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5.2 ESPÉCIE ANFÍBIO DE ORIGEM NO FLAMENCO

5.2.2 Espécime anfíbio Paula Finn

Figura 10 – Paula Finn em Hiato

Fotografia de: Adriana Marchiori

Quando entrevistei Paula Finn em 2017, ela ainda não havia ingressado na CMDPA. Ela havia feito audição naquele mesmo ano, mas não havia sido selecionada. Por outro lado, Finn estava com um belíssimo trabalho em exibição, o espetáculo Hiato (2016)182, em que era a única bailarina em cena. Por este trabalho, ela recebeu o prêmio de melhor bailarina no Açorianos de dança em 2016. Além disso, havia recebido grande destaque por sua atuação no espetáculo Como montar um baile (2012)183, de Silvia Canarim184, (espetáculo reapresentado em 2014).

182Dirigido por Leonardo Jorgelewicz, a ideia do espetáculo é convidar o espectador a submergir num hiato temporal, deixando-se levar pelas energias suscitadas pela dança, como numa viagem sensorial e imagética - composta com projeções feitas simultaneamente pela VJ Paula Pinheiro, que compõe com cenário e luz, e que ora propõe movimento, ora apenas deixa que siga o fluxo de ações propostas pelo corpo.Ficha Técnica:Direção: Leonardo Jorgelewicz / Atuação: Paula Finn / Vídeos: Paula Pinheiro / Trilha sonora: Guilherme Guinalli / Iluminação: Carol Zimmer /Cenário: Maílson Fantinel / Figurino: Victor Kayser / Produção: Carol Zimmer e Paula Finn

183O espetáculo Como montar um baile nasce como uma investigação a respeito do processo criativo de Silvia Canarim dentro da dança flamenca. Direção geral: Silvia Canarim Assistência de direção: Iandra Cattani Coreografias: Silvia Canarim e grupo Bailarinos: Clarice Alves, Clarissa Bohrer,

Daniela Barzotti, Daniela Zatti, Larissa Guedes, Margarita Charbonnier, Kelly Milioni, Michelle Richter, Paula Finn, Paula Machado, Priscila Peres,Régis Coimbra, Silvia Canarim e Valéria Calvi. Músicos: Fernando de Marília (guitarra flamenca), Thaís Rosa (cante flamenco), Tuti Rodrigues (percussão) eFranco Salvadoretti (flauta transversa). Iluminação: Fabrício Simões Sonorização: Mateus Staniscuaski Produção: Paula Finn

184Silvia Canarim atua como bailarina e coreógrafa independente e dirige o Grupo Flamenco Silvia Canarim. Faz parte da Impuro Cia de Dança ao lado dos bailarinos Iandra Cattani e Alessandro Rivellino.obteve oito indicações e recebeu quatro Prêmios Açorianos entre os quais, o de Melhor Espetáculo de Dança e o de Melhor Trilha Sonora.

Apesar disso, não ter sido selecionada para a CMDPA era motivo de grande frustração para a bailarina.

Em 2018, porém, Finn foi selecionada e pude observá-la em cena no espetáculo Caverna (2018), de Rafael Gomes185,e durante o processo de criação de Pedra Verde (2018), de Gustavo Silva186.

Em sua primeira entrevista, busquei compreender de que modo Finn trabalhava o flamenco em suas composições contemporâneas e assisti ao espetáculo Hiato, na Sala Álvaro Moreira, em 2017. Em 2018, meu interesse foi compreender como Finn lidou com sua corporeidade flamenca dentro da CMDPA.

Finn começou seu aprendizado em dança ainda criança na escola onde estudava, com aulas de balé, mas não julga este período importante. Para ela, seu aprendizado iniciou na escola Cadica Danças e Ritmos no ano de 2001. Por volta de seus treze anos, passou a fazer parte da Cadica Companhia de Dança187 e

apresentar-se regularmente em eventos específicos de flamenco e no Natal Luz (Gramado/RS). Finn relatou que a diretora Cadica proporcionava o contato com estilos diferentes de dança, uma vez que o perfil da companhia era trabalhar fusões com o flamenco. Desta forma, ela teve aulas de salsa, danças gaúchas, tango, danças italianas, árabes e hip hop.

A partir de 2007, ao assistir A casa188(2007), de Silvia Canarim, ela passou a frequentar as aulas de Silvia concomitantemente aos ensaios da companhia Cadica. Em 2009, Paula Finn ingressou no Curso de Graduação em Dança da UFRGS e passou a ter contato com técnicas contemporâneas, expressão corporal, o que lhe proporcionou maior compreensão sobre o corpo e a prática responsável da dança. Segundo ela, sua verdadeira profissionalização deu-se em contato com os mestres da UFRGS e o conhecimento adquirido na universidade. Seu interesse por aprofundar os conhecimentos na dança contemporânea, estilo principal

185Rafael Gomes é um coreógrafo carioca radicado em Bruxelas que integrou importantes companhias brasileiras como Deborah Colker e São Paulo Cia de Dança (SMC, 2018).

186 Coreógrafo de danças urbanas diretor da Companhia New School Dreams em Porto Alegre. 187Sua Cia de Dança participou de importantes eventos, projetos e espetáculos com shows

flamencos, gaúchos e fusões de diversos ritmos. A Cia viajou também por vários países como Coréia do Sul, Portugal, China e Rússia representando a cultura Brasileira. Disponível em:

<https://www.cadica.com.br/cadica>Acesso em: 03 nov. 2018.

