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Espécies de Estruturas e Predicados de Suppes

No documento Lógica paraclássica e verdade empírica (páginas 106-109)

O conceito de estrutura é uma das noções mais importantes na matemática moderna e, desta forma, também em uma ciência que tem por base a matemática clássica, como é o caso da física tradicional. De acordo com uma posição que foi acentuada principalmente a partir da década de 30, com os trabalhos de um grupo de matemáticos com o pseudônimo de Nicolas Bourbaki, a matemática pode ser dita como sendo uma disciplina que se ocupa do estudo de certos tipos de estruturas, já que todas as teorias matemáticas clássicas podem ser, segundo a opinião desse grupo, de certa forma reduzidas à noção de estrutura. No caso das disciplinas científicas, o conceito de estrutura se tornou fundamental a partir da chamada abordagem semântica às teorias científicas, que substituiu a Received View, como é bem sabido.

O grupo de matemáticos acima descrito, principalmente franceses, com o objetivo de redigir um tratado sobre os fundamentos da análise matemática, fez uso sistemático do conceito de estrutura para tentar alcançar uma visão unificada desta disciplina. Mesmo após três décadas de estudo e cerca de uma centena de trabalhos publicados, a primeira parte de sua obra sobre estruturas fundamentais da análise não chegou ao término, face à complexidade de tal tema. Porém Bourbaki evidenciou a importância da noção de estrutura e colocou-a como fundamental para relacionar os domínios básicos da matemática, assentando-a na teoria de conjuntos. Com efeito, segundo Krause (1987):

O processo de axiomatização de teorias visa distinguir as suposições e os princípios sobre os quais elas se alicerçam e, deste modo, pode-se fazer uma idéia mais clara acerca de sua estrutura. Segundo Bourbaki, a partir desta constatação as teorias devem ser classificadas de acordo com sua estrutura e surgem justamente quando uma ou mais estruturas são combinadas em um certo sentido preciso. Deste ponto de vista, as estruturas tornam-se os únicos objetos da matemática [...].

De acordo com proposta de Bourbaki, de um modo geral uma estrutura, intuitivamente, é caracterizada utilizando-se a linguagem da teoria de conjuntos. Grosso modo, é obtida a partir de uma seqüência de conjuntos (conjuntos base) – que podem ser reduzidos a um só – e de relações sobre tais conjuntos e seus elementos, que podem ser, tais relações, de uma natureza variada. Bourbaki então introduziu, inicialmente, a idéia de escala de conjuntos: dados dois conjuntos base distintos E1 e E2,

por exemplo, podemos obter os conjuntos E1 × E2, P(E1), P(E2), P(E1) × P(E2), .... (Cf. ibid.), onde P(x) representa o conjunto das partes do conjunto x.

Um exemplo é a estrutura de grupo. Tomemos um conjunto base G. Obtemos então G e os produtos cartesianos deste conjunto, ou seja, G × G, G × G × G e P(G × G × G) (coleção de coleções de triplas ordenadas de elementos de G), de sorte que possamos escolher um elemento • ∈ P(G × G × G) que cumpre os seguintes requisitos:

1) [Associatividade] todo x, y e z de G, tem-se que x • (y • z) = (x • y) • z; 2) [Existência de elemento neutro] existe um elemento e ∈ G, tal que para todo

x ∈ G, tem-se que (x • e) = (e • x) = x

3) [Existência do ‘inverso’] para todo x ∈ G, existe um elemento x’ ∈ G tal que (x • x’) = (x’ • x) = e.

Um grupo, desta forma, pode ser expresso como sendo uma estrutura < G, • > que obedece 1), 2) e 3).

Assim sendo, uma estrutura nada mais é do que uma n-upla ordenada que contém alguns conjuntos base e elementos de uma escala de conjuntos que têm como base os conjuntos dados, ou seja, algo da forma

E = < A1, ..., Ak, s1, ..., sm >,

Onde Ai são os conjuntos base da estrutura e os sj são elementos de conjuntos de base Ai.

Estes elementos sj devem satisfazer algumas condições AX1, ..., AXn: os axiomas da

estrutura. Segundo Bourbaki (ibid.), as estruturas fundamentais a partir das quais as demais poderão ser obtidas (as chamadas “estruturas mães”) são de três espécies: algébricas (que introduzem a noção de operação), de ordem (que introduzem as noções de ordenação) e as topológicas (que permitem um tratamento de noções como limite, continuidade e vizinhança).

Uma espécie de estruturas na teoria de Bourbaki é definido do seguinte modo: Seja M um conjunto em uma escala que tem E1 e E2 como base. Dada uma certa propriedade para um elemento qualquer de M, temos como T a intersecção (não vazia) dos subconjuntos de M definidos por estas propriedades. Um elemento π ∈ T, assim, define uma estrutura de espécie T sobre E1 e E2. (Cf. ibid.).

Vale dizer, porém, que o tratamento bourbakista das teorias matemáticas, a partir do conceito de estrutura, é puramente sintático, não havendo preocupação com o tratamento da contraparte semântica. No entanto, o conceito de espécie de estrutura, mostrou-se útil também para axiomatizações de teorias das ciências empíricas, indo ao encontro de uma possível ‘solução’ para o chamado 6o problema de Hilbert, o que se refere ao tratamento matemático (leia-se aqui, axiomático) das teorias das ciências empíricas.

Consoante com as idéias acima descritas, tomemos então L como sendo a linguagem da teoria de conjuntos. Um predicado em L é uma fórmula com uma única variável livre. Suponha que P seja um predicado definido do seguinte modo, sendo X a variável livre:

P(X) <∃X1 ... ∃XkY1 ... Ym (X = <X1, ...., Xk, Y1, ..., Ym> AX1, ..., AXn).

Onde X1 ... Xk, Y1 ... Ym, são os conjuntos base da estrutura, e AX1, ..., AXn, fórmulas de L

que correspondem aos axiomas a que os elementos de X estão sujeitos, e que devem cumprir algumas condições adicionais. As estruturas que satisfazem tal predicado são os modelos do predicado dado. Este tipo de predicado, que nada mais é do que uma fórmula da linguagem da teoria de conjuntos, é denominado Predicado de Suppes. A identificação deste tipo de predicado, aqui exibido de forma resumida, pode ser feita com o conceito de espécies de estruturas no sentido de Bourbaki.

Uma estrutura que satisfaça P é dita ser então uma estrutura de espécie P, ou seja, uma P-estrutura. Desta forma, um predicado de Suppes caracteriza uma família de estruturas que são os modelos dos axiomas AXi, assim como uma tal família pode ser

caracterizada por vários predicados (equivalentes entre si). Como sugeriu Suppes, axiomatizar uma teoria matemática é exibir a sua espécie de estruturas, ou seja, um determinado predicado (expresso por uma fórmula) erigido na linguagem da teoria de conjuntos. Citando novamente Suppes “axiomatizar uma teoria é apresentar um predicado conjuntista”. (Suppes, 1957, p. 249).

No documento Lógica paraclássica e verdade empírica (páginas 106-109)