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Capítulo II – Enquadramento Teórico

2. Práticas de comunicação verbal: competências específicas

2.3. Escrita

Desde sempre que a comunicação se traduziu num elemento central no âmbito das relações humanas. O aparecimento da escrita veio colmatar uma lacuna que existia na forma de comunicar dos homens no sentido de perpetuar a informação. Na verdade, a escrita, como um sistema de signos que serve para exprimir graficamente a linguagem, constitui uma das grandes conquistas da Humanidade. É graças à escrita que subsiste o registo de um volume imenso de conhecimentos em todos os domínios do saber e a garantia do progresso.

Desde os primeiros signos conhecidos até chegar aos atuais sistemas alfabéticos, a escrita passou por inúmeras transformações. A informação era, antes do aparecimento da escrita, veiculada através da comunicação oral e de imagens, símbolos pictóricos que pretendiam retratar a realidade, nomeadamente objetos ou ideias (escrita ideográfica). Mais tarde os signos começaram, não a representar objetos ou ideias, mas os sons com que tais objetos ou ideias eram nomeados no respetivo idioma (escrita fonética). Portanto, além do valor ideográfico, os signos adquiriram um valor fonético conforme o texto em que surgiam. A grande conquista da escrita foi a criação do alfabeto ou sistema

de sinais gráficos – grafemas – representativos dos sons / fonemas da linguagem humana, reduzindo, assim, a linguagem escrita a um número limitado de sinais, cuja combinação forma palavras.

Contrariamente à aquisição da linguagem oral, a escrita não se adquire tacitamente, mas tem de ser objeto de aprendizagem formal; isto é, não é interiorizada apenas pela exposição a documentos escritos (Delgado-Martins, 1996: 86). Sabe-se que o homem é dotado da capacidade de falar há milénios; no entanto, a capacidade de representação gráfica nunca foi generalizada de início, mas reservada a um número restrito de pessoas. Esta situação mantém-se durante séculos e durante muito tempo, a escrita foi mais uma arte, um saber profissional, do que um saber de base. Por isso, a escrita estava reservada aos monges medievais que sabiam ler e aos copistas que apenas reproduziam os documentos, alguns sem os conseguir ler e, em rigor, sem os saber escrever, na aceção mais rigorosa do termo, uma vez que apenas desenhavam (Id., ib.: 87).

Com o desenvolvimento da Humanidade é reconhecida a necessidade do ensino da escrita, dada a complexidade que lhe é inerente confirmada na definição apresentada pelo novo PPEB (2009). Tal como é referido neste documento, a escrita define-se como

O resultado, dotado de significado e conforme à gramática da língua, de um processo de fixação linguística que convoca o conhecimento do sistema de representação gráfica adotado, bem como processos cognitivos e translinguísticos complexos (planeamento, textualização, revisão, correção e reformulação do texto PPEB, cf. Reis, 2009:16.

Como já foi referido a criança adquire um conhecimento intuitivo da sua língua materna, concebido por uma gramática (elementos e regras que caracterizam o modo como, nessa língua, se relacionam som e significado) apreendida espontaneamente, primeiramente a nível oral, que se vai desenvolvendo de modo a permitir a comunicação em toda e qualquer situação.

Com a entrada na escola e sujeita a um ensino formal, a criança, não só aperfeiçoa o domínio da oralidade como desenvolve os restantes domínios. Na verdade é precisamente no contexto escolar que a criança geralmente inicia uma aprendizagem formal da escrita. No entanto, um contacto anterior com materiais escritos pode dar às crianças uma noção de escrita, não só no suporte de leitura, mas também no que respeita a materiais para escrever. De facto, um maior ou menor contacto precoce com a escrita no meio familiar e social contribuirá para um maior e ou menor desenvolvimento das

suas competências à entrada na escola. Maria Raquel Delgado-Martins (1996: 92) refere a existência de vários estudos que mostram que as crianças de meios socioculturais diferenciados, nomeadamente no contacto com materiais escritos, apesar de apresentarem um desenvolvimento da linguagem oral semelhante antes da escolaridade, têm comportamentos distintos, no fim do primeiro ano de aprendizagem da escrita. A competência da escrita implica desempenhos de maior complexidade, pelo que requer um “ensino explícito e sistemático e uma prática frequente e supervisionada” (Sim-Sim & Duarte & Ferraz, 1997: 30).

A expressão escrita é um meio poderoso de comunicação e aprendizagem que exige o domínio apurado de técnicas e estratégias precisas, que ultrapassam o conhecimento da caligrafia e da ortografia, mas trabalham os processos cognitivos de planeamento da produção escrita (o que se vai transmitir e sua organização), a formatação linguística de tais conteúdos (escolha lexical e organização frásica de forma coesa, coerente e adequada), o rascunho, a revisão, a correção e a reformulação, e a divulgação da versão final para partilha com os destinatários (Id., ib.: 30). Temos, assim, segundo Emília Amor (2003: 112) três etapas principais no processo de escrita, propriamente dito: a planificação, a textualização e a revisão. Sendo que “a planificação consiste na mobilização de conhecimentos em sentido lato, (…) visando (…) a representação de um destinatário e de um objectivo da comunicação (…) e a concepção de um esquema organizativo conducente ao discurso na sua forma final”. “A textualização corresponde à conversão, em linguagem escrita e em texto, do material seleccionado e organizado” na planificação. Por fim, a revisão “consiste na (re)leitura do texto para aperfeiçoamentos e correcções, sobretudo de superfície” (Ib. id.:112).

A escrita, bem como a oralidade e muito particularmente a expressão oral, é uma modalidade de comunicação que deve ser estudada e ensinada, nas suas estruturas e funções. No entanto, e porque se trata de um processo distinto das demais formas de comunicação, revela-se necessária a tomada de atenção relativamente às suas características específicas resultantes das circunstâncias de produção.

O desenvolvimento da produção escrita e a aprendizagem dos modos e técnicas que auxiliam a dominar e a potenciar (sempre numa perspetiva de aperfeiçoamento) a produção de um texto é tarefa complexa, mas fundamental. Niza apud Niza & Segura & Mota (2010: 5-6) refere que

Foi ao distanciar-se da fala, pela natureza diferenciada do seu processamento e pela distinção complementar das suas funções sociais, que a escrita se foi complexificando e intelectualizando.

Esta sofisticada estruturação torna dificilmente natural ou espontânea a sua aprendizagem. Acentua-se então a necessidade de um processo explícito de mediação dos adultos e dos pares na produção compartilhada da escrita, quer na apropriação inicial dos primeiros registos de coisas contadas, quer no desenvolvimento da comunicação escrita diferenciada, para produzir tipos de textos adaptados às distintas atividades sociais que a escrita serve.

É pois imperativo que a escola, como instituição educativa que é, proporcione situações que garantam:

(…) a aprendizagem das técnicas e das estratégias básicas da escrita (incluindo as de revisão e autocorreção), bem como o domínio pelos alunos das variáveis essenciais nela envolvidas – nomeadamente o assunto, o interlocutor, a situação e os objetivos do texto a produzir) (Sim-Sim & Duarte & Ferraz, 1997: 31).

De acrescentar também a importância do ensino da expressão escrita para apropriação e transmissão do conhecimento, uma vez que da sua mestria depende a aprendizagem de todas as disciplinas curriculares.

A escola é o local privilegiado para o desenvolvimento da escrita formal, que deve ser laboriosamente apreendida nas suas etapas iniciais. A aprendizagem das correspondências som/letra e a compreensão das diferentes funções da escrita14 serão o ponto de partida sempre em estreita relação com a aprendizagem da leitura. Segundo o novo PPEB (cf. Reis, 2009: 70), na aprendizagem da escrita está implicado o desenvolvimento de três competências:

(…) a competência gráfica (relativa ao desenho das letras); a competência ortográfica (relativa ao domínio das convenções da escrita); e a competência compositiva (relativa aos modos de organização das expressões linguísticas para formar um texto). O desenvolvimento destas competências é de uma importância capital, pois uma vez automatizadas as duas primeiras competências haverá maior disponibilidade para investir nas tarefas que dizem respeito à competência compositiva (Id., ib.: 71).

Por sua vez, automatizada a prática de redação, esta passará a constituir um meio de expressão e desenvolvimento pessoal, uma vez que “conduz a uma apropriação mais sistematizada do conhecimento e desencadeia hábitos de planificação do discurso que permitem exercer um controlo mais rigoroso e consciente da atividade linguística e comunicativa” (Id., ib.: 148-149).

14

As funções da escrita são múltiplas e variadas: escreve-se para identificar algo ou alguém, para mobilizar a ação, para recordar, para satisfazer pedidos ou exigências, para reflectir, aprender e para criar. (Grabe & Kaplan apud Sim-Sim & Duarte & Ferraz (1997: 30).