• Nenhum resultado encontrado

3. REPRODUÇÃO ASSISTIDA

3.2. Espécies

A Reprodução Assistida é gênero e possui diferentes espécies, de forma a atender à necessidade específica de cada indivíduo que se encontre impedido de realizar o projeto parental. A esterilidade masculina ou feminina pode ser causada pelos mais diversos fatores, sendo, portanto, impossível que uma única técnica laboratorial fosse suficiente para sanar o problema da esterilidade.

Considerando, ainda, a possibilidade de que alguns indivíduos não são estéreis, mas se encontram impedidos de gerar um filho de forma natural, seja pela possibilidade de transmissão de doença genética, seja por viverem uma relação homoafetiva, a reprodução assistida também é buscada como solução para garantir o exercício do direito à parentalidade.

São espécies de reprodução assistida: a reprodução in vitro; a fecundação artificial homóloga ou heteróloga; a fertilização in vivo, que é indicada para casos de má formação dos órgãos reprodutores, é exceção, pois não realiza a fecundação extrauterinamente; a transferência intratubária de gametas, também é exceção pois ocorre fecundação natural, utilizada para casos em que a mulher apresenta bloqueio nas trompas de Falópio, mas ovários e útero funcionais; a maternidade por substituição, comumente conhecida como barriga de aluguel; e ainda outras técnicas de maior complexidade.

3.2.1. Fecundação Artificial Homóloga

A fecundação artificial homóloga é realizada por meio de técnicas laboratoriais, em que se utiliza o sêmen do marido ou companheiro da paciente para fecundar o óvulo da mesma, a ser implantado no útero. Essa espécie de reprodução assistida é indicada para casais materialmente férteis cuja causa de esterilidade se relacione com fatores que impeçam os espermatozoides de chegarem ao útero.

A inseminação homóloga é a fecundação realizada com material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges. O homem e a mulher fornecem o esperma e o óvulo e,

em laboratório, o óvulo é fecundado e, posteriormente, implantado no útero da mulher – é a fertilização in vitro.42

Os filhos nascidos deste procedimento estão amparados pelo art. 1.597 do Código Civil, nos seus incisos III e IV, que os reconhece como concebidos na constância do casamento, ou seja, atribui presumidamente a partenidade ao marido.

É possível a concepção post mortem, ou seja, a utilização do material genético do de cujus para a realização da inseminação artificial homóloga, desde que expressamente autorizado por aquele que vem a falecer, sendo impossível a presunção de tal consentimento.

3.2.2. Fecundação Artificial Heteróloga

A fecundação artificial heteróloga também é realizada através de técnicas laboratoriais, porém, nesse caso, se utiliza o material genético de um doador anônimo para a fecundação do ovócito da paciente, pois seu marido ou companheiro sofre de esterilidade. Indicada, portanto, para casais compostos por mulher fértil e homem infértil, que demandam a participação de um doador para a realização do projeto parental.

É heteróloga a inseminação quando se utiliza o esperma de terceiro, com autorização do marido, no caso da mulher fértil e do homem infértil (impotência generandi). O material provém de doações feitas a bancos de sêmem.43

A identidade dos doadores e dos receptores é mantida em sigilo absoluto, embora seja possível, por meio de ação judicial de investigação de paternidade, que o filho concebido por meio de inseminação heteróloga obtenha a identificação genética, essa ação, contudo, não possui qualquer efeito registral ou fins alimentares.

Somente haverá a presunção de paternidade prevista no art. 1.597, V, do Código Civil, quando o marido ou companheiro concordar previamente com a realização da fecundação heteróloga, uma vez que será utilizado o material genético de terceiro, sem que exista qualquer vínculo biológico com a criança, de forma que se torna indispensável sua autorização prévia, demonstrando sua intenção de ser pai, criando um vínculo afetivo irretratável.

42

MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2011, p. 164

43

MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2011, p. 164

O consentimento não precisa ser por escrito, só necessita ser prévio. A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai. Ao contrário das demais hipóteses, a fecundação heteróloga gera presunção juris et de jure, pois não há possibilidade de a filiação ser impugnada. Trata-se de presunção absoluta de paternidade socioafetiva.44 (grifos no original)

Essa técnica de reprodução assistida também pode ser utilizada por casais homoafetivos de lésbicas, pois possibilita que uma das parceiras se submeta à inseminação artificial com o material genético de um doador anônimo. Se deduz, portanto, que o consentimento prévio da parceira não paciente também é necessário para o reconhecimento da filiação, que também será uma presunção de paternidade socioafetiva.

