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Hoje, no que se refere `a tomada de decis˜ao multicrit´erio, existem duas princi- pais linhas de pensamento: as Escolas Americana e Francesa (ou Europ´eia). A Escola Americana, baseada na teoria da utilidade, foi a pioneira. Alguns historiadores atribuem sua origem ao trabalho desenvolvido por Bernoulli no s´eculo XVIII. Em 1738, ele propˆos a essˆencia da teoria da utilidade, ao afir- mar que o valor de um item para um indiv´ıduo depende de sua utilidade para o indiv´ıduo e n˜ao de seu valor monet´ario. Enquanto o valor monet´ario do item ´e ´unico para todos, a utilidade do item depende das circunstˆancias par- ticulares do indiv´ıduo que a estima. Entretanto, a contribui¸c˜ao de Bernoulli foi esquecida por um longo tempo. Uma fundamenta¸c˜ao axiom´atica formal para a teoria da utilidade s´o surgiu em 1944, desenvolvida por Neumann e Morgenstern, sendo depois enriquecida pelos trabalhos de outros autores como Fishburn, Keeney e Raiffa [19], [20], [21].

Desde o in´ıcio, os temas tomada de decis˜ao e otimiza¸c˜ao sempre estiveram fortemente interligados. De fato, segundo a teoria da utilidade, os problemas de decis˜ao podem ser modelados matematicamente pela maximiza¸c˜ao de uma fun¸c˜ao, chamada fun¸c˜ao utilidade, teoricamente capaz de representar a utili- dade de cada alternativa para o decisor. Atrav´es dessa fun¸c˜ao, ´e atribu´ıda a cada alternativa uma nota (valor escalar ordinal), que permite a ordena¸c˜ao de todas as alternativas, da melhor at´e a pior. A alternativa preferida — a de maior utilidade — ´e, portanto, aquela que possuir a maior nota. Assim, os m´etodos da Escola Americana caracterizam-se por auxiliar o decisor a cons- truir uma fun¸c˜ao utilidade conforme suas preferˆencias, baseando-se na teoria axiom´atica que assegura a existˆencia dessa fun¸c˜ao. A Tabela 4.2 lista os principais m´etodos da Escola Americana e os classifica, conforme a natureza de seus dados de sa´ıda, em trˆes categorias correspondentes aos trˆes tipos de problema de decis˜ao: P1, P2 ou P3. Est˜ao associados `a P1, os m´etodos que

geram uma ordena¸c˜ao das alternativas conforme a preferˆencia do decisor; `a P2, aqueles cujos dados de sa´ıda indicam apenas qual ´e a solu¸c˜ao final favorita

para o problema; `a P3, aqueles que classificam as alternativas em categorias

predefinidas. Entretanto, ´e interessante lembrar que os m´etodos da categoria P1 tamb´em podem ser usados para determinar uma solu¸c˜ao final ´unica para

o problema: basta selecionar a alternativa melhor colocada na ordena¸c˜ao gerada por ele.

Nas d´ecadas de 50 e 60, a tomada de decis˜ao atraiu o interesse de univer- sidades, das companhias a´ereas e ferrovi´arias e de empresas, especialmente

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Como ser´a visto adiante, em alguns m´etodos de decis˜ao essa nota tem um significado ordinal e, em outros, cardinal.

Tabela 4.2: M´etodos da Escola Americana.

M´etodo Problema

AHP —Analytic Hierarchy Process. M´etodo baseado em compara¸c˜oes entre alternativas e na medi¸c˜ao da preferˆencia com uso de escalas [15].

P1

Macbeth — Measuring Attractiveness by a Categorical based Evaluation Technique. Este m´etodo transforma em quantitativos os julgamentos qualitativos realizados pelo decisor ao comparar os pares de alternativas [22].

P1

Ponto m´edio. M´etodo para constru¸c˜ao de fun¸c˜oes utili- dade [23].

P1

Programa¸c˜ao por Metas. Exige que o decisor declare sua preferˆencia indicando a meta que ele deseja alcan¸car. Permite ordenar todas as alternativas a partir da distˆancia de cada uma delas em rela¸c˜ao a essa meta [24].

P1

Smarts — Simple Multi-attribute Rating Technique us- ing Swings. Auxilia a constru¸c˜ao de fun¸c˜oes utilidade aproximando-as por fun¸c˜oes lineares [25].

P1

Smarts Intervalar. Auxilia a constru¸c˜ao de fun¸c˜oes uti- lidade introduzindo nelas a imprecis˜ao dos julgamentos do decisor [26].

P1

Smarter — Simple Multi-attribute Rating Technique Ex- ploiting Ranks. M´etodo similar ao Smarts, que aproxima as fun¸c˜oes utilidade por fun¸c˜oes lineares e estima o peso de cada crit´erio por uma t´ecnica chamada Rank Order Cen- troid [25].

