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3 ANÁLISE DOS DADOS

3.2 Tratamento dos dados

3.2.3 Escolha lexical

Outro aspecto, que, em primeiro momento, foi considerado um empecilho em potencial, é a escolha das palavras feita pelo tradutor. Com o intuito de manter a originalidade, ou ainda de transmitir mais conteúdo em menos legenda, o tradutor opta por certas palavras que podem causar desconforto para quem as lê.

No filme O Caçador de Pipas, o tradutor preferiu deixar palavras estrangeiras nas legendas, talvez por considerar que seriam de fácil entendimento no contexto e por manter características culturais marcantes nas falas, mantendo assim a originalidade do filme. Dessa feita, observamos que o tradutor opta por duas formas de legendar. Na primeira, ele mantém a legenda com conteúdo estrangeiro e, na segunda, ele sequer legenda certas expressões. Isto foi, de início, considerado um problema para os espectadores, já que a leitura de uma palavra desconhecida tomaria mais tempo de leitura e mais tempo para desvendar seu significado, pois utiliza o contexto ligado à recorrência dessa palavra ao longo do filme. Nos momentos em que o tradutor opta por não legendar, acreditou-se que a palavra ou expressão não seria notada pelo espectador, deixando assim uma lacuna entre o que havia sido dito e a imagem.

A primeira observação se deu, portanto, em relação à legenda sem tradução e o significado a ser capturado pelos participantes. Foram apresentadas duas cenas distintas, mas que possuíam a mesma palavra legendada. A pergunta baseava-se no significado da palavra jan nas duas cenas. A intenção aqui era verificar se houve entendimento da palavra a partir do contexto e assim demonstrar se haveria necessidade de tradução. Conforme as respostas dadas pelos participantes, os entendimentos foram diversos, contudo seguindo a mesma linha de pensamento (afinidade entre o que fala e aquele que recebe). Ao serem indagados se os significados permaneciam os mesmos nos dois momentos, apenas Laís alegou não ter percebido a palavra estrangeira na legenda, o restante alegou que sim, conforme entendimento pelo contexto das cenas.

Jan significa senhor/senhorita. Sim [os significados permanecem os mesmos]. (Carolina)

Sim, acredito que o significado de jan seja querido. Uma palavra utilizada para demonstrar afeto e gosto por uma pessoa mais nova. (Cassiana)

Jan significa descendência, assim como é utilizada no Brasil as palavras Júnior e Filho. Sim [os significados são os mesmos]. (Carlos)

Significa afinidade nos dois momentos. (Antônio) Acredito que seja uma palavra carinhosa. (Olívia)

Júlio, talvez por sua dificuldade de expressão escrita, informou que o significado para jan seria “amigo”. No entanto, em uma das cenas apresentadas, a palavra jan é inserida no momento em que um pai apresenta sua filha ao colega. Não me pareceu correta tal resposta e ao ser questionado, na entrevista, quanto a essa escolha, o participante notou a confusão feita no momento e afirmou ter ficado na dúvida. Ao ser indagado se a tradução fez falta nesse momento, a resposta foi:

Faltou. É pela situação, às vezes o filme se for traduzir todo o conteúdo, fica longo demais e você perde a própria articulação do autor. (Júlio - entrevista)

O participante, no entanto, demonstrou ter consciência quanto às dificuldades enfrentadas pelo tradutor e a forma como isso pode influenciar nas decisões a respeito do que será ou não legendado. Claro que, no instante em que o filme é transmitido, essas características não vêem à tona; mas, se observadas de perto, percebe-se que são perdidas e nem ao menos notadas.

Percebe-se que, apesar de compreenderem globalmente o significado do termo, as respostas dos participantes divergiram e, portanto, a tradução poderia ter feito falta. Assim, cabe enfatizar a importância da legenda para o entendimento do filme, principalmente para os participantes monolíngues, motivo pelo qual se faz a tradução.

Outra pergunta referente à manutenção de palavras estrangeiras está relacionada diretamente à decisão do tradutor de não traduzir. Se tais palavras podem causar estranhamento e ainda dificuldade de entendimento, por que razão optou-se por mantê-las assim? Essa foi a pergunta feita ao nosso grupo de participantes. As respostas ficaram bem divididas. O que mais chamou a atenção foi, mais uma vez, o participante Júlio, que declarou preferir a legendagem por fazer com que sua atenção ficasse mais voltada ao filme, mostrando que sua dependência em relação à legenda é muito forte, tanto por não ter conhecimento de idiomas estrangeiros quanto pela segurança sentida. Dessa forma, sua resposta foi bem taxativa ao dizer que a tradução deve ser feita em todos os momentos para que não haja lacunas no entendimento das falas. Veja o trecho da entrevista:

[Júlio] [...] eu acho que a legenda tem que ser total do filme pra você compreender o que está sendo dito. Se ele deixa a legenda, por devido a colocar... As pessoas se habituarem à linguagem afegã, a gente não tem... Eu acho que já que você tem a tradução do inglês, deveria ter a tradução – [Pesquisadora] A tradução do outro também? – [Júlio] Imagina se no próprio inglês eles fizerem isso também, deixar algumas palavras pra você ficar... Agora, você pode, uma palavra chave dessas, você pode perder alguma situação do filme que precisaria da interpretação pra entender o filme, pra você não ficar perdido no filme.