3.2.3. Maternidade por substituição

Popularmente conhecida como “barriga de aluguel”, a maternidade por substituição consiste na cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, para a geração de filho alheio, sem que a cessionária do útero tenha ligação genética com a criança. Apesar do nome comum, é vedada a negociação econômica dessa cessão, de acordo com o art. 199, § 4º da CF/88.

Trata-se de técnica de reprodução assistida de grande complexidade jurídica, visto que derruba o princípio mater semper certa est, decorrente do Direito Romano, eliminando a presunção da maternidade pela gravidez e pelo parto, pois a geratriz não é mãe, configurando no registro de nascimento da criança a mãe genética e, se for o caso, seu companheiro ou companheira (quando participar geneticamente ou quando autorizar o procedimento).

A possibilidade de uso de útero alheio elimina a presunção mater semper certa est, que é determinada pela gravidez e pelo parto. Em consequência, também cai por terra a presunção pater est, ou seja, que o pai é o marido da mãe.45

Inicia-se, então questionamentos acerca da multiparentalidade, da paternidade e do conflito positivo de maternidade. Sobre o assunto, esclarece Maria Helena Diniz:

A criança poderá ter: duas mães, uma institucional e outra genética; dois pais, o institucional, que será o marido de sua mãe, que anuiu na fertilização in vitro cum semine alieno, e o genético, ou seja, o doador do elemento viril fertilizante, que não terá responsabilidade jurídica pelo ser que gerou; três pais e três mães, ou melhor, mãe e pai genéticos (os doadores de óvulo e do sêmem), mãe e pai biológicos (a que o gestou em seu ventre e seu marido) e mãe e pai institucionais (os que

44

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 364

45

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 365

encomendaram a clínica), sendo os responsáveis legalmente por ela, por terem feito o projeto de seu nascimento.46

Em casos de relações homoafetivas entre homens, configuram no registro de nascimento os dois pais, quando optarem pela doação conjunta de esperma, de forma que não seja identificado qual parceiro efetivamente participou da fecundação, ou quando houver prévia autorização daquele que não participou do procedimento, mantendo-se sempre o sigilo em relação à identidade da doadora do ovócito.

Outra questão importante é a regulamentação da cessão do útero, ainda que gratuita, pois o objeto do negócio jurídico, ou seja, a entrega da criança ao final da gestação, seria ilícito e o negócio absolutamente nulo.

A gestação por substituição seria um negócio jurídico de comportamento, compreendendo para a “mãe de aluguel” obrigações de fazer e não fazer, culminando com a obrigação de dar, consistente na entrega do filho. Como uma criança não pode ser objeto de contrato, a avença seria nula, por ilicitude de seu objeto (CC 104 II). Também se poderia ver configurado ilícito penal, que pune dar parto alheio como próprio e registrar como seu filho de outrem (CP 242)47 (grifos no original)

Apesar das dificuldades jurídicas, a técnica de maternidade de substituição é autorizada e praticada no Brasil, pois é necessário sopesar os direitos em conflito. Se por um lado existe a proteção à vida quando se proíbe a realização de contrato com uma criança por objeto; por outro existe o direito ao planejamento familiar, o direito à reprodução e à busca da felicidade.

Buscando atingir um equilíbrio entre esses direitos, a técnica de maternidade por substituição teve sua prática autorizada, sendo cuidadosamente regulada por meio das resoluções do CFM, a última a tratar do assunto foi a Resolução nº 2013/2013, que apresentou claramente as vedações e os requisitos de sua utilização.

O principal requisito para que seja realizada a maternidade por substituição é o parentesco consanguíneo de até quarto grau entre a cessionária do útero e o paciente, ou um dos parceiros, respeitando-se a idade limite de 50 anos, enquanto a principal vedação é a de atribuição de caráter comercial ou lucrativo à doação temporária do útero.

Também é necessário o consentimento de todos os envolvidos, inclusive do marido ou companheiro da doadora temporária, bem como a realização de um contrato entre a

46

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2006 p. 575

47 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 365

cessionária do útero e os pais genéticos da criança, em que se estabeleça claramente todas as questões sobre a filiação, dentre outros requisitos.

Documentos relacionados