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A ESCOLHA DOS SABERES E AS RELAÇÕES DE PODER NA FORMAÇÃO DO CURRÍCULO

PERSPECTIVAS E DESAFIOS DE UMA LICENCIATURA PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

5 AS ENTREVISTAS COM O NÚCLEO DOCENTE ESTRUTURANTE (NDE)

5.3 A ESCOLHA DOS SABERES E AS RELAÇÕES DE PODER NA FORMAÇÃO DO CURRÍCULO

De acordo com Foucault (2010), existe uma relação necessária de envolvimento entre o saber e o poder. O saber está entranhado de intenções e efeitos de poder, em contrapartida, o controle sobre os indivíduos, a direção da conduta das pessoas, presume a compreensão do poder. É preciso dominar o saber para dominar os indivíduos, e mais necessário ainda, num governo democrático, é decidir o que deve ser aprendido pelos seus governados.

O poder produz saber (...), não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder (FOUCAULT, 2010, p.30)

Nessa perspectiva, notamos que o currículo e o poder estão intrinsecamente relacionados, sendo que o segundo está incluído no primeiro. “O poder está inscrito no currículo através de divisões entre saberes e narrativas inerentes ao processo de seleção do conhecimento e das resultantes divisões entre os diferentes grupos sociais” (SILVA, 2012).

Ao perguntarmos se existem relações de poder na construção do currículo e de que maneira isso pode ser percebido, obtivemos perspectivas diferentes entre os membros do NDE.

Primeiramente, ressaltamos que apenas D3 não percebe essa ocorrência: “Acho que isso deve acontecer não só nos cursos de licenciatura, mas em outros cursos também. Mas de eu ter percebido isso, nitidamente, claramente, não.”

D5 e D7 percebem que a disputa por espaço no currículo existe, mas não é muito evidente: “Eu percebi um pouco nas reuniões em relação às disciplinas pedagógicas e às disciplinas da área técnica [...]” (D7).

Eu não diria concorrência ou briga, eu diria que cada professor tenta puxar para si uma carga horária maior por achar que aquela disciplina seja mais importante ou tenha muito conhecimento a dar. Isso eu acho natural até, do professor, querer passar o seu conteúdo de uma maneira mais tranquila, com a carga horária maior, eu acho isso natural. (D5)

No entanto, D7, concordando com D1, D2, D4, D6, relata que a disputa ocorre de maneira mais visível entre a área pedagógica e as áreas técnicas.

Eles conversaram muito sobre isso, não só conversaram, eles discutiram sobre isso, sobre essa área técnica e essa área pedagógica como podia ser, como não podia, e o pessoal da área pedagógica falou sobre a lei, que tinha que seguir a lei, no caso das licenciaturas, o que podia e o que não podia. [..]. (D7)

As pessoas têm uma visão assim: eu quero formar professor, mas assim, faz a minha formação técnica, ou propedêutica, do que for, depois me dá uns conteúdos, uns “conceitozinhos” que eu posso ir para a sala de aula ser professor. A ideia de ser professor é essa. (D1)

D1, D2 e D6 acreditam que se não houvesse um amparo legal para a carga horária das disciplinas pedagógicas, as disciplinas técnicas teriam tomado mais espaço.

Só que a Resolução 2 define que 1/5 da carga horária do curso deve ser de disciplinas pedagógicas. Então, não tem como você mexer porque tem a questão da legalidade e a gente está formando professores. Se não a gente cai no mesmo erro que temos hoje, não é? Os professores sem uma formação pedagógica... (D2)

Expõem que os professores das disciplinas técnicas impõem seus conteúdos e cargas horárias e, muitas vezes, não levam em consideração que estão formando um professor e não um engenheiro que ensina.

O pior de tudo sabe o que é? Eles encaixam assim: “minha quantidade é essa” [...] “aqui os conteúdos” [..] “Por que que não tira essa pedagógica?”, eles queriam sempre espremer as pedagógicas para entrar as disciplinas. Porque deve-se ter a ideia de que eu posso formar um professor, licenciar um professor sem que eu faça dele um bacharel professor. Eu tenho que formar um professor, um licenciado, e para isso ele precisa ter uma formação. (D1)

Enfatizam a disputa sobre a carga horária e conteúdo. D2 relata que: “Havia como se fosse uma disputa muito em cima de carga horária e de conteúdo, como se o professor personificasse o componente curricular.” Narraram ainda que a prioridade muitas vezes não era o que o aluno precisava aprender, mas sim o que aquele professor acha que deve ensinar:

O projeto não foi elaborado pensando no perfil do egresso. O que a gente quer do egresso como formação em licenciatura em eletromecânica? [..] Pensaram [...] justamente em termos de componentes curriculares, aqueles que faziam parte de elétrica e os componentes curriculares de mecânica, sem pensar como isso poderia, como isso se desdobra, na vivencia do aluno. (D6)

Apesar de os membros do NDE descreverem com maior intensidade as relações de tensões entre as engenharias e a pedagogia, houve também declarações que mostram as tensões entre as áreas de elétrica e mecânica, como a mostra a fala de D5:

E aí eu diria que na coordenação de elétrica tenta se puxar uma carga horária para elétrica maior do que a de mecânica, ou a de mecânica acrescenta mais do que a de elétrica, eu digo que o curso acaba tendo uma explosão de carga horária por questões de mecânica e elétrica ficar com aquele dipolo, puxando cada um para uma carga horária maior, não para disciplina, mas para a área de mecânica como um todo. Outros depoimentos reforçam o quanto essa disputa de poder entre as três áreas é perceptível, e que os saberes são selecionados conforme os interesses dos professores, ao invés de serem escolhidos de acordo com o que se espera da formação e identidade profissional do egresso.