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Capítulo II – Enquadramento Teórico

2. Práticas de comunicação verbal: competências específicas

2.1. Oralidade: compreensão oral e expressão oral

Colocados perante o paradigma da definição de comunicação oral o senso comum leva-nos para a noção de algo que se transmite de viva voz, por antítese do que se escreve.

De facto a comunicação oral é uma prática social realizada através de sons emitidos pelo aparelho fonador a fala. Pressupõe um reconhecimento e/ou produção de ideias, conforme se esteja no domínio da compreensão oral (reconhecimento) ou no da expressão oral (produção).

A compreensão oral, a par da expressão oral, é apresentada nos novos PPEB como uma competência específica implicada nas atividades linguísticas que se processam de modo oral, sendo que a compreensão oral é definida como “a capacidade para atribuir significado a discursos orais em diferentes variedades do português” (...) [envolvendo] receção e a descodificação da mensagem por acesso a conhecimento organizado na memória” (PPEB, cf. Reis, 2009: 16).

Embora a compreensão oral e a expressão oral estejam intimamente relacionadas, a compreensão oral é de extrema importância, na medida em que “a capacidade de

comunicar adquire-se porque primeiro se ouve e se escuta” (Ferraz, 2007: 29). De facto, a criança ouve/compreende e só depois é que fala, pelo que é de todo conveniente verificar qual a mestria linguística da criança à entrada da escola, pois uma deficiente compreensão oral implica perda de informação e afeta a produção da mesma, constituindo tal facto, muitas vezes, causa de insucesso escolar. A criança pode não possuir um vocabulário muito extenso e diversificado, nem ter sido exposta a discursos com certo grau de formalidade e complexidade que elevem o seu nível de compreensão oral. Assim, após constatação desta situação, competirá à escola:

(...) ensinar os alunos a saber ouvir – i.e., a prestar atenção ao interlocutor - a identificar com clareza o essencial da mensagem, a apreender o fio condutor de uma exposição, a identificar os pontos críticos de um argumento e a participar de forma apropriada e eficaz numa discussão de grupo (Sim-Sim & Duarte & Ferraz, 1997: 26- 27).

Do mesmo modo, a exposição dos alunos a diferentes tipos de discursos orais, de complexidade e formalidade crescentes, contribuirá para o alcance do nível de mestria requerido por esta competência.

Por outro lado a expressão oral é apresentada como

(…) a capacidade de produzir sequências fónicas dotadas de significado e conformes à gramática da língua. Esta competência implica a mobilização de saberes linguísticos e sociais e pressupõe uma atitude cooperativa na interação comunicativa, bem como o conhecimento dos papéis desempenhados pelos falantes em cada situação (Id., ib.: 16).

Ao entrar na escola, a criança já domina um saber linguístico adquirido de forma natural e espontânea, o que lhe permite participar numa conversação também espontânea onde o conhecimento dos papéis dos interlocutores e a cooperação entre eles é um dado apreendido. Por conseguinte a escola deverá

(...) proporcionar aprendizagens conducentes a uma expressão fluente e adequada nos géneros formais e públicos, que se caracterize por um vocabulário preciso e diversificado e por uma progressiva complexidade sintáctica. O aluno deve, por isso, ser preparado para se exprimir em Português padrão nas situações que o exigem: para pedir e dar informações em contexto formal, para defender um ponto de vista, para participar construtivamente num debate, para estruturar uma exposição, para planear colectivamente actividades a realizar (Sim-Sim & Duarte & Ferraz, 1997: 28-29).

O caminho que vai da comunicação espontânea ao uso das formas do oral adequadas à diversidade de situações é longo. Tal como refere Maria José Ferraz (2007:30)

(…) para que os alunos sejam claros no seu modo de expressão (correcta articulação dos sons e uso de um registo de voz adequado), para que progressivamente utilizem um vocabulário rigoroso e diversificado ou se sirvam de estruturas gramaticais complexas, e ainda para que saibam argumentar ou seleccionar estratégias para planificar um texto a produzir, será necessário tempo para um ensino que permita uma aprendizagem consistente.

Verifica-se pelo exposto que a oralidade na escola e muito concretamente na aula de Língua Portuguesa/Português é muito importante, constituindo condição fundamental para a aquisição/aperfeiçoamento de competências numa língua.

Nos PPEB é desatacada a importância da oralidade junto dos alunos ao assumir que deverá ser dado igual relevo ao trabalho sobre o desenvolvimento das competências do modo oral e do modo escrito. Embora tenha sido incrementado, nos vários programas, ao longo dos anos, o desenvolvimento das competências orais, é um facto que a oralidade em contexto de sala de aula tem sido abordada de forma superficial, ou seja sem objetivos específicos, nem a menor preocupação de um ensino estruturado, principalmente no que concerne ao seu uso em contextos formais. Os próprios manuais escolares de Língua Portuguesa/Português, portadores básicos de conhecimentos, não costumavam dar muito espaço a essas questões e não as tratavam com a devida atenção, no sentido de desenvolver a competência oral para situações que não são de facto espontaneamente orais, mas previamente planeadas para serem enunciadas oralmente.

Nos seus princípios estruturantes os PPEB realçam a necessidade de desenvolver esta competência específica pelo que dão instruções e reclamam a necessidade de trabalhar o oral na sala de aula em contextos variados, onde os alunos tomem a palavra, de forma a adquirirem competências comunicativas.

Entre as evidências que justificam o interesse crescente no treino específico das competências orais, os autores do guião para a implementação dos PPEB destacam os seguintes aspetos:

A realização oral das línguas é a verdadeira essência/natureza das línguas: só uma parte diminuta das línguas faladas do Mundo tem representação escrita (...); todas as línguas foram faladas muito antes de serem escritas (...);

(…) o uso da dimensão oral está sujeito, tal como o da escrita, a condições de formalidade e planeamento equiparáveis ao uso escrito. (...) É do bom uso do oral que resulta, ou pelo menos depende, o sucesso do orador (...);

(…) o uso de certas marcas linguísticas nas produções orais exerce influência na percepção social dos falantes: as marcas dialetais presentes no discurso de um falante são, juntamente com outras marcas linguísticas, objecto de atenção e avaliação, por

vezes inconsciente, dos seus interlocutores (Silva &Viegas & Duarte & Veloso, 2011: 8).

Os mesmos autores (Id., ib.: 11) destacam ainda que a exploração da dimensão oral pode trazer melhorias a outros níveis do desenvolvimento de uma consciência explícita da língua, das suas estruturas e das suas propriedades.

O trabalho estruturado da expressão oral permitirá ainda, a nosso ver, que se abordem e/ou aprofundem outras questões e dimensões da prática linguística dos falantes, igualmente contempladas nos programas escolares, tais como: (i) adequação pragmática do discurso; (ii) consciência da variação dialetal e socioletal; (iii) treino de competências sociais; (iv) treino de práticas argumentativas e de técnicas básicas do uso profissional da língua.