[Pesquisadora] Então, pra você, a tradução tinha que ser total?

[Júlio] A partir do momento que você utiliza a tradução, eu acho que ela teria que ser na íntegra, não deixar ilhas. Já uma palavra que não tem... Pode ser por isso que ele deixou, às vezes a palavra não atrapalha o contexto do filme. Ele deixou ali mesmo pra ter a própria pronúncia, umas pessoas acostumarem com a pronúncia da língua do filme, né?

Ele entende, no entanto, que uma tradução total é impossível pelo tempo de leitura e pela velocidade com que as cenas aparecem, e ele também percebeu que a não tradução de alguns termos estrangeiros pode ter ocorrido pela falta de equivalência na língua de chegada, ou ainda por opção do tradutor para os espectadores se familiarizem com a língua original do filme.

Os outros participantes, que demonstraram serem menos dependentes das legendas, afirmaram que a não tradução pode ter ocorrido por ser uma expressão de fácil compreensão, por manter a característica cultural afegã, por não ter equivalente no idioma português. Por esses motivos, a metade dos participantes informou que a legenda era desnecessária. Outro ponto observado foi que, mesmo com a legenda em outro idioma, as diferentes entonações das falas das personagens (pergunta 3 do “Questionário de partes específicas do filme”) foram percebidas pela maioria dos espectadores. Apenas três participantes não perceberam a diferença de entonação, e o participante Júlio ainda complementou:

Não [foi percebida a diferença de entonação]. A atenção estava voltada para a legenda. (Júlio)

Aqui fica, mais uma vez, confirmada a necessidade do participante Júlio em relação à legenda, inclusive, como ele próprio afirmou, para acompanhar o filme sem perder nenhuma fala.

O segundo ponto abordado foi a respeito da não legendação de algumas falas. Os participantes foram questionados quanto ao fato do tradutor escolher não legendar alguns diálogos e a possível razão para tal. Cinco participantes afirmaram que não era necessária a legenda, pois já havia sido explicitada em cenas anteriores e, por isso, era compreensível. Repare que, nessa análise, Júlio percebeu a repetição do termo em outras cenas, comprovando que, em alguns momentos, o seu desligamento da legenda ocorre imperceptivelmente.

[A fala não foi legendada] Porque a legenda foi apresentada anteriormente. (Carolina)

Acredito que não houve necessidade [de legendar], porque [o termo] foi dito várias vezes nas cenas anteriores. (Júlio)

[A fala não foi legendada] Porque nesta cena a própria situação apresentada torna inteligível o significado da expressão e naquela [cena] a situação não era tão explícita quanto a seu significado. (Carlos)

Eu acho que não foi colocado na cena do hospital porque o número de caracteres ia ser maior do que possível ler e como é palavra que se repete muito já se sabe o significado. (Laís)

[A fala não foi legendada] Porque é desnecessária. (Antônio)

Olívia acreditou que a palavra não era importante, já que tal cena estaria, provavelmente, enfocando outro aspecto. Cassiana informou que não havia reparado que o termo dito não havia sido legendado. Fica evidente que os espectadores têm consciência de que inserir legendas repetitivas, ou de pouca importância para a cena, pode causar mais desconforto do que ajudar. Ou seja, as escolhas do tradutor muitas vezes são entendidas. O que foi muito bem percebido é que os espectadores lidam melhor com a falta da legenda do que com uma legenda pouco explicativa.

Outra escolha lexical – “contenda”-, na tradução, causou estranhamento para alguns participantes, prejudicando o perfeito entendimento da cena. Cassiana, Carlos, Antônio e Olívia entenderam corretamente o sentido da palavra, mas declararam que a escolha do tradutor deixou dúvidas. Carolina, Júlio e Laís afirmaram não terem sentido estranhamento quanto ao termo escolhido, contudo deram uma definição errônea, talvez por não terem dado muita importância ao significado em si. Laís acrescentou que o entendimento foi obtido pelo contexto geral da cena. No entanto, o significado por ela escrito não condizia com o real significado da palavra. Ou seja, nem sempre o que é entendido pelo contexto corresponde ao que significa, de fato. Dependendo do caso, isso pode levar a um não entendimento, inclusive global, do filme.