188O espetáculo A Casa, proposto pelo Grupo Sílvia Canarim, realizou uma releitura da peça teatral A Casa de Bernarda Alba de Federico García Lorca. A obra obteve oito indicações ao Prêmio Açorianos de 2007 e recebeu 4 estatuetas: Melhor Espetáculo de Dança, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Direção e Melhor Cenografia. Disponível em: <http://silvia-canarim.com.br/apresentacoes/>

desenvolvido na universidade (FINN, 2017), levou-a a ter aulas de dança contemporânea com Douglas Jung e contato improvisação com Alexandre Rivelino a partir de 2012.

Em 2014, ano de sua graduação, ela ingressou no Grupo Experimental de Dança (GED)189. No projeto, teve oportunidade de ter três horas de aulas de dança por dia com mestres importantes de Porto Alegre. Paula Finn identifica o GED como responsável por seu aprimoramento artístico na dança. Juntamente com ex-colegas do GED, Paula Finn desenvolveu o Coletivo Artístico Tônuma190, o qual explora a dança, artes visuais, malabarismo, música e “de tudo um pouco” (FINN, 2017).

Paula Finn fez parte da companhia Silvia Canarim até 2017. Atualmente, em 2018, ela atua na CMDPA, no coletivo Tônuma,e desenvolve o projeto independente Palco Parangolé,em que realiza uma apresentação ao mês com bailarinos convidados191. Também no ano de 2018, Hiato foi contemplado com prêmio

Braskem em Cena192, participando do importante festival municipal Porto Alegre em Cena.

Com seu trabalho na CMDPA, eu assisti a bailarina em Caverna e foi incrível ver sua emoção ao final do espetáculo, pois eu sabia o quanto ela desejou entrar para a CMDPA e tudo o que aquele momento significou para ela. Lembrei-me de nossa entrevista em 2017, quando relatou sua decepção ao não ter sido selecionada. Para Paula Finn, a causa de não ter sido aprovada relacionou-se ao encurtamento muscular causado pelo flamenco. Paula Finn acreditava que seria preciso um corpo mais alongado para o trabalho na CMDPA.

Porém, a ideia de sua inflexibilidade continua a ser um empecilho para ela. Após o ingresso na CMDPA, Paula Finn relata sua resistência nas aulas de balé clássico: “Uma vez por semana, eu saio da companhia dizendo: não posso mais fazer isso, preciso parar de fazer isso, porque é um desastre [...] toda a aula de balé

189 O Grupo Experimental de Dança da Cidade surgiu em 2007 com o objetivo de fomentar novos talentos para a dança. Idealizado pelo Centro Municipal de Dança da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre e coordenado pelo Airton Tomazzoni (WIKIDANCA.NET, 2018). Disponível

em:<http://wikidanca.net/wiki/index.php/Grupo_Experimental_de_Dan%C3%A7a_de_Porto_Alegre> Acesso em: 24 out. 2018.

190O Coletivo artístico é formado por ex-colegas de Finn do GED (Ver elenco em nota 121). 191Alguns artistas participantes foram Luciana Paludo (bailarina e professora curso de Dança da UFRGS) e Fernando Queiroz. A apresentação é realizada em no bar Parangolé.

192 O prêmio Braskem em Cena é uma das premiações mais importantes para as Artes Cênicas em Porto Alegre (ALFAPOA, 2018).Disponível em: <https://alfa.portoalegre.rs.gov.br/smc/noticias/premio- braskem-encerra-o-porto-alegre-em-cena-2018>. Acesso em: 24 out. 2018.

clássico eu não faço o último exercício, porque eu estou quase chorando…”(FINN, 2018).

Outro fator que aponta sua resistência com o balé clássico foi ter participado da SuitePulcinella (2018) coreografada por Alexandre Rittman193 como seu primeiro trabalho dentro da Companhia. Suite Pulcinella foi apresentado em celebração aos 106 anos do teatro São Pedro e contou com Orquestra Theatro São Pedro, sob a regência do maestro Evandro Matté. O espetáculo apresentou “uma forma concertante reduzida do balé escrito por Igor Stravinsky em 1922”.194 (SMC, 2018b).

Para Paula Finn, que atribuía a inflexibilidade como seu ponto fraco, participar de um espetáculo de balé clássico ao lado de bailarinos mais experientes do que ela no estilo foi um grande desafio e até um constrangimento195. Ainda assim, a diretora

artística e idealizadora do espetáculo, Paula Amazonas, considera que todos os bailarinos dominaram os movimentos propostos para o trabalho: “

[...]foi muito interessante vê-los também se movimentando como no balé: de estica o pé mesmo e de poses, posições bem clássicas, então eu acho que alguns se sentiram bastante desafiados mas eles cumpriram [...] e ficou muito bonito (AMAZONAS, 2018).

Figura 11 – Composiçãode Pedra Verde (2018)

193Alexandre Rittman é bailarino e coreógrafo do Balé Concerto de Porto Alegre, Prêmio Açorianos de Melhor Bailarino, em 1994 e 1997. Com passagens pelos Ballet do Teatro Castro Alves (Bahia), em 1995, e na Companhia de Dança de Minas Gerais (Belo Horizonte), em 1996. Disponível em: <https://www.extraclasse.org.br/edicoes/2003/09/em-busca-do-movimento-perfeito> Acesso em: 03 nov. 2018.

194 Disponível em: <http://noticias.cennoticias.com/10868622?origin=relative&pageId=9eaf6a8b-b120- 45cd-af45-5f64518c4813&PageIndex=1> Acesso em: 24 out. 2018.

195 Segundo Finn, os principais constrangimentos pelos quais passou em Pulcinella foram: enquanto todos realizaram duos, seu parceiro realizou um solo. Durante um dos ensaