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O trabalho indígena vestido de civilidade na colonização brasileira

A configuração do trabalho Macu

3.2. O trabalho indígena vestido de civilidade na colonização brasileira

Uma nova etapa política é vivenciada na região com a pecuária, complementar ao extrativismo até os fins do século XVIII, a expandir-se com fins de integração da região do rio Branco ao mercado interno colonial.

Nas regiões indígenas foram instaladas as propriedades particulares que cresceram de acordo com a expansão de seus rebanhos. Viu-se a saída dos índios das aldeias para o trabalho nas fazendas, enquanto as mulheres índias tinham o trabalho voltado para a limpeza e cultivo de hortas e, ambos quando pagos, na maioria das vezes

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com bens industrializados. As relações de compadrio entre fazendeiros e índios veio encobrindo a submissão a que os índios há muitos anos vinham vivendo. Crianças índias foram dadas como afilhadas aos fazendeiros e logo levadas à cidade a fim de serem civilizadas (Santilli, 1994). As relações de dominação permanecem com nova roupagem: brancos e índios agora vivem “civilizadamente”.

Com o processo de imigração, o povoado de Boa Vista, em 1926 é elevado a sede municipal, inspirando o avanço da pecuária na região. Politicamente a elite de fazendeiros se fortalece e passa a exercer pressão sobre os órgãos públicos. Se configura o domínio da terra com a ampliação da pecuária. Na frente, os fazendeiros a discursar em favor do crescimento da região, tendo nos índios e sobre suas terras, o meio estratégico para o avanço de seus objetivos particulares. A história parece se repetir, porém, agora seriam os colonos brasileiros a explorar a mão-de-obra indígena. O que se vê é que as fronteiras entre aldeias e cidade, se existiam, já não são mais barreiras para se alocar a mão-de-obra indígena barata ou essencialmente de graça, a serviço dos moradores da cidade. Dessa forma, a busca pelo trabalho na cidade e a descoberta do “novo” vem intensificar a migração indígena para a cidade.

Os missionários beneditinos, com a ajuda dos índios, em 1910 instalam a Missão às margens do alto do Surumú; região em que predomina a etnia Macuxi. Além da celebração dos ritos católicos, criam um internato misto para os índios, fundam uma escola onde alguns índios eram selecionados para serem alfabetizados (Santilli, 1994). Em 1949 a Congregação Consolata assume a Missão e dá prosseguimento às atividades com o trabalho de catequese, com o atendimento hospitalar e com a educação diferenciada para meninas e meninos (CIDR, 1989). Tais práticas vivenciadas na escola missionária propiciaram o surgimento de lideranças nas comunidades indígenas, pois, os índios passaram a expressar fluidamente suas visões sobre as situações que cotidianamente os afetava. Assim, a igreja recomeçou seu trabalho teológico pautado no social.

A partir da década de 1950, uma nova política de imigração se instalou no extremo norte do município de Boa Vista com a corrida pelo ouro e diamante no extremo norte do vale do rio Branco, ocasionando a intrusão de garimpeiros em território indígena e em consequência, o surgimento de conflitos nas aldeias, afetando principalmente as atividades tradicionais (e.g. caça e pesca) e os costumes culturais.

As atividades de plantio de hortas, roça, caça e pesca, já não fazem mais sentido devido a comercialização de mercadorias industrializadas, bem ao alcance de qualquer

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indígena. As políticas partidárias já tem seus propagadores dentro das comunidades indígenas. Os candidatos políticos se incumbem em doar “cestas básicas”, incentivados pelo próprio sistema assistencialista do governo local. Roupas, redes, panelas faziam parte das doações pressupondo a troca por votos. Dessa forma, vê-se que os índios Macuxi são influenciados pela formação neófita propagada pelos grupos sociais dominantes. Não só as panelas de barro tornam-se inadequadas como também, os adornos e vestimentas viraram artefactos obsoletos. O fogão a lenha havia sido substituído pelo fogão a gás. As aldeias passam a ter uma outra configuração com as casas construídas mais afastadas umas das outras, mudando suas rotinas de vida e de trabalho.

Na década de 1970, a igreja católica estende sua proposta evangelizadora na compreensão de conduzir seus trabalhos à causa indígena e, resolve em reuniões ecumênicas abrir espaço para que os indígenas falassem sobre suas experiências de vida. Os índios Macuxi, localizados nas regiões do Surumú e Tacutú, os mais afetados com o contato, aos poucos expressavam o que vinham vivenciando em suas comunidades. Dentre as questões estava a venda de bebida alcoólica nas malocas (i.e. aldeias indígenas) e a consequência acarretada às famílias e comunidade; a troca de mão de-obra por alimentos industrializados deixava o índio dependente do seu patrão; comerciantes instalados nas malocas a viciá-los ao consumo de produtos diversos; posseiros que demarcavam as terras indígenas impediam os próprios índios de plantar e executar suas atividades tradicionais; a entrada do gado dos fazendeiros nas malocas destruía as plantações; os garimpeiros traziam doenças e desrespeitavam áreas de montanhas sagradas. Todas essas questões foram temas de preocupação e debate; além de questionarem constantemente, em reunião, a atitude de certos índios com relação a seus papéis de liderança.

Na região do Branco, o trabalho que se expandira com a pecuária foi delimitador na estruturação de um modelo econômico para Roraima. E nesse aspeto, a mão-de-obra indígena, que experimentara o trabalho braçal nas fazendas dos colonos, percebeu que pela pecuária extensiva poderia garantir suas terras que pouco a pouco estavam sendo invadidas e tomadas. Assim foi se configurando o trabalho do indígena Macuxi: com braços fortes para a enxada, impetuoso ao lidar com o gado, impávido ao manipular a terra-mãe e acima de tudo, foi com pulsos inteligentes que ele entrou na luta pela demarcação de suas terras e fortalecimento de sua etnicidade. E ele, na luta permanece.

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