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O trabalho de Oronce Finé teve grande repercussão na época de publicação, tanto que sua obra mais importante, a Protomathesis, foi publicada em latim, em 1532, na mesma época em que assumiu a cadeira de lente na Faculdade Real de Paris. Traduzida e publicada em 1587, por Cosimo Bartoli, 55 anos após a primeira aparição, é a obra italiana em que se faz a análise principal nesta pesquisa. Cabe registrar que Bartoli publicou uma obra em 1564, em que o primeiro livro segue a sequência proposta por Oronce Finé.

Para se ter uma ideia da quantidade de obras publicadas por Oronce Finé, existem nove títulos disponíveis para acesso digital, que foram obtidos e estão elencados. Os títulos e respectivos anos de publicação apresentam-se na Tabela 3 abaixo:

TABELA 3 – LISTA DE TÍTULOS PUBLICADOS POR ORONCE FINÉ77

Título Folha de rosto78 Ano de

Publicação

Qvadrans astrolabicvs, omnibus Europae

regionibus inseruies: ex recenti et emedata ipsius authoris recognitione in ampliore, ac longè fideliorum redactus descriptionem

1534

Arithmetica practica, libris qvatuor absoluta, omnibus qui Mathematicas ipsas tractare volunt

perutilis, admodumque necessaria: ex

nouissima authoris recognitione, amplior, ac emendatior facta

1542

De mundi sphaera, siue Cosmographia, primave astronomiae parte: libri V

1542

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Estas obras estão disponíveis para acesso digital no site do Instituto Max Planck da Alemanha. Disponível em: <http://echo.mpiwg-berlin.mpg.de/home/search?searchSimple=Fine%2C+Oronce>. Acesso em: 03 jun. 2012.

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A fonte das imagens das folhas de rosto dos livros de Oronce Finé é também o site do Instituto Max Planck (o mesmo citado na nota de rodapé 76).

In sex prioris libros geometricorum

elementorum Euclides Megarensis

demonstrationis

1544

In eos quos de Mundi sphaera conscripsit libros, ac in planetarum theoricas, canonum astronomicorum libri II

1553

De rebus mathematicis, hactenus desideratis, Libri IIII: quibus inter caetera, Circuli quadratura Centrum modis, et suprà, per eundem Orontium recenter excogitatis, demonstratur

1556

Liber de geometria practica: sive de practicis longitudinum, planorum & [et] solidorum hoc est, linearum, superficierum & [et] corporum

mensionibus alijsque mechanicis, ex

demonstratis Euclidis elementis corollarius ; vbi [ubi] et de quadrato geometrico, et virgis seu baculis mensorijs [mensoriis]

De solaribus horologiis, & quadrantibus libri quatuor

1560

Opere di Orontio Fineo del Delfinato: diuise in cinque parti; arimetica, geometria, cosmografia, e oriuoli et gli specchi

1587

Fonte: Instituto Max Planck.

Além dessas, encontrou-se também uma edição francesa já mencionada no texto, que foi traduzida e publicada por Oronce Finé em 1556. Ela trata da sua geometria prática, uma parte da Protomathesis.

Outro aspecto importante a se destacar é que, em seus textos ilustrados, Oronce Finé, apesar de francês, obteve influência do estilo de impressão alemão ao fazer gravações em folhas talhadas em cobre, e ao criar moda enriquecendo seus livros com margens geométricas contendo temas alegóricos, como explorado no início deste capítulo.

É notável mencionar que tomando, por referência, a geometria de Oronce Finé, em especial, seu texto que trata da construção dos instrumentos, percebe-se a articulação que existe entre a construção e o uso dos instrumentos. Na verdade, o texto não pode ser descrito como um manual do tipo “faça você mesmo”, e pode-se observar que ele estava destinado a um público que tinha, obviamente conhecimentos não apenas da geometria implícita à construção do instrumento, no caso, o quadrante geométrico, mas também da prática do ofício. Por exemplo, Fineo

(1587, p. 238, tradução nossa) fornece ações para a construção do quadrante geométrico:

Divide-se consequentemente os lados BC e CD em 12 partes iguais entre elas, e partindo do ponto A, acomodando a régua no ponto escolhido das divisões se puxam suas pequenas linhas, das ínfimas paralelas de dentro por esses intervalos até os citados lados BC e CD [...].

Elas são somente apresentadas em forma de instrução, exigindo do leitor que ele cumpra as tarefas, porém, é preciso que saiba executá-las, para que o instrumento funcione corretamente, quando utilizado.

Em todos os problemas de alturas analisados na geometria de Oronce Finé não foram detectados erros matemáticos no processo de resolução. Ratifica-se isso, pois, no decorrer da análise, procurou-se sempre fazer o detalhamento e as justificativas matemáticas que estão implícitas às menções do autor, tendo sido possível concluir que os resultados apresentados por Finé estavam corretos. Em síntese, expõe-se, a seguir, uma análise geral sobre o problema de fazer a medição da altura de um objeto, especificamente na obra de Fineo (1587), segundo alguns aspectos especiais.

Ao atentar para os enunciados dos problemas/capítulos da Geometria de Finé, fica claro que o autor fornece apenas um título geral para cada problema. Por exemplo: “Como se medem, com o quadrante geométrico, as linhas retas que estejam sobre o plano do terreno formando ângulos retos” (FINEO, 1587, p. 251, tradução nossa). E, com base nos enunciados é que ele apresenta, como lhe convém, outras situações ou casos particulares desses problemas, propondo inclusive, exemplos numéricos.

A linguagem empregada para apresentação dos problemas pode ser dita como natural, assemelhando-se a um diálogo, é retórica. Por exemplo, pode-se citar a parte final da resolução do último problema evocado na seção anterior, aquele de medir a altura de uma torre localizada sobre um monte irregular, utilizando-se do quadrante num quarto de círculo:

Examina-se então a altura FH, gerada do monte GH e da altura da torre, de acordo com o que foi ensinado no mesmo nono capitulo. E seja de novo OQ

segundo a primeira operação, ou NP, junto com aquela perpendicular DN ou DP, de acordo com a segunda operação, igual a FH,e tanto uma como outra sejam de 18 varas, e deixe-se que a altura proposta da torre FG seja de 6 varas. Tudo isso, mediante o capítulo 9 e junto com a figura que se segue é muito claro e suficiente para exemplo semelhante e assim feito às observações (FINEO, 1587, p. 274, tradução nossa).

O uso do simbolismo matemático/geométrico fica a cargo da nomenclatura usada para referência de um segmento de reta, como por exemplo, “[...] seja a linha a ser medida EG, então essa linha EG será maior do que o comprimento do plano AE [...]” (p. 251, tradução nossa), e também para o caso de indicação de um ângulo. Evidentemente, Finé (1587, p. 251, tradução nossa) afirma que “[...] e da mesma forma, o ângulo AFD é também igual ao ângulo EAG, visto que tanto o ângulo ADF como o ângulo AEG são retos e iguais entre si [...]”.

Para cada problema prático da parte da Geometria, Finé expõe uma ilustração que simula a realidade. Cada ilustração é rica em detalhes, demonstrando não apenas um esquema explicativo, mas a imagem, simulando a realidade da situação que o problema/capítulo apresenta, incluindo o objeto a ser medido, o instrumento, uma paisagem e o medidor. Como mencionado no início deste capítulo, o uso das ilustrações foram importantes para Finé, tendo usado, provavelmente, técnicas de gravados em cobre em suas obras.

No processo de resolução dos problemas analisados, a maior preocupação do autor demonstra ser, realmente, a de “transmitir” as instruções passo a passo para quem deseja resolver um problema como aqueles discutidos anteriormente. A fundamentação matemática/geométrica existe, mas está implícita. A apresentação de um exemplo numérico corrobora fortalece a ideia de esclarecer cada um dos passos de resolução do problema. Como ferramentas matemáticas, Finé lança mão da semelhança de triângulos e também de uma propriedade geométrica de desigualdade triangular, porém, sem dar justificativas, como já mencionado, apenas salientando para o leitor que ele se baseia exclusivamente dos resultados euclidianos para fundamentar, corretamente, suas resoluções.

Quanto aos instrumentos de medição, Finé propõe o uso do quadrante geométrico, o seu instrumento preferido, dedicando um capítulo especial para tratar da construção

do mesmo, embora considere ainda, em sua obra, outros instrumentos de medida como o quadrante num quarto de círculo, o esquadro e o báculo.

Finé viveu na primeira metade do século XVI, no período classificado normalmente como Cinquecento, o qual, conforme Jaguaribe (2001, p. 458), representou uma extensão “das grandes tendências intelectuais e artísticas do século precedente”, no caso, época do início do tempo do Renascimento, além de ter ocorrido uma “mudança profunda no sistema internacional”. (JAGUARIBE, 2001).

Nesse tempo vivido por Finé, o espírito do Renascimento italiano irradiava sobre a França. Segundo Braudel (2007), os pintores foram os primeiros a sentir a influência italiana. Os livros italianos exportados auxiliaram a divulgar na França o estilo de vida italiano, e a moda arquitetônica do detalhe atingiu a França, também pela ascendência italiana. “Na França, a Renascença italiana e antiga, ao menos na arquitetura, foi mais aceita em qualquer outro país da Europa” (BRAUDEL, 2007, p. 90).

A presença das ilustrações nos problemas analisados na Geometria de Finé fornece indícios que, nesse tempo como no de Alberti, perdurava a preocupação com a resolução de problemas práticos que incluíam situações reais da época, como as construções de fortificações e de poços de água. Na intenção de compreender os textos e os contextos dos problemas de medição de alturas no tempo do Renascimento, o próximo autor, analisado nesta pesquisa, o italiano Ottavio Fabri, com objetivos similares aos de Oronce Finé, propôs a resolução de problemas práticos da época em que viveu, como os de medir alturas de objetos, no entanto, adota outro instrumento de medida para isso, o esquadro móvel. Uma distinção básica entre esses dois autores é que Finé assumiu ser professor de matemática, tendo feito isso até a sua morte. Fabri tinha gosto especial pela matemática, mas por ter trabalhado para o governo italiano em construções de aquedutos e ter sido grande comerciante, certamente contribuiu para a elaboração de uma obra ligada aos problemas que precisavam ser resolvidos naquele tempo em que viveu. Isso está de acordo com a ideia de que cada sociedade cria seus problemas conforme sua capacidade de resolvê-los.

5 OTTAVIO FABRI: O PROBLEMA DE CALCULAR ALTURAS E O USO DO ESQUADRO MÓVEL (ZOPPA)