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Esta pesquisa considera trabalhos relacionados à matemática, produzidos e/ou publicados num período que transita do século XV até início do século XVII. Como já se mencionou, é um período longo e, em termos históricos, pode ser identificado desde que foi inaugurada a chamada Idade/História Moderna com destaque para o Renascimento.

Todas as transformações ocorridas no Renascimento, certamente, influenciaram os indivíduos daquele abrangente período de variadas maneiras: no modo de viver em comunidade, na busca por evolução das ciências, na valorização da arte e, no empenho pela resolução eficiente dos problemas encontrados, cotidianamente, assim como ocorre atualmente. O próprio Braudel (2007, p. 77) discute o Renascimento como um movimento que está sempre a ser definido e também a ser redefinido. E assim discorre:

A palavra “Renascimento”, uma vez mais está diante de nós. Uma palavra prestigiosa, cômoda, “mítica” também, sem dúvida alguma; ela simplifica, confunde, suscita discussão. Assim, de saída, nenhum historiador aceitará, hoje, que o Renascimento seja um jardim exclusivo da história da arte e do pensamento inovador. A arte e a literatura são apenas uma linguagem para a sociedade que fala, que a escuta, que a aprova ou não, que a modifica se for o caso. O Renascimento deve ser forçosamente reconsiderado no tempo completo, no espaço completo, na significação completa da história.

O problema desta pesquisa é social. Ele aborda uma história com foco em problemas práticos, aqueles de medir alturas de objetos que estiveram presentes no

tempo do Renascimento e estão presentes até hoje no cotidiano e também nos livros didáticos. Tal história inclui-se na história dos problemas que a humanidade produz e resolve utilizando-se das ferramentas matemáticas.

Urge compreender o contexto social da época em que esses problemas foram propostos, incluindo também o contexto de produção dos instrumentos auxiliares usados para calcular as medidas das alturas dos objetos. Isso significará tecer destaques à história da Europa, seguindo o rumo da história ocidental. Portanto, para conhecer uma história de problemas práticos matemáticos, é preciso conhecer as sociedades que os criaram. E é nessa vertente que Fernand Braudel constrói suas narrativas históricas, por isso a preferência por esse autor.

Rojas (2000, p. 295) explica o modo de trabalho desse historiador:

Braudel insistiu muitas vezes em sua maneira peculiar de trabalhar: não partindo de uma teoria pré-concebida e anterior aos fatos, mas, elaborando esta teoria como quadro explicativo do conjunto de elementos e fenômenos históricos registrados e descobertos através do trabalho empírico. Por isso, uma vez concretizada sua primeira grande obra, Braudel se dedica a explicar, refinar e aprofundar as lições metodológicas derivadas desse mesmo trabalho inicial e monumental que é O Mediterrâneo [...].

O método histórico proposto por Braudel está relacionado, diretamente, com o período de tempo que abrange determinada pesquisa histórica. Ele será mencionado na próxima seção.

Tanto a obra sobre o Mediterrâneo quanto as obras Civilização Material, Economia e

Capitalismo: séculos XV-XVIII, e também O modelo italiano de Braudel abordaram

períodos de longa duração e englobaram um período de intensivas transformações históricas. Os dois exemplos, a seguir, ilustram isso:

 o próprio tempo do Renascimento, considerando os dois séculos tratados no trabalho O modelo italiano (1450-1650). Nele, Braudel (2007, p. 21) sugere que tudo o que ocorre na Itália nesse período, “a nós se oferece uma irradiação complexa, sob o signo ao mesmo tempo da aventura, da cultura de múltiplas facetas e do dinheiro de inúmeras astúcias”;

 o século XVI que, segundo Burke (2010, p. 53), “parece ter sido favorável ao desenvolvimento de grandes estados do tipo dos impérios rivais espanhol e turco, que dominaram o Mediterrâneo”.

Braudel (2009a, p. 8) ressalta que

numa história completa do mundo há, porém, razões para desencorajar os mais intrépidos e até os mais ingênuos. É um rio sem margens, sem começo nem fim. E a comparação ainda é inadequada: a história do mundo não é um rio, são rios. Felizmente, os historiadores estão habituados ao confronto com superabundâncias. Simplificam-nas dividindo a história em setores (história política, econômica, social, cultural). Sobretudo, aprenderam com os economistas que o tempo se divide em diversas temporalidades e assim se domestica, se torna, em suma, manejável: há as temporalidades de longa e muito longa duração, as conjunturas lentas e menos lentas, os desvios rápidos, alguns instantâneos, sendo os mais curtos muitas vezes os mais fáceis de detectar. Afinal, dispomos de meios nada desprezíveis para simplificar e organizar a história do mundo, o tempo

do mundo, que no entanto não é, não deve ser, a totalidade da história dos

homens. Esse tempo excepcional rege, conforme os lugares e as épocas, certos espaços e certas realidades. Mas outras realidades, outros espaços lhe escapam e lhe são estranhos.

Essa citação é reveladora no que se refere ao papel do historiador diante do desafio de escrever sobre o tempo do mundo. O autor entende que é impossível um historiador dar conta da totalidade que um determinado tema abarca. Portanto, é preciso fazer escolhas daquilo que se deseja investigar. Desse modo, a título de exemplo, Braudel (2009a) justifica que, no terceiro volume de sua obra Civilização

Material, Economia e Capitalismo: séculos XV-XVIII, a sua opção é por uma história

setorial (material e econômica), ou seja, o seu olhar é para a economia com a proposta de se escrever sobre a economia mundial.

Reforça-se a ênfase em Braudel porque, conforme Dosse (2003, p. 168), “a história braudeliana é necessariamente mundial, seu objetivo é amplo e pressupõe, portanto, o domínio do método comparativo através do tempo mais longo e do maior espaço possível”. Braudel valoriza as questões do tempo e do espaço em larga escala, de modo que Burke (2010) afirma que se deve dar destaque principal ao fato que esse historiador contribuiu mais do que qualquer outro do século XX, no sentido de transformar nossas noções de tempo e espaço. E, ainda em Burke (2010), vale destacar alguns outros aspectos sobre Braudel, como por exemplo, sua visão do todo e o propósito de dividir o tempo histórico em tempo geográfico, tempo social e

tempo individual. Sua conquista está permeada pela combinação de “um estudo na longa duração com o de uma complexa interação entre o meio, a economia, a sociedade, a política, a cultura e os acontecimentos” (BURKE, 2010, p. 61).

Todos esses aspectos mencionados acima estão, diretamente, relacionados com este trabalho. Com efeito, assumindo-o como uma pesquisa histórica e levando em conta os três séculos que ele toca, será imprescindível considerar uma visão do todo nesse tempo histórico, além do olhar para os indivíduos que se envolveram na resolução de problemas de medição de alturas, como para os instrumentos criados e empregados, isto é, o olhar deverá também estar voltado para a cultura material, tema que Braudel investiga profundamente em sua obra Civilização Material,

Economia e Capitalismo (tradução para o português). Tal obra foi produzida pelo

incentivo de Lucien Febvre a Fernand Braudel, para que escrevessem uma história da Europa (1400 a 1800), em dois volumes, a qual será mencionada mais especificamente, a seguir. No entanto, segundo Burke (2010), Febvre não conseguiu escrever sua parte já que morrera antes disso. Entretanto, Braudel escreveu essa obra em três volumes intitulada, originalmente, por Civilisation matérielle et

capitalisme.

Além de tomar como base principalmente a concepção historiográfica de Fernand Braudel, abordada anteriormente, pretende-se apresentar um estudo especial de partes da obra do autor, quais sejam: a segunda parte do primeiro volume da obra O

Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II (intitulada Destinos colectivos e movimentos de conjunto); o terceiro (e último) volume da obra Civilização Material, Economia e Capitalismo; e a obra O modelo italiano, a fim de

contribuir para a compreensão da inter-relação existente entre o tempo e o espaço que permeia os problemas de medição de alturas tratados nos livros de personagens relevantes da história ocidental.