P1

Todim — Tomada de Decis˜ao Interativa Multicrit´erio. Possui algumas caracter´ısticas semelhantes ao AHP. Em- bora, tenha sido inclu´ıdo nesta tabela de m´etodos da Es- cola Americana, o Todim pode ser considerado um m´etodo h´ıbrido, por possuir elementos pr´oprios de ambas escolas [27].

P1

Utadis — Utilit´es Additives Discriminantes. Classifica al- ternativas em categorias pr´e-definidas pela simples com- para¸c˜ao entre o valor da fun¸c˜ao utilidade global para cada alternativa e constantes usadas para delimitar cada classe [28].

das ´areas de telecomunica¸c˜oes, de distribui¸c˜ao de ´agua e de fornecimento de eletricidade. ´E interessante ressaltar que, nessa ´epoca, o mundo tentava via- bilizar a reconstru¸c˜ao dos estragos provocados pela Segunda Guerra Mundial. A intensifica¸c˜ao da pesquisa trouxe duas contribui¸c˜oes de grande importˆancia para a an´alise multicrit´erio.

• Em 1960, iniciou-se um tratamento mais rigoroso da decis˜ao multi- crit´erio, com o trabalho de Debreu [29]. Debreu associou o conceito de preferˆencia ao da utilidade multiatributo aditiva, afirmando ser poss´ıvel decompor a fun¸c˜ao utilidade global U, que considera todos os crit´erios, em uma soma de fun¸c˜oes utilidade ui, que representam a preferˆencia

do decisor segundo cada crit´erio.

• O nascimento da Escola Francesa, com o desenvolvimento do primeiro m´etodo a empregar o conceito de sobreclassifica¸c˜ao, Electre I, em 1968 [30].

A origem do termo Escola Francesa vem do fato de que o conceito de sobreclassifica¸c˜ao e os primeiros m´etodos a empreg´a-lo foram desenvolvidos por pesquisadores franceses. Hoje, entretanto, a pesquisa sobre tomada de decis˜ao segundo essa linha de pensamento n˜ao est´a restrita `a Fran¸ca. Im- portantes contribui¸c˜oes tˆem surgido da Europa Ocidental, especialmente da B´elgica. Por isso alguns autores preferem o termo Escola Europ´eia.

Os m´etodos de decis˜ao da Escola Francesa caracterizam-se por apresentar dois est´agios. No primeiro, s˜ao realizadas compara¸c˜oes entre cada alterna- tiva pertencente a A e as demais. A partir dessas compara¸c˜oes s˜ao definidas rela¸c˜oes de sobreclassifica¸c˜ao entre cada par de alternativas de tal maneira que, dadas a, b ∈ A, se a ´e pelo menos t˜ao boa quanto b, ent˜ao pode-se dizer que a sobreclassifica b. No segundo est´agio, essas rela¸c˜oes s˜ao explo- radas por meio de um conjunto de diretrizes, tendo como objetivo ordenar as alternativas da melhor para a pior, classificar as alternativas em catego- rias predefinidas ou obter a melhor alternativa de A. A Tabela 4.3 lista os principais m´etodos da Escola Francesa4, classificando-os em trˆes categorias,

como foi feito na Tabela 4.2 de M´etodos da Escola Americana.

Alguns autores enfatizam as diferen¸cas entre as atitudes de cada escola, utilizando o termo tomada de decis˜ao multicrit´erio — Multicriteria Decision Making ou MCDM— para se referir `a abordagem da Escola Americana e o termo aux´ılio `a tomada de decis˜ao multicrit´erio — Multicriteria Decision

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O leitor pode estranhar o fato de que os m´etodos Promethee III e IV est˜ao sendo omitidos nesta tabela. Voltados para a solu¸c˜ao de problemas do tipo P1, esses m´etodos s˜ao muito pouco conhecidos. N˜ao adquiriram a popularidade do Promethee II por possu´ırem um alto custo computacional.

Tabela 4.3: M´etodos da Escola Francesa.

M´etodo Problema

Electre I — Elimination and (et) Choice Translating. Baseia-se no conceito de concordˆancia e discordˆancia para construir as rela¸c˜oes de sobreclassifica¸c˜ao entre as alterna- tivas. Essas rela¸c˜oes definem um grafo, a partir do qual ´e poss´ıvel definir o menor conjunto de alternativas conside- radas satisfat´orias [30].

P2

Electre II. M´etodo usado para ordenar as alternativas da melhor at´e a pior, tendo como dados de entrada os resul- tados obtidos pelo m´etodo Electre I [31].

