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A configuração do trabalho Macu

3.3. O trabalho comunitário na linha pró-ativa

É na década de 1970 que as mobilizações indígenas começam a surgir apoiados pela igreja católica e, por meio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que os debates sobre cidadania e direitos humanos são semeados. A formação de líderes comunitários indígenas em Roraima vai se constituindo em reuniões dos Conselhos indígenas, com a significativa participação de pessoas falantes e questionadoras de seus direitos. Mesmo que as mudanças ocorridas em seus territórios tenham tido certa anuência daqueles povos, agora, surge uma nova experiência comunitária que se estrutura “na construção cotidiana das relações de reciprocidade entre indivíduos, cuja cooperação resulta na apropriação comum do produto de suas atividades” (Santilli, 2001, p. 133) de forma organizada, pois, os povos indígenas já viviam nessa perspetiva de união.

Os movimentos indígenas nas américas começaram ter evidência nos anos de 1980, na luta pelo reconhecimento dos direito humanos e sobretudo pelo direito territorial. Dessas iniciativas de política social foram surgindo órgãos gestores em prol dos direitos indígenas. Em 1980 foi criada a União da Nações Indígenas (UNI); em 1989 a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), em 1992 o Conselho de Articulações dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil (CAPOIB) e outras mais, organizadas como conselhos, associações, sociedades regionais, nacionais e internacionais que vem representar de direito e de fato, as causas indígenas.

Começam as articulações políticas. Ancorados à igreja católica, pelo ensejo da política indigenista nacional e nas Diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 169 de 1989, os índios passam a discutir em suas reuniões anuais o que vêm sofrendo com o “contato”, mais invasor e destruidor do que propulsor de civilidade. A partir da década de 1980, os índios tornam-se pecuaristas com o “projeto do gado”. Da mesma forma que para os fazendeiros, o gado demarcava terras e lhes dava o direito de posse, assim para os indígenas também a estratégia foi articulada. A igreja comprou e distribuiu cinco vacas e dois touros em três malocas; em cada cinco anos teriam que repassar à outra maloca cinquenta e duas cabeças de gado, ficando o excedente como propriedade da maloca. (Mongiano, 2011). Projeto que até hoje, mesmo com os altos e baixos na produção e controle gerencial, surte resultados

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satisfatórios. O autossustento se dá com a pecuária e estende o trabalho para as atividades de cuidar do pasto, vacinar o gado, construir cercas, etc. Tendo o gado como exploração comunitária, os indígenas decidem juntos a hora que precisam matar o gado para comer ou quando precisam vendê-lo. Foi com o gado que a luta politica pela reconquista de seus espaços territoriais avançou.

O projeto da “cantina comunitária” consistiu na venda de produtos industrializados, com a atividade gerenciada pela própria comunidade indígena que elegeu uma pessoa para tomar frente da atividade. A ação que visava evitar o endividamento dos indígenas com os comerciantes não índios que se instalavam nas comunidades, não surtiu efeito desejado devido a falta de preparo técnico dos índios para gerir os negócios.

Surge o projeto de “corte-costura”, na iniciativa de capacitar as mulheres para a atividade de confeção de roupas a serem vendidas a preços mais acessíveis ao próprio povo da comunidade indígena e, assim evitar a exploração do comércio por parte dos não índios. Dessa forma passam a controlar a entrada de pessoas e a venda de produtos dentro das malocas, visto que quem mais perdia com a exploração era a comunidade indígena. Com o projeto de “corte-costura” ao estarem reunidas, as mulheres indígenas começam a falar de suas experiências diárias, dos desafetos e de agressões sofridas infligidas pelos maridos. Situações ocasionadas pelo excesso de bebida e pelo ciúme de alguns maridos por verem suas mulheres saírem de casa, mesmo que fosse para desenvolver a atividade de costura (Gomes, 2010).

Em Assembleia dos tuxauas em 1984 foram criados os Conselhos Regionais indígenas, que encarregavam-se de articular as decisões frente a demanda exigida nas regiões das serras e do lavrado onde os conflitos aconteciam. Posteriormente, com a criação do Conselho Indígena de Roraima (CIR) em 1987, a luta por seus direitos e conquista de seus territórios foi ganhando mais visibilidade nacional e internacional, como um grande projeto de conscientização dos direitos indígenas, nomeadamente sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS).

63  3.4. O trabalho politicamente organizado

As atividades do CIR passaram a ser quase que exclusivas a atender a meta pelo comprometimento com a luta por seus direitos à terra a fim de reconquistar sua identidade territorial indígena. Quando em 1993, os índios decidiram pela formação de barreiras humanas na entrada que leva às comunidades indígenas. Por quatro meses impediram a entrada de máquinas usadas na extração dos minérios e conseguiram o afastamento dos colonos, das suas terras. Posteriormente, por Decreto presidencial, o garimpo na região foi fechado.

As comunidades indígenas enfrentam as adversidades que encontram com comprometimento em estudar soluções para uma diversidade de problemas dentre eles, o abastecimento de água, assistência técnica para o cultivo de plantações comunitárias e o transporte para o escoamento de seus produtos. Empreendem seus trabalhos a fim de captar convênios na utilização de recursos técnicos e maquinários. Recorrem ao apoio na assistência à saúde e participam no treino de monitores e no resgate da medicina tradicional.

As políticas de povoamento do norte amazônico, com os discursos de integração dos povos indígenas às sociedades vizinhas, fizeram acentuar os embates políticos envolvendo não só os índios, mas também ambientalistas, antropólogos, instituições superiores de ensino, posseiros, fazendeiros, religiosos e inúmeras organizações civis humanitárias nacionais e internacionais, além das Instituições Federais do Brasil como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e Ministérios. E nesse sentido, por todo o mundo vem acontecendo debates que pontuam os direitos indígenas e fomentam a organização de entidades indígenas à constância de seus direitos plenos, no estabelecimento das relações dialógicas que se constroem com os grupos sociais envolventes.

No processo das discussões surgiram projetos federais e privados que causaram empecilho na consolidação das práticas ao direito de cidadania indígena. O projeto Calha Norte que tinha como finalidade o desenvolvimento da região norte, após muitos Decretos veio a ser vetado. Porém, a BR 174, que liga Manaus à Boa Vista e Venezuela foi construída em terras indígenas; bem como foram criados três municípios em 1997 no Estado de Roraima, causando o aviltamento da dignidade dos povos indígenas daquela região.

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Hoje, com os direitos adquiridos por seu território, com a homologação das TIRSS em 15/04/2005 em área contínua, os indígenas partem em busca de consolidar suas práticas de trabalho voltadas para seus costumes e tradições culturais, encampando projetos que sinalizam para a sustentabilidade social e econômica.

Com os discursos voltados para a sustentabilidade econômica, os interesses políticos e sociais passam a girar em torno de programas financiadores destes povos. Povos quase folclóricos, quase tombados como património de uma nação, e que souberam soerguer-se e mostrar que reconstroem cotidianamente suas rotinas. Mesmo que ao longo dos anos lhes tivessem cerceado o direito de trabalhar exclusivamente para seu autossustento, a conceção do fazer coletivo sem a proeminência da valoração quantitativa sobre bens e consumo, ainda prevalece.

As atividades que os povos indígenas desenvolvem e que se consolidam em conquistas pelo interesse e vontade coletiva, são reconhecidas como trabalho.