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L’USO DELLA SQUADRA MOBILE DE OTTAVIO FABRI

De acordo com as perspectivas teóricas de Fernand Braudel e, de modo mais específico, baseando-se na tese sobre Ottavio Fabri, de Emanuele Panepinto, procurou-se construir o “terreno” para a análise de um problema de altura, tratado por Fabri, utilizando-se do instrumento esquadro móvel.

Ottavio Fabri escreveu um livro intitulado L’Uso della squadra mobile, que, segundo Panepinto (2008/2009), foi publicado pela primeira vez, em 1598, contendo a descrição de um instrumento topográfico, chamado esquadro móvel ou quadrado móvel ou zoppa91, útil para realizar todo tipo de medição topográfica, como cálculo de alturas, distâncias e profundidades em áreas urbanas, agrimensura e mapas, como está indicado na própria folha de rosto do livro92. Certamente, tal obra representou um registro poderoso de toda a experiência técnica do autor, derivada do levantamento de desenhos de áreas geográficas nos mapas elaborados por ele, ao longo da vida.

A obra93 de Ottavio Fabri, analisada neste trabalho, é uma edição de 1615 por Pietro Bertelli, como mostra a Figura 43:

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Manteve-se a denominação zoppa (em italiano) como aparece no texto original para também designar o esquadro móvel.

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Ver Quadro 2.

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Disponível em: <http://echo.mpiwg-

berlin.mpg.de/ECHOdocuViewfull?mode=imagepath&url=/mpiwg/online/permanent/library/4KY9GTGC /pageimg&viewMode=images>. Acesso em: 03 set. 2012.

Figura 43 – Folha de rosto do livro L’Uso della squadra mobile de Ottavio Fabri Fonte: Fabri (1615, p. 5).

Com objetivo de elucidar os dados da capa, os Quadros 2 e 3, a seguir, os exprimem, respectivamente, na língua original, a italiana do século XVII e, em português, referindo-se à tradução nossa:

L’Uso della squadra mobile

Con la quale per teorica, & pratica si misura geometricamente ogni distanza, altezza, e profunditá; s’impara à perticare, livellare, & pigliare in disegno le città, paesi, & provincie

Il tutto con le sue dimostrationi intagliate in Rame Da OTTAVIO FABRI

Data in luce. IN PADOVA, MDCXV Apresso Pietro Bertelli, Com licenza de’ Superiori.

QUADRO 2 – INFORMAÇÕES ORIGINAIS DA FOLHA DE ROSTO DO L’USO DELLA SQUADRA

MOBILE

O uso do esquadro móvel

Com que teoria e prática se medem geometricamente cada distância, altura e profundidade; aprende a praticar, nivelar e apreender um projeto nas cidades, países e províncias

Tudo com as suas demonstrações esculpidas em cobre De OTTAVIO FABRI

Data em luz. Em Padova, 1615 Impresso Pietro Bertelli, Com licença de superiores. QUADRO 3 – TRADUÇÃO DO QUADRO 2

Observa-se pelas informações da capa, que essa obra de Fabri era, especialmente, de cunho prático. Tanto que houve também a preocupação do autor em apresentar ilustrações muito detalhadas das situações práticas que ele exibia e procurava resolvê-las. Na realidade, com a frase “Tudo com as suas demonstrações esculpidas em cobre”, contida no Quadro 3, Fabri quis dizer que todos os seus problemas continham ilustrações esculpidas em cobre. Essa forma de apresentar ilustrações nas obras, em cobre, era típica do século XVI, sendo uma sucessora das xilogravuras94.

Fato relevante é que o próprio Fabri foi autor de suas ilustrações. Panepinto (2008/2009), em sua breve análise do texto, O uso do esquadro móvel, comprova-o afirmando que, depois de várias discussões de natureza teórica, Fabri propõe a descrição de vários exemplos, resumidos em 22 pequenos capítulos (além de uma introdução), acompanhados por gravuras de cobre executadas por ele mesmo.

No entanto, foi em 1598, 17 anos antes de a publicação ser analisada que, segundo Panepinto (2008/2009), esse tratado foi publicado pela primeira vez em Veneza, pela tipografia Francesco Barilleti. Além da primeira, cinco outras edições foram feitas, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, inclusive a de 1615 que se considera neste trabalho.