P1

Electre III. Utiliza os conceitos de rela¸c˜ao de sobreclassi- fica¸c˜ao e ´ındice de credibilidade para ordenar as alternati- vas da melhor at´e a pior [32].

P1

Electre IV. M´etodo usado para ordenar as alternativas, mas que oferece a vantagem de n˜ao exigir a especifica¸c˜ao do peso de cada crit´erio.

P1

Electre Tri. M´etodo baseado em rela¸c˜oes de sobreclassi- fica¸c˜ao usado para classificar as alternativas em categorias pr´e-definidas, a partir da compara¸c˜ao entre cada alterna- tiva e os perfis que definem os limites das categorias [33].

P3

Oreste. Baseado no conceito de sobreclassifica¸c˜ao, usado para ordenar as alternativas da melhor at´e a pior [34].

P1

Promethee I — Preference Ranking Organization Method for Enrichment Evaluations. Usa o conceito de fluxo de rede da teoria de grafos para construir as rela¸c˜oes de so- breclassifica¸c˜ao e ordenar as alternativas da melhor at´e a pior. Esse m´etodo admite situa¸c˜oes em que a preferˆencia do decisor ´e indefinida e as alternativas s˜ao consideradas incompar´aveis [35].

P1

Promethee II. M´etodo similar ao Promethee I, mas que n˜ao admite julgamentos em que as alternativas s˜ao incom- par´aveis [35].

P1

Tabela 4.3: M´etodos da Escola Francesa - Continua¸c˜ao.

M´etodo Problema

Promethee V Esse m´etodo divide-se em dois est´agios: inicialmente, ´e executado o m´etodo Promethee II; poste- riormente ´e executado um m´etodo de busca a fim de se achar a alternativa que atende a uma s´erie de restri¸c˜oes impostas sobre o valor do fluxo de rede (parˆametro usado para ordenar as alternativas) e que est´a mais bem colocada na ordena¸c˜ao [27].

P1

Topsis — Technique for Order Preference by Similarity to Ideal Solution. Estabelece rela¸c˜oes de sobreclassifica¸c˜ao entre alternativas baseado nas distˆancias entre cada alter- nativa at´e a solu¸c˜ao ideal positiva e a solu¸c˜ao ideal negativa [36].

P1

Aid ou MCDA5 — para se referir `a abordagem da Escola Francesa [37], [16].

Outros preferem diferenci´a-las dizendo que a atitude da Escola Americana ´e normativa, enquanto a da Escola Francesa ´e construtiva.

Segundo esses autores, a atitude da Escola Americana ´e normativa: ela ensina o decisor a agir conforme algumas regras pr´e-estabelecidas conside- radas necess´arias para assegurar um comportamento racional e determina como os m´etodos devem funcionar, tendo como base os itens a seguir:

• Uma teoria axiom´atica bem estruturada que confere aos m´etodos uma certa rigidez, exigindo do decisor uma atitude isenta de d´uvidas ou hesita¸c˜oes, com preferˆencia e indiferen¸ca transitivas, com capacidade de avaliar crit´erios independentes entre si.

• A convic¸c˜ao de que, antes do in´ıcio do processo de decis˜ao, o decisor j´a tem seus valores e seu sistema de preferˆencias bem definidos. Por isso, em geral, seus m´etodos de decis˜ao extraem do decisor um grande volume de informa¸c˜oes para a constru¸c˜ao de modelos racionais que respeitem sua preferˆencia e seus valores.

A atitude da Escola Francesa, por sua vez, ´e construtiva. Ela auxilia o decisor a construir suas preferˆencias, considerando que essas s˜ao inicialmente inst´aveis ou inexistentes. Por isso, os m´etodos extraem do decisor apenas as informa¸c˜oes confi´aveis e significativas. Em geral, envolvem a especifica¸c˜ao de

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Na literatura, os dois termos, MCDM e MCDA, muitas vezes s˜ao tratados como sinˆonimos.

apenas alguns parˆametros de entrada e a execu¸c˜ao de algoritmos complexos, que realizam as compara¸c˜oes entre os pares de alternativas, para construir um modelo coerente com as informa¸c˜oes obtidas. Baseiam-se em modelos mais completos da preferˆencia humana, os quais incluem incertezas e `as vezes admitem julgamentos intransitivos. Por outro lado, em geral, a complexidade desses modelos dificulta seu uso operacional e torna os m´etodos de decis˜ao menos transparentes. Mas, a Escola Francesa ´e criticada sobretudo por n˜ao se fundamentar em uma teoria axiom´atica bem estruturada e completa, o que pode gerar, na pr´atica, interpreta¸c˜oes amb´ıguas e comportamento inesperado de seus m´etodos.