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Impactos Jurídicos da aquisição do direito à Reprodução Assistida por casais

4. RESOLUÇÕES DO CFM

4.3. Impactos Jurídicos da aquisição do direito à Reprodução Assistida por casais

O Novo Direito das Famílias já reconhece os diferentes conceitos formadores da unidade familiar. Como foi discutido, os julgados da ADI nº 4277 e da ADPF nº 132 do STF consolidaram o entendimento de que uma relação homoafetiva constitui uma unidade familiar, podendo ou não concretizar seus direitos reprodutivos, seja por meio da adoção, seja por uso de técnicas de reprodução assistida, como ficou autorizado expressamente na Resolução nº 2013/2013 do CFM.

Com essa permissão, fica garantido o direito reprodutivo dos homoafetivos, que não estarão mais sujeitos ao julgamento de valor moral dos médicos que realizam a reprodução assistida, que não poderão mais negar o acesso às citadas técnicas baseados em preconceitos pessoais sem serem submetidos a processo disciplinar junto ao conselho de sua classe.

A possibilidade do uso dos procedimentos de reprodução assistida por casais homoafetivos tem reflexos no direito civil, na esfera dos direitos de filiação, pois regulariza a possibilidade de registro de dois pais ou de duas mães, superando o modelo tradicional de registro civil de filiação.

Traz, ainda, a questão da multiparentalidade no registro civil, questão controversa na doutrina jurídica brasileira, principalmente quanto aos direitos sucessórios e alimentares. Já existem decisões judiciais formalizando o registro da multiparentalidade, porém ainda são esparsas, fundamentadas na ideia de família plural, baseada em laços de afetividade

EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não- consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido.59

Diante da realidade social em que famílias se desfazem e se reconstituem, a multiparentalidade parece uma evolução natural da família contemporânea plural, trazendo a necessidade de formalização da parentalidade sócio-afetiva em adição à paternidade original, seja por madrastas e padrastos, seja por outra situação concreta vivida pela família.

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TJSP, Apelação 0006422-26.2011.8.26.0286, 1ª Cam. Dir. Priv., Rel. Alcides Leopoldo E Silva Júnior, j. 14/08/2012

Tal evolução está de acordo com os princípios constitucionais da dignidade humana, da isonomia e da liberdade, bem como com o princípio do melhor interesse da criança, destacando a importância da afetividade na identificação das relações familiares, sendo provável o surgimento de outras decisões judiciais nesse sentido, consagrando a tendência do novo Direito das Famílias.

Desse modo, os direitos da criança ficam garantidos em relação a todas as figuras parentais, seja por vínculo sanguíneo ou vínculo afetivo, sendo este último mais relevante para o atual direito das famílias. Isso significa que todos os pais deverão garantir à criança uma convivência familiar e comunitária saudável, com acesso a saúde, educação e afeto, tendo sua dignidade respeitada no meio social no qual se insere.

Para melhor compreensão dos impactos jurídicos, cabe uma análise de caso concreto:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDO DE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA. I. Recurso especial calcado em pedido de adoção unilateral de menor, deduzido pela companheira da mãe biológica da adotanda, no qual se afirma que a criança é fruto de planejamento do casal, que já vivia em união estável, e acordaram na inseminação artificial heteróloga, por doador desconhecido, em C.C.V.

II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral - que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta - onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado.

III.A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável.

IV. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios.

V. Apesar de evidente a possibilidade jurídica do pedido, o pedido de adoção ainda se submete à norma-princípio fixada no art. 43 do ECA, segundo a qual "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando".

VI. Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas "(...)têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo". (FARIAS, Mariana de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, pp.75/76). VII. O avanço na percepção e alcance dos direitos da personalidade, em linha inclusiva, que equipara, em status jurídico, grupos minoritários como os de orientação homoafetiva - ou aqueles que têm disforia de gênero - aos heterossexuais,

traz como corolário necessário a adequação de todo o ordenamento infraconstitucional para possibilitar, de um lado, o mais amplo sistema de proteção ao menor - aqui traduzido pela ampliação do leque de possibilidades à Adoção - e, de outro, a extirpação dos últimos resquícios de preconceito jurídico - tirado da conclusão de que casais homoafetivos gozam dos mesmos direitos e deveres daqueles heteroafetivos.

VII. A confluência de elementos tecnicos e fáticos, tirados da i) óbvia cidadania integral dos adotantes; ii) da ausência de prejuízo comprovado para os adotados e; iii) da evidente necessidade de se aumentar, e não restringir, a base daqueles que desejam adotar, em virtude da existência de milhares de crianças que longe de quererem discutir a orientação sexual de seus pais, anseiam apenas por um lar, reafirmam o posicionamento adotado pelo Tribunal de origem, quanto à possibilidade jurídica e conveniência do deferimento do pleito de adoção unilateral. Recurso especial NÃO PROVIDO.60

No julgado apresentado, trata-se de união estável homoafetiva lésbica, em que uma das companheiras se submeteu ao processo de inseminação artificial heteróloga, espécie de reprodução assistida, como se solteira fosse, para facilitar o acesso a tais técnicas, precisando, a outra companheira, recorrer às vias judiciais para formalizar o vínculo de paternidade com a criança resultante da inseminação, por meio da adoção unilateral.

Vale ressaltar que a inseminação artificial foi realizada antes da aprovação da Resolução nº 2013/2013 do CFM, ou seja, ainda não era expressamente permitido o acesso às técnicas de reprodução assistida por casais homoafetivos.

No caso em questão, por não ter participado diretamente nos procedimentos de reprodução assistida de sua companheira, a requerente necessita da formalização da adoção unilateral para exercer os direitos parentais sobre a criança, como o direito de guarda e o dever de cuidado, precisando comprovar a constância da união estável e o vínculo afetivo constituído entre ela e a criança.

Na vigência da Resolução nº 2013/2013 do CFM, o mesmo caso apresentado no julgado teria tratamento jurídico diferente, pois, uma vez que o acesso aos procedimentos de reprodução assistida está garantido aos casais homoafetivos, não seria necessário que uma das companheiras se submetesse à inseminação artificial na condição de mulher solteira, pois ambas teriam participação no procedimento, inclusive prestando seu consentimento expresso para a utilização de tais técnicas.

Dessa forma, com a realização da inseminação artificial heteróloga requerida e autorizada pelas duas companheiras, a criança já nasceria com o vínculo parental, ainda que sócio-afetivo, com ambas as mães, podendo proceder o registro civil com o nome das duas,

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STJ, REsp 1281093/SP RECURSO ESPECIAL 2011/0201685-2, T3, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/12/2012

sem a necessidade de recorrer ao Judiciário para formalizar a parentalidade por meio de adoção unilateral.

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