• Nenhum resultado encontrado

Os Limites de Validade de uma Lei Física

No documento Lógica paraclássica e verdade empírica (páginas 67-72)

Iremos agora explorar um ponto que ainda não ressaltamos. Como se sabe, uma lei típica da física consiste em uma relação matemática, que expressa algo que supostamente deve ser constantemente encontrado entre as medições de várias quantidades que são parte de um fenômeno. Por exemplo, segundo Toraldo di Francia (1981, p.29), “sejam A e B representantes de duas quantidades envolvidas em um fenômeno, e a e b suas respectivas medidas. Se nós encontramos, por um experimento,

que os números a, b são vinculados pela relação

(1) a = b,

podemos dizer que esta equação incorpora uma lei física”. (É necessário observar que, para o próprio autor acima, este exemplo é um simplório tipo de lei encontrada em física, tomada apenas como exemplificação da possível relação matemática existente entre duas grandezas).

Este exemplo, é claro, parece bastante trivial. Porém, devemos ter em mente que, em tais casos, estão incluídas todas as leis fundamentais de conservação de energia e matéria em física. Desta forma, a e b da equação acima representam uma e a mesma quantidade, antes e depois de um certo fenômeno ter ocorrido. Por exemplo, podemos pensar na massa, antes e depois de uma reação química ter acontecido.

Segundo o mesmo autor (ibid., p.30), a tradicional equação (1) acima é totalmente ingênua e uma ilusão. Assim, “seria conveniente perguntarmos com que procedimento podemos estabelecer que esta equação é válida”. Como visto acima,

quaisquer que sejam as medições de a e b, elas sempre trazem consigo dois intervalos a’ ±0aE¶“0b, onde 0ae0b representam a precisão dos instrumentos utilizados.

Considerando agora um intervalo 0  _ E¶ – D¶ _ “ 0a 0b), representando o

intervalo mínimo que inclui ambos intervalos originais. O resultado da medição é consistente com a equação

(2) a = b “0.

Assim, podemos dizer a = b, com a precisão 0. (Por exemplo, suponha que b = 2 e 0 = 0,02. Isso significa, intuitivamente, que a = 1,998 ou a = 2,002 ou qualquer valor entre esses. Grosso modo, experimentalmente, podemos dizer que ‘1,998 = 2 com precisão ±0,002’).

Segundo o autor supra citado, a relação expressa na equação do tipo (2) acima é a forma legítima que pode ser expressa por uma lei física, enquanto que a equação (1) expressa a igualdade de dois números reais; o resultado exato de duas medições, não pode ter qualquer significado nesta ciência. Com efeito, vemos que esta relação (1) pode ser corretamente empregada quando estamos tratando com objetos e relações matemáticas puras29. Quando tentamos expandir tais relações para o mundo físico (aplicar tais resultados em uma teoria física), devemos levar em conta o erro e, desta forma, a equação (1) ‘perde espaço’ para a equação (2), mais suscetível a expressar corretamente o mundo natural.

Ainda segundo Toraldo di Francia, (ibid):

The specification of the limits of validity of the law, or of the precision 0 with which it has been verified represents an integral and essential part of the physical method. Strictly speaking, in no serious paper on physics should a law such as equation (1) be stated without a indication of the limits of its validity. In practice, such an indication can be omitted when (a) the law is well known and everyone is acquainted with the limits within it has been verified or (b) the law is new but those who are familiar with the instruments used can readily figure out what degree of precision has been reached by the experimenter.

The assimilation of these concepts can effectuate a profound change in attitude toward physics for many people. One must overcome the traditional misconception whereby physics is closely associated with

29 A este tipo de equação poderíamos atribuir, é claro, algum atributo metafísico. Porém isto, como vimos

mathematics in its method, instead of being simply associated with it as a user. In many cases, faulty teaching in high school is responsible for such misconceptions.

Como resultado de tais abordagens, podemos dizer que as leis da física, quando aplicadas em laboratório, nunca resultam exatas ou nunca obtêm certeza absoluta. Leis do tipo expresso na equação (1) acima, na verdade, nunca podem ser exatamente verificadas por causa do erro que nelas não está expresso ou, no mínimo, esta relação não é confiável. Leis físicas, quando expressas deste tipo, na verdade mentem30, já que expressam relações exatas, coisa nunca encontrada na física experimental. Equações do tipo (2), por sua vez, estabelecem relações exatamente verificáveis. Esta equação se deduz de um procedimento correto em física e expressa, desta forma, uma verdade ao menos muito maior que da equação (1). “The proposition synthesized by equation (2) states precisely that every time measurements are carried out with a given apparatus, two numbers a, b, are found which differ by less than 0. It is a true sentence [...].” (ibid., p. 31, grifo do autor).

