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Os manuais escolares de Língua Portuguesa e o seu papel na promoção da

Capítulo II – Enquadramento Teórico

3. O Manual escolar no contexto do sistema educativo português

3.3. Os manuais escolares de Língua Portuguesa e o seu papel na promoção da

Conforme se pode verificar, os programas educativos emanados dos vários governos ao longo dos anos, propunham para o ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa uma antologia de textos, tanto em prosa como em verso, de complexidade variada, conforme o nível de escolaridade em que eram trabalhados. Eram escolhidas obras e autores portugueses que, segundo Mariana Pinto (2003: 4), “pela sua importância e correção serviam de modelo a seguir”. Este aspeto é visível nos diferentes programas da disciplina desde o século XIX15 e ao longo do século XX. Por exemplo, o decreto de 16 de setembro de 1895 recomendava que os livros para a I e II classes compreendessem trechos dos escritores do século XIX e de alguns do século XVI a XVIII que não oferecessem dificuldade especial. Os alunos começariam pela leitura de poesias (narrativas, líricas e populares) e trechos muito simples, desde fábulas, contos tradicionais, narrativas da história real e lendária do país, notícias de homens notáveis, lendas da Antiguidade Clássica.

A acompanhar o livro de leitura, o livro ou epítome da gramática instituía-se como um material indispensável, assim como o dicionário. Por exemplo, o decreto de 4 de novembro de 1905 (DG, nº 250: 3865-3866) refere que os livros para o ensino seriam edições escolares de autores portugueses, a gramática para as cinco primeiras classes em dois volumes (o primeiro volume para as três primeiras classes e o segundo volume para as duas restantes). Anos mais tarde, a Portaria nº 23 601 de 9 de setembro, ainda apresenta, como livros para o ensino da Língua Portuguesa, um livro de leitura e um compêndio de gramática portuguesa (DG nº 213, I série: 1381-1385).

Os livros de leitura, assim como as gramáticas eram, inicialmente, pouco apelativos apresentado textos compactos, poucas ilustrações e fomentando

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Consultado o decreto de 14 de setembro de 1895, Diário do Governo (DG), de 16 de setembro, n.º 208, 2509-2510.

maioritariamente a prática da leitura. Com o desenvolvimento das artes gráficas, é visível a introdução de ilustrações nos manuais como forma de captar mais o interesse do aluno. O facto foi mesmo legislado. O decreto nº 37112 de 22 de outubro de 1948, que faz referência ao livro de leitura e ao epítome ou gramática portuguesa, recomenda para os primeiros anos a ilustração do tipo de mapas e outros elementos gráficos destinados a melhor interpretação dos textos de geografia e de história (DG, nº 248, Iª série, 1081-1087). Os manuais começam assim a ser ilustrados, mas só na década de sessenta aparecem alguns exemplares em que são visíveis as tentativas de introdução do design na sua realização e mudanças significativas nos manuais, nomeadamente na organização da informação fornecida.

Atualmente os manuais de Língua Portuguesa apresentam-se na sua maioria organizados por temas ou unidades, onde as práticas de comunicação verbal (leitura, escrita e comunicação oral) são trabalhadas ao longo de todo o manual. É geralmente apresentado um texto, a partir do qual é trabalhada a leitura, a compreensão e expressão oral, a escrita e nalguns casos o CEL (gramática). Alguns manuais optam por dar as informações gramaticais ao longo do livro, mas a maioria das editoras opta por apresentar no final do manual ou em apêndice um capítulo dedicado às principais regras gramaticais destinadas a cada ano de escolaridade. Os manuais de Língua Portuguesa que constituem o corpus deste trabalho são disso exemplo, conforme poderemos ver mais adiante.

