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Fundamentos, conceitos-chave e organização programática

Capítulo II – Enquadramento Teórico

4. O Programa de Português

4.2. Os novos Programas de Português do ensino Básico – 2009

4.2.2. Fundamentos, conceitos-chave e organização programática

sociedade portuguesa encontra-se em mutação. Os desafios que se colocam à escola como agente de educação são inúmeros, o que tem levado à redefinição do seu papel,

por exemplo na delimitação dos saberes e aos modos de promover a sua transmissão e aquisição.

Em contexto escolar, é através da língua de escolarização (neste caso, o português) que se transmite e constrói o conhecimento, ou seja, é através dela que o aluno interage com o(s) professore(s) das diversas disciplinas e por conseguinte com os saberes que as constituem.

A língua portuguesa adquire assim funções que ultrapassam largamente o seu âmbito estrito, projetando-se noutros espaços curriculares: “A nossa língua é um fundamental instrumento de acesso a todos os saberes; e sem o seu apurado domínio, no plano oral e no da escrita, esses outros saberes não são adequadamente representados” (PPEB, cf. Reis, 2009: 6). Por este facto, a aprendizagem do português define-se como componente fundamental da formação escolar e está diretamente relacionada com o sucesso escolar, pois “sendo a língua de escolarização do nosso sistema educativo, o Português afirma-se, (...) como um elemento de capital importância em todo o processo de aprendizagem, muito para além das suas fronteiras” (Ib., id.: 12).

Aliás, a importância do domínio da língua na formação global dos alunos, já era reconhecida e valorizada na Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, art.º 47º,7):

O ensino-aprendizagem da língua materna deve ser estruturado de forma que todas as outras componentes curriculares dos ensinos básico e secundário contribuam de forma sistemática para o desenvolvimento das capacidades do aluno ao nível da compreensão e produção de enunciados orais e escritos em português.

O Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto, consubstancia este aspeto quando considera que (art.º 9.º, 3):

(…) todas as componentes curriculares dos Ensinos Básico e Secundário intervêm no ensino-aprendizagem da língua materna, devendo contribuir para o desenvolvimento das capacidades do aluno ao nível da compreensão e produção de enunciados orais e escritos em português.

O mesmo aspeto é salientado no Decreto-Lei nº 6/2001 de 18 de janeiro ao referir: “a educação para a cidadania bem como a valorização da língua portuguesa e da dimensão humana do trabalho constituem formações transdisciplinares, no âmbito do ensino básico” (art.º 6º,1).

Num outro plano há a considerar que “(...) a aprendizagem do português encontra-se directamente relacionada com a configuração de uma consciência cultural

(...)”, através da modelização de componentes de natureza genericamente cultural histórica, social, artística, geográfica, simbólica, etc., assumindo particular relevância o texto literário (Ib., id.: 12).

É assim visível a “centralidade” que o português adquire no processo de aprendizagem dos alunos com uma disciplinar multidimensional e como

(...) construtora dos mecanismos da identidade e da relação interindividual, como modelizadora de mundos no plano real ou do imaginário, como território simbólico onde, afinal, se geram, enraízam e renovam a cultura e a memória das comunidades e das nações (Amor, 2003: 11).

Nos novos programas salientam-se ainda diversos conceitos-chave, uns de carácter inovador, como é o caso de desempenho que “designa aquilo que se espera que o aluno faça, após uma experiência de aprendizagem” (PPEB, cf. Reis, 2009: 17) e resultados esperados que “projectam um conjunto de expectativas pedagógicas, formuladas em termos prospectivos, regidas e estruturadas em função das competências específicas que se encontram enunciadas no Currículo Nacional do Ensino Básico” (Ib., id.: 23-24). São ainda de salientar conceitos como descritores de desempenho que se apresenta como um enunciado sintético, preciso e objetivo do que os alunos deverão ser capazes de fazer e indicador de desempenho, que é passível de quantificação e está associado às operações de controlo, regulação ou avaliação (Ib., id.: 17).

Outros conceitos provêm do CNBE embora pontualmente reajustados como é o caso de competências e conteúdos.