É interessante notar que, mesmo com um aparato experimental mais refinado, a lei (2) acima continua com maior probabilidade de ser verdadeira, em detrimento à lei (1). É claro que, como dito anteriormente, com a evolução do aparato experimental tornando-o mais acurado, talvez possamos um dia determinar medições sem erros e declarar leis universalmente reconhecidas. Até lá (e tudo leva a crer que isto, se acontecer, ainda irá demorar), as leis que escrevemos em física teórica, na forma a = b, espelham uma clara incongruência com o que encontramos na vida real, ou seja, no laboratório e/ou na física experimental. Além disso, como visto, quando refinamos nosso aparelho experimental de modo a obter um erro menor, o ‘novo’ erro fica dentro do intervalo antigo, ou seja, a lei a = b “ 0, continua correta mesmo após este refinamento. Segundo o autor, leis que não expressam o erro 0, tais como a da equação

30 Utilizamos aqui uma paráfrase ao texto de Nancy Cartwright: “How the laws of physics lie”. Segundo

este texto, as leis físicas são verdadeiras somente quando estão interpretadas em um modelo e este modelo, por sua vez, interpreta a natureza, ou os seus fenômenos. Na verdade, o que acontece é que temos um domínio do cRQKHFLPHQWR û GDV FLências empíricas a investigar. O que fazemos? Elaboramos um “modelo matemático” de û GLJDPRV M. Passamos agora a trabalhar com M, deduzindo coisas, por exemplo, e o que se deriva em MVRPHQWHLQGLUHWDPHQWHVHUHIHUHDû2FLHQWLVWDWUabalha com M que é um modelo matemático. A forma usual que se entende a ciência, de que as leis físicas interpretam diretamente os fenômenos é falsa principalmente pelo motivo acima apresentado e por uma série de outras razões que a autora aponta, mas que não enunciaremos aqui. É por isso, basicamente, que as leis físicas, segundo ela, “mentem”.

(1), não podem ter nenhum significado em física e, desta forma, não podem representar uma verdade (intuitiva).

Para finalizar esta seção, devemos ressaltar que além da equação (2) referir-se a um dado fenômeno no qual as quantidades A e B estão envolvidas, esta equação é também aplicada a uma classe P de fenômenos, atrelada à classe 1GHVLVWHPDVIísicos. A especificação desta classe é também necessária para se declarar o limite de validade de uma lei física.

Usualmente, P é especificado por descrever qualitativamente um tipo de fenômeno e designar os limites dos valores a e b, bem como todos os parâmetros relevantes envolvidos. Por exemplo, para as fórmulas no caso da mecânica clássica Newtoniana serem válidas para certos valores de 0, as velocidades envolvidas não devem exceder um certo limite. Mais precisamente, as falhas da mecânica clássica (ou VHMD R HUUR 0, se torna muito grande), acontecem quando as velocidades dos corpos envolvidos atingem cerca de 10% da velocidade da luz, tornando-se mais acentuadas à medida que as velocidades aumentam. Para estes casos, quando a velocidade dos corpos envolvidos é muito grande (no caso das partículas atômicas como elétrons e prótons, por exemplo), é necessário usar, por exemplo, a teoria da relatividade geral de Albert Einstein.

Neste sentido é interessante apontar o que diz Toraldo di Francia, (ibid., p. 33): Regarding class P, one could repeat word for word what has been said about 0. Sometimes one is able to perform experiments in a novel situation, not included in the original class P. If the new law is still found to be valid, then one simply says that class P turns out to be larger than was first thought and also includes the new experiment. Otherwise the new experiment is not part of class P; it exceeds the limits of validity of the law so that a new law must be sought for it. Once the new law has been found, it may happen that all the phenomena in class P satisfy the law. In this case we say that the new law has a class of validity P’ ⊃ P, larger than that of the old law. Thus it should be clear that it is unwise to assert that the new experiment has refuted or falsified the old law. It should be said, instead, that the new experiment falls outside the domain of validity of the old law, which still remains perfectly valid for class P.

Algumas vezes, necessitando de melhor informação (ou seja, no início da pesquisa), podemos assumir provisoriamente que a lei, verificada na classe P, também é válida ‘fora’ da classe P. Isto é chamado de extrapolação e, normalmente, oferece uma

ferramenta heurística bastante útil. De qualquer forma, os físicos sabem que isto não é um procedimento muito rigoroso e os físicos são, algumas vezes, acusados de extrapolar suas leis (deliberadamente), para campos onde elas não podem ser aplicadas. Esta característica normalmente é baseada em uma carência de informação: “extrapolation may sometimes be used carelessly by writers, philosophers, historians, politicians, and so on; not by physicists (at least not by good ones!).” (ibid., p. 34).

No próximo capítulo, tentaremos mostrar como esta característica da física experimental, ou seja, esse ‘erro’ que parece ser inevitável já que está atrelado ao próprio aparelho de medição, pode se tornar problemática quando considerada à luz da teoria dos modelos baseada em uma lógica clássica.

Capítulo 5

No documento Lógica paraclássica e verdade empírica (páginas 67-72)