Por outro lado, as antologias de textos que tradicionalmente apareciam configuradas como recolhas de textos literários têm vindo, mais recentemente, a sofrer alguma evolução, “traduzida na incorporação de textos não literários, na adoção de princípios organizativos não apenas decorrentes dos estudos literários e na introdução de linhas orientadoras da leitura dos textos seleccionados” (Castro, 95: 67). No que concerne às práticas de comunicação verbal, verifica-se que inicialmente a leitura era considerada como exercício central, sendo o “livro de leitura” o principal instrumento de trabalho. Era o ponto de partida de todos os exercícios, devendo o aluno progredir conforme o grau de ensino alcançado. A gramática, os elementos de poética, estilística, história literária seriam todos ensinados em ligação com a leitura, o que não excluía recapitulações por onde se completassem com exemplos novos (DG, nº 208: 2509- 2510). Os trechos lidos deveriam ser resumidos e explicitados em contexto de sala, mesmo para as leituras que se realizassem em casa. A oralidade figuraria como uma sistematização da compreensão dos trechos lidos e em exercícios de elocução baseados

em assuntos de interesse ou experiência do aluno, nomeadamente a reprodução e/ou resumo dos textos lidos, descrição e apreciação de cenas reais, imagens, exposição de impressões. Com este exercício ligava-se estreitamente a recitação e a dramatização de fábulas, romances populares etc.. As atividades orais serviriam também para a adaptação dos alunos ao meio escolar, principalmente nos primeiros anos, e para correção fonética e articulatória, para que assim pudessem desenvolver melhor a capacidade oral e escrita. Parte-se do pressuposto que “quanto maior for a destreza alcançada na prática oral e escrita da língua maior será o rendimento obtido no aprendizado das outras matérias” (DG, nº 213, 1968: 1379). Verifica-se assim que grande parte dos trabalhos na aula de Língua Portuguesa visavam também exercitar os alunos a exprimirem-se oralmente, sendo o principal objetivo a capacidade de falar com correção a língua nacional.

A par do desenvolvimento da expressão oral, a escrita aparece nos primeiros programas do século XX circunscrita a exercícios simples de redação livre ou orientada. Era também considerada a reprodução de assuntos lidos, normalmente resumos de parágrafos ou textos, ou reprodução de narrativas; redações sobre assuntos bem conhecidos dos alunos; composições de pequenos diálogos; teatralização de pequenas narrativas; exercícios de escrita com intuito gramatical; análise gramatical e exercícios de ortografia, ditados. A escrita deveria evoluir gradualmente passando, essencialmente, por três graus: reprodução servil, reprodução livre e reprodução criativa.

Atualmente o manual escolar de Língua Portuguesa continua a ser, na sua essência, o “livro de leitura”, constituído por textos ou trechos que constituem o cerne de todas as atividades, comentários e informações propostos, e a que acrescem atividades e fichas de natureza diversa, que mantêm com o primeiro uma relação de dependência formal ou semântica (Castro & Sousa, 1998: 45) e que visam desenvolver as competências pretendidas em cada ciclo de escolaridade.

Seguindo normalmente as diretrizes dos programas vigentes, o manual escolar ocupa um lugar central nas aulas de Língua Portuguesa como refere Mariana Pinto (2003: 7). Em alguns casos, poderemos dizer que desempenha funções de “programa da disciplina” ao condicionar as práticas letivas e ao definir os conteúdos e respetivas formas de apropriação (Id., ib.: 7). Contudo, “a frequência da sua utilização e as formas que ela reveste estão sujeitas a variações relacionadas com as conceções do professor, com o nível de escolaridade, com a disciplina, enfim, num plano global, com o contexto

ideológico” (Castro, 1995: 64), pelo que podem configurar práticas letivas ou abordagens curriculares totalmente diferentes.

Na medida em que nos recentes manuais de Língua Portuguesa foram introduzidos questionários, guiões de leitura ou outro tipo de atividades, poderemos dizer que constituem orientações para que o aluno entenda o texto. Este facto pode constituir, na opinião de Rui Castro, alguns constrangimentos na utilização do manual. Tal como o autor refere, “o livro escolar traduz um ensino afastado dos factos e das coisas, impõe ao professor, e logo, aos alunos, uma progressão e um ritmo determinados, é sempre um instrumento redutor, é escrito para professores e não para os alunos (1995: 64).

Em suma, verifica-se que “a institucionalização da educação fará necessariamente associar a aprendizagem da leitura a uma seleção de autores e textos, a qual tende a ganhar uma certa fixidez” (Tavares, 1989: 91). As antologias configuradas no manual escolar são uma presença quase obrigatória na aula de Língua Portuguesa, a partir das quais se desenvolve grande parte das atividades pedagógicas (Castro, 1995: 67) e por conseguinte se desenvolvem as competências específicas de leitura, expressão e compreensão oral, escrita e conhecimento explícito da língua, emanadas dos programas e muito particularmente no que concerne aos novos PPEB.