No que se refere às competências – “conjunto dos conhecimentos e das capacidades que permitem a realização de acções, bem como a compreensão dos comportamentos de outrem” (Ib., id.: 15), há que referir que estas têm a ver com um conjunto de atividades, de volições e de valorações resumidas em quadro grandes eixos: o da experiência humana, onde se situa a tensão entre a individualidade e a comunidade; o da comunicação linguística, dominado pela interação do sujeito linguístico com os outros; o do conhecimento linguístico, centrado na progressiva capacidade de descrição da língua e na sua utilização; e finalmente o eixo do conhecimento translinguístico, remetendo para a relação da língua com a aquisição de outros saberes (Ib., id.: 13).

De entre as competências há a considerar:

As competências gerais – “aquelas que permitem realizar actividades de todos os tipos, incluindo as actividades linguísticas” (Ib., id.: 15) e que incluem:

o a competência de realização – saber fazer o a competência existencial – saber ser

o a competência de aprendizagem – saber aprender o o conhecimento declarativo – saber declarativo

As competências linguístico-comunicativas – “aquelas que permitem a um indivíduo agir, utilizando instrumentos linguísticos, para efeitos de relacionamento com os outros e com o mundo” (Ib., id.: 15).

As competências específicas, nomeadamente as que se processam no modo oral, como a compreensão e expressão oral, as que se processam no modo escrito, que são a leitura e a escrita, mais directamente dependente do ensino explícito, formal e sistematizado; transversal a estas competências é o conhecimento explícito da língua (Ib., id.: 15).

Os conteúdos são

(…) de natureza conceptual e descritiva e activam competências metalinguísticas, metatextuais e metadiscursivas, como resultado de uma reflexão pedagogicamente orientada sobre situações e usos particulares da língua e visando o conhecimento sistematizado da estrutura e das práticas do português-padrão (Ib., id.: 16).

Na organização programática, os conceitos enunciados são apresentados em quadros que integram as orientações programáticas do Português respeitantes aos três ciclos que integram o programa e se articulam entre si.

Os quadros integram a definição de competência específica do Português, os descritores de desempenho, os conteúdos e ainda as notas.

Os descritores de desempenho são apresentados agrupados em grandes linhas orientadoras e referem-se àquilo que o aluno deve ser capaz de fazer como resultado de uma aprendizagem conduzida em função do estádio de desenvolvimento linguístico, cognitivo e emocional em que ele se encontra, bem como das etapas que antecederam esse momento.

Os conteúdos são de natureza declarativa e procedimental e trata-se de termos que cobrem conceitos, relativos às diferentes competências, progressivamente mais elaborados. A mancha cinzenta indica que o conceito subjacente ao conteúdo pode ser trabalhado, mas sem explicitação do termo aos alunos, uma vez que ele fará parte apenas da metalinguagem do professor.

As notas integram sugestões de atividades dirigidas ao professor e clarificações que não pretendem condicionar a sua ação.

A partir da análise dos quadros, mais facilmente nos apercebermos de que a articulação interciclos se consubstancia no princípio de progressão, à luz da noção de que o processo de ensino-aprendizagem da língua progride por patamares sucessivamente consolidados.

Assim, o processo de ensino-aprendizagem apresenta-se como «movimento» apoiado em aprendizagens anteriores. Como tal, o desenvolvimento do currículo é contínuo.

Em síntese, os novos programas de Português caracterizam-se pelo entendimento do ciclo como eixo estruturante do desenvolvimento curricular, apontando para uma programação contextualizada e flexível dos conteúdos e das oportunidades de aprendizagem. Caracteriza-se, também, pela conceção do Professor de Português como agente do desenvolvimento curricular e por se basear numa matriz comum aos três ciclos do Ensino Básico, valorizando o princípio da progressão/articulação vertical, assente em aprendizagens significativas, na mobilização de conhecimentos prévios e em níveis crescentes de complexidade.

Para cada ciclo é feita uma caracterização, são apresentados os “resultados esperados” no final de cada ciclo, os respetivos “descritores de desempenho”, um corpus textual de suporte e ainda orientações de gestão.

Em cada ciclo, as orientações curriculares apresentam-se por competências, valorizando o princípio da progressão (articulação horizontal).

Em suma, estamos perante um novo programa de Português repleto de exigências para o professor, no que respeita tanto ao plano da atualização científico- pedagógica, como ao da autonomia na gestão curricular.