim de apresentar os objetivos e finalidade da pesquisa e receber autorização daqueles, para o desenvolvimento da mesma. Elencamos as etapas de contato referente a idas às comunidades indígenas. A primeira etapa foi com tuxauas e comunidades indígenas na apresentação de objetivos e importância da pesquisa científica. Na segunda etapa efetivou-se a coleta de assinaturas das lideranças indígenas ao Termo de Anuência para a realização da pesquisa e apresentação da proposta do curso-oficina “ Confeção do livro infantil” via Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Roraima/Brasil,

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a professores indígenas Macuxi. A terceira etapa foi para explanar a proposta do curso de Confeção do Livro Infantil. Na quarta e quinta etapa ocorreu o desenvolvimento do referido curso e sua finalização. A partir dessas etapas ocorreu a realização da pesquisa com as entrevistas.

Entendendo que no primeiro contato com as comunidades, os indígenas solicitaram cursos voltados para a formação de professores (dentre outros temas), sugerimos a proposta de oficina a professores indígenas. Assim, evitou-se o espaçamento de tempo entre a anuência dos tuxauas à pesquisa e a conclusão do processo ao acesso às comunidades. De outra forma, sem essa aproximação no período de espera, a execução da pesquisa poderia ser prejudicada. Essa intervenção nos deu maior credibilidade junto aos indígenas.

As entrevistas realizaram-se nos meses de setembro e outubro de 2013. Foram necessários três dias de permanência em cada comunidade para a realização das entrevistas que foram concedidas de forma individual. Antes do início de cada entrevista foi entregue uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I), explicando a importância da pesquisa. Aos participantes foi ainda solicitada autorização para poder registar a entrevista via gravação áudio, para posterior transcrição, sob garantia de manutenção do anonimato e da confidencialidade. Depois, as entrevistas iniciaram-se com a recolha de dados sociodemográficos referentes à etnia, idade, escolaridade, sexo e profissão dos participantes da pesquisa. As perguntas foram lidas a fim de esclarecimento e elucidação de dúvidas. Quase todas as entrevistas decorreram sequencialmente.

A pesquisadora dirigiu-se à residência de cada participante, primeiramente situando-os quanto ao trabalho que anteriormente fizera com os professores na comunidade e, posteriormente apresentou a pesquisa e solicitou consentimento para entrevistá-los. Imediatamente ao consentimento, as entrevistas foram realizadas e, geralmente, nos mesmos locais em que foram abordados (i.e. lugares abertos, fora do espaço interno da casa). No momento das entrevistas, além dos entrevistados sempre havia a presença de outras pessoas, o que não provocou nenhuma intimidação ou limitação dos entrevistados em responderem à entrevista. Em dois casos houve interferência de familiares no sentido de lembrar o participante de que havia algum aspeto que seria importante falar. Em outros dois casos houve ligeira interrupção devido as entrevistas terem sido realizadas em espaço público (e.g. escola, local de trabalho).

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Quanto a compreensão das perguntas, alguns participantes com idade de 50 a 65 anos apresentaram dificuldades em entender a palavra “satisfação”, essencialmente expressa na pergunta “Você se sente satisfeito com a sua vida ou não?”, e nesse sentido foi-lhes esclarecido que a satisfação seria “sentir-se bem”. Logo em seguida a entrevista fluía sem objeções. Cada entrevista decorreu em media no tempo de 15 a 20 minutos. As mulheres com idade de 50 a 65 anos em média foram mais falantes durante a entrevista, e os jovens foram mais sucintos em suas falas.

Houve a preocupação da pesquisadora em respeitar tanto o depoimento oral de cada entrevistado sem fazer interrupções, bem como o silêncio, considerado também como fonte de informações. As entrevistas foram transcritas na íntegra. Posteriormente foram excluídos vícios de linguagem, redundâncias, expressões confirmativas (e.g.“né?”) e gagueira. Cada entrevista foi nomeada com um código para manter confidência e para organizar o procedimento de análise.