Segundo Panepinto (2008/2009, p. 47, tradução nossa), essas outras cinco edições do texto L’Uso della squadra mobile foram publicadas, do seguinte modo:

Os três primeiros foram publicados em Pádua em 1615 (por Pietro Bertelli), em 1670 e em 1673 (ambos por Gattella); dois outros são relatados em

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As ilustrações presentes nas obras estão exploradas com maior aprofundamento neste trabalho no Capítulo 2 desta tese, intitulado As ilustrações dos problemas de alturas nos livros da pesquisa.

Trento, em 1752 e em 1753, para as tipografias de Giovanni Battista Parone, impressora episcopal. Ambas as publicações foram tratadas pelo arquiteto veneziano Giovanni Vettori, que definiu curiosamente a reimpressão de "terceira edição". Essas duas últimas reimpressões que chegaram até nós são também caracterizadas por uma ampliação das definições e das ilustrações aritmético-geométricas presentes no tratado, pelo mesmo Vettori.

Há polêmicas quanto à elaboração de L’Uso della squadra mobile por Ottavio Fabri. Ou seja, se realmente teria sido ele o inventor do instrumento. Inclusive, segundo Panepinto (2008/2009), foi levantada até a conjectura de que tal trabalho de Fabri poderia referir-se a um plágio do trabalho do matemático Marco Antonio Gandino. Entretanto, acredita-se que essa querela se esclarece, ao se analisar a carta dedicatória que Fabri escreve a Francesco Gandino, filho de Marco Antonio Gandino, publicada na primeira edição de 1598 e também, na edição de 1615, que está sendo analisada. O conteúdo da dedicatória:

AO ILUSTRE E MUITO REVERENDO SENHOR, O SENHOR FRANCESCO GANDINO,

Canônico de Trevigi, meu senhor observantíssimo.

A invenção do Esquadro Móvel, por mim, poucos dias faz, remonta às figuras, com toda minha diligência, de pena e de intelecto, para honrar o quanto possível, as vigílias e os esforços do ilustre senhor Marco Antonio Gandino, seu pai, habilíssimo matemático e de agudíssimo intelecto, das quais a dita obra é retirada, é redescoberta, é formada; e a mim muito honra sua simples concessão, porque dela se faça nobilíssima doação ao universo. Julguei melhor unir-me à V.S. (Vossa Senhoria) Ilustre e muito Reverendíssima, do que a qualquer outro, como filho e não menos digno de tal pai, e da sua memória observadíssima.

Dessa forma, pois, V.S. Ilustre e muito Reverendíssima, não havendo referência a qualquer imperfeição que possa ter sido causada pelo descuido de outros, sou grato e a defendo não como coisa minha, mas como coisa que reputo sua própria, sendo o presente livro, invenção e esforço, como o será qualquer outra coisa que farei conhecer do excelentíssimo senhor seu pai. Com tal finalidade lhe beijo com muito afeto as mãos.

Veneza, 1° de Julho de 1598. V.S. Ilustre e muito Reverendíssima. Afetuosíssimo servidor

Ottavio Fabri (FABRI, 1615, p. 12, tradução nossa).

A dedicatória, que Ottavio Fabri faz por ocasião da publicação do L’Uso della

squadra mobile, incita a interpretação de que seu trabalho é, na verdade, uma

adaptação do tratado escrito por Marco Antonio Gandino sobre o referido instrumento. E que a sua invenção sobre o esquadro móvel está diretamente relacionada à presença das ilustrações no texto. Conjectura-se que essa seria a contribuição de Fabri ao trabalho, além é claro, da divulgação do tão útil instrumento, segundo o próprio Fabri.

Panepinto (2008/2009), ainda assim, ressalta que seria muito interessante ser possível realizar uma análise do texto de Marco Antonio Gandino, para confronto entre os conteúdos das duas obras e avaliar as eventuais mudanças feitas por Ottavio Fabri. No entanto, ter-se-á de ficar com as conjecturas, já que o tratado de Gandino se perdeu.

A estrutura95 da obra L’Uso della squadra mobile por Ottavio Fabri, com tradução e adaptação nossa, encontra-se, resumidamente, assim:

TABELA 4 – ESTRUTURA DA OBRA L’USO DELLA SQUADRA MOBILE

PÁGINA(S) ASSUNTO

5 Folha de rosto – apresentada na Tabela 1

7 e 8 Carta escrita pelo Cavaleiro Guerini e dedicada a Fabri 8 a 11 Apresentação de seis sonetos em homenagem a Fabri

12 Carta de Fabri ao Reverendo Senhor Francesco Gandino 13 a 16 Carta de Fabri ao Senhor Currio Boldieri

17 e 18 Carta de Fabri ao leitor

19 a 32 Introdução da obra: Raciocínio de algumas coisas que você precisa

saber antes das medidas geométricas, segundo a opinião de bons autores96

33 a 39 Fabricação do instrumento97

40 a 117 O uso do Esquadro Móvel98: 23 Propostas - uma Introdução e vinte e dois problemas práticos resolvidos, utilizando-se do esquadro móvel 118 Errata

119 a 123 Índice

Fonte: Fabri (1615).

A seguir, propõe-se uma abordagem mais cuidadosa de cada um dos assuntos elencados nessa tabela, com o intuito de compreender a fabricação do instrumento e dos problemas de alturas analisados neste trabalho.

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A paginação que segue nesta tabela para explicar a estrutura do trabalho de Fabri refere-se à paginação proposta como no site do Max Planck onde se encontra a obra digitalizada.

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Título original dessa Introdução: Ragionamento d’alcune cosi Che si debbono sapere innanzi alle

misure Geometriche secondo l’opinione di buoni Auttori (FABRI, 1615, p. 19).

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Originalmente: Fabrica dello Istrumento (FABRI, 1615, p. 33).

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Conforme Panepinto (2008/2009), a carta do Cavaleiro Guerini foi escrita em novembro de 1597. Demonstra que Fabri e ele eram amigos íntimos, tendo o Cavaleiro até recebido de Fabri uma cópia do texto sobre o uso do esquadro móvel.

Analisando a obra, vê-se que os sonetos são todos dedicados a Fabri, tanto que o nome do engenheiro é citado em cada um deles. Os autores dos poemas foram o próprio Cavaleiro Guerini, além de dois de Agostino Michele, e um de cada pintor Giovanni Contarini P., Giovanni Dalla Torre e Gio. Battista Aleotti.

A carta de Fabri escrita ao Reverendo Senhor Francesco Gandino, filho do Senhor Marco Antonio Gandino, já foi comentada anteriormente, em especial sobre a “polêmica” gerada sobre a adaptação de Fabri ao tratado do matemático Gandino, ao considerar a construção e o uso do instrumento esquadro móvel.

Quanto à carta dedicada ao Senhor Currio Boldieri, de Verona, Fabri manifesta uma forte relação de amizade da sua família com o mesmo, tanto que, na carta, o chama de compadre. Suspeita-se que se tenham conhecido durante as várias estadas em Verona, quando membro do Beni Inculti ou também, não se pode excluir outras relações entre os dois em Ferrara, onde Fabri trabalhou no final do século XVI (PANEPINTO, 2008/2009). Eis o conteúdo da carta:

Entre todas as artes liberais, ilustre senhor, nenhuma é mais prazerosa e mais nobre do que a Astrologia, e que, na maior parte eleva os olhos do intelecto para as coisas Divinas, ou que melhor participe da natureza do conhecimento e que mais demonstre dar a conhecer o autor dessa maravilhosa máquina do universo; tendo ela por objeto um corpo nobilíssimo, que é o céu, do qual quem quisesse seguir a opinião dos Platônicos, nada é mais similar à Divina natureza, por isso sendo esta simples, indivisível, distante de toda contradição e livre de toda corrupção; da mesma forma o corpo celeste não é composto de matéria corruptível e longe de qualquer mistura, indivisível, livre de qualquer qualidade contrária, destrutiva de toda forma encontrada. Além disso, se a sabedoria é o conhecimento das coisas que são eternas e a Astrologia contempla as coisas do céu sempre estáveis e estáticas, poderia se afirmar com razão que entre todas as artes ela seja a que mais participa do conhecimento, de onde dizia Platão que esta é uma coisa sapientíssima, a Astrologia (FABRI, 1615, p. 13, tradução nossa).

Entende-se, nesta primeira parte da carta que Fabri (1615) remete à concepção de Astrologia cuja classificação está como uma arte liberal. O autor a vê Astrologia como uma forma de conhecer e louvar a obra de Deus: o universo. Achou-se

conveniente compreender, nesse contexto, as concepções de Arte, Ciência e Arte Liberal. A Enciclopédia ou Dicionário raciocinado das Ciências, das Artes e dos

ofícios por uma sociedade de letrados99 de Diderot e D’Alembert (1989) trata dessas

concepções, como abordado a seguir.

Diderot e D’Alembert (1989, p. 43), no Discurso preliminar dos editores, assumem a Arte como conhecimento aplicado. De fato,

pode-se dar o nome de Arte a todo sistema de conhecimentos que é possível reduzir a regras positivas, invariáveis e independentes do capricho ou da opinião, e seria permitido dizer, neste sentido, que várias de nossas ciências são artes, quando consideradas por seu lado prático.

Em relação à última frase da citação de Fabri, e, se for possível entender a concepção de sabedoria dada por ele como a de Ciência, parece adequado sustentar que a Astrologia teria sido a arte que mais se aproximava da Ciência, isso devido à abstração, ao intangível como objeto.

Os autores Diderot e D’Alembert fazem distinção das artes em liberais e em mecânicas e admitem as liberais superiores às mecânicas, mesmo pensando injusta essa superioridade. No entanto, ressaltam a vantagem das artes liberais e a utilidade das artes mecânicas. Com efeito,

a vantagem que têm as Artes liberais sobre as Artes mecânicas, pelo trabalho que as primeiras exigem do espírito e pela dificuldade de nelas se distinguir, é suficientemente compensada pela utilidade bem superior que as últimas, em sua maioria, nos trazem (DIDEROT; D’ALEMBERT, 1989).

Abbagnano (1998, p. 91), em seu Dicionário de Filosofia, São Tomás, padre e filósofo italiano do século XIII, instituiu uma diferença entre artes liberais e artes servis100, tendo por base que as artes liberais “destinam-se ao trabalho da razão, as segundas ‘aos trabalhos exercidos com o corpo, que são, de certo modo, servis, porquanto o corpo está submetido servilmente à alma e o homem é livre segundo a

99O referido texto é resultado de uma tradução feita por Diderot e D’Alembert da obra Cyclopaedia, or

an Universal of Arts and Sciences de Efraïm Chambers, editado em Londres em 1728. Conforme

Diderot e D’Alembert (1989, p. 11) foi quando o uso moderno do termo Enciclopédia apareceu pela primeira vez, significando literalmente “o círculo da educação, correspondendo ao conjunto organizado do saber a ser ensinado a todo ‘homem de bem’”.

100

alma’”. Abbagnano (1998, p. 91) ainda afirma que a Arte perdurou muito tempo, referindo-se às artes liberais, mas também às artes mecânicas, ou seja, os ofícios como ainda se entende atualmente. Para o autor, “entendemos por Arte ou artesão, um ofício ou quem o pratica”. O que coaduna com as ideias descritas na

Enciclopédia de Diderot e D’Alembert e com as menções feitas por Ottavio Fabri nas

dedicatórias de seu livro L’Uso della squadra móbile.

Sobre a concepção de Ciência, de acordo com Abbagnano (1998, p. 145) ela representa um

conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma garantia da própria validade. A limitação expressa pelas palavras "em qualquer forma ou medida" é aqui incluída para tornar a definição aplicável à Ciência Moderna, que não tem pretensões de absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a Ciência inclui garantia absoluta de validade, sendo, portanto, como conhecimento, o grau máximo da certeza.

Ainda sobre Ciência, também dita Filosofia, com base na Enciclopédia de Diderot e D’Alembert (1989, p. 117), ela era vista como “a porção do conhecimento humano que deve ser reportada à Razão” e era dividida em três tipos: de Deus, do Homem e da Natureza, e cada uma tinha outras subdivisões.

Há uma formação de uma árvore genealógica na Enciclopédia de Diderot e D’Alembert (1989), na qual a Astrologia está colocada como parte da Física Particular dentro da Ciência da Natureza e está subdividida em Astrologia Judiciária101 e Astrologia Física. A Astrologia (pura) está posta, juntamente, com a Astronomia Física nessa classificação dos autores. Ou seja, no século XVIII, a Astrologia incluía-se na Ciência da Natureza.

Segundo Stuckrad (2007), os astrólogos profissionais foram bem tolerados pela Igreja Católica até o século XVI. Inclusive, vários papas adotaram práticas da Astrologia como auxiliares em seus trabalhos. Porém, em meados do século XVI, essa situação é modificada no Concílio de Trento ocorrido na Contra-Reforma, quando se regulamentaram, novamente, as normas da Igreja Católica. Nesse

101

Era considerada a prática de aceitar que os astros determinassem ou influenciassem, decisivamente, a vida e o futuro dos homens. Disponível em: <http://www.portaldoastronomo.org/tema94.php>. Acesso em: 14 fev. 2013.

contexto, os livros ligados à geomancia, hidromancia, aeromancia, dentre outros, e, também aqueles de Astrologia Judicial foram todos, totalmente, condenados. A única permissão foi para livros que tratassem das determinações ou observações naturais, escritas a favor da navegação, da agricultura ou da arte medicinal e incluídas dentro da chamada Astrologia Natural.

A Astrologia atingiu seu apogeu ainda na primeira metade do século XVII. O motivo desse apogeu, no mundo moderno, tem relação com as cartas celestes que serviam para fazer previsão do futuro das pessoas, além dos ditos almanaques astrológicos. “Na Europa, as práticas astrológicas eram amplamente cultivadas nas cortes; a influência celeste era motivo de teses nas universidades europeias e a Teologia se ocupou da discussão sobre seus limites” (CAROLINO, 2011, p. 11).

No fim do século XVI e início do século XVII, um acontecimento repentino veio contribuir com o declínio da Astrologia: o aparecimento de cometas e de “estrelas novas”. Isso levou os estudiosos a concluírem que “os céus eram corruptíveis, tal como a Terra”, isto é, passíveis de alterações dinâmicas e, portanto, de mudanças em seu conhecimento. Além dessas novidades, havia a inserção da teoria copernicana que contribuiu para o enfraquecimento da Astrologia como ciência. Conforme Carolino (2011, p. 3),

se a estas razões juntarmos a crítica racionalista dos autores iluministas do século XVIII, que consideravam a Astrologia um conhecimento sem qualquer fundamento científico, é compreensível que a Astrologia fosse cada vez mais associada às crenças e superstições próprias das pessoas pouco letradas.

Fabri (1615) comenta sobre a excelência da Astrologia, contudo, enfatiza que são necessários os instrumentos para conhecer as posições dos “objetos peregrinos” no céu. Justifica, então, o seu apreço pelos instrumentos inventados pelo homem para a medição tanto das coisas visíveis no céu quanto das coisas da Terra, o que sob considerações mais contemporâneas, poder-se-ia comentar que as preocupações do autor estavam mais direcionadas às de um geômetra, com trabalhos direcionados, mais, especificamente, à astronomia do que, propriamente, à astrologia.

[...] compelido pelo amor que tenho aos que professam esta arte, os quais têm por prazer além das coisas celestes, investigar e conhecer as verdadeiras e mais próximas medidas de todas as coisas sublunares apresentadas à nossa visão, eu quis assim fazer conhecer este instrumento, “o esquadro móvel”, que espero ser útil a todos, seja como um artifício, seja como instrumento próprio; que por seu intermédio se possa fazer, e saber, tudo aquilo que com qualquer outro instrumento matemático até hoje adotado não se pôde realizar, pois que além do uso pela teoria se pode adotar ainda com uma simples prática, e se forma com o mesmo tudo que se haja adotado com ele e, se constitua toda a forma e sorte de ângulo, e se compreenda toda proporção, se conheça qualquer distância tanto em comprimento como em largura, altura, profundidade que constituem cada corpo; fazem-se todas as operações, assim como das seguintes demonstrações se descobrem ainda outros inumeráveis efeitos, conforme o Astrolábio, Heliômetro, Quadrante, Báculo, Raio Latino, Bússola, viva e morta, Nível e outros tantos tipos de instrumentos que podem ser utilizados à sua semelhança [...] (FABRI, 1615, p.15, tradução nossa).

Nota-se que Fabri justifica a escolha pelo instrumento esquadro móvel, mencionando primeiro o seu gosto pela possibilidade de medição das coisas e também pelos instrumentos que a torna praticável. É interessante ressaltar que tanto Ottavio Fabri quanto Oronce Finé, outro autor investigado nesta pesquisa, tomam partido de um instrumento de medida para apresentar os seus trabalhos, tornam explícitas as suas posições, apesar de conhecerem e indicarem outros instrumentos de medidas que também poderiam ser usados, na época, com a mesma finalidade de medição das coisas. No caso do francês Oronce Finé, seu instrumento preferido e tratado em sua obra foi o quadrante geométrico.

Fabri (1615), nessa dedicatória ao seu compadre Currio Boldieri, contando com toda sua experiência, servindo à República Sereníssima de Veneza, confessou que o esquadro móvel não era o mais simples instrumento para se construir, contudo foi motivo de encanto para os também engenheiros como ele. Assim, fundamenta a escolha pelo esquadro móvel e suas aplicações pela afeição por aqueles que apreciavam a ciência e para ajudar aos que, teoricamente, não aprenderam a ciência, mas atuavam com a prática.

Ainda na parte que se refere às cartas escritas por Fabri, há aquela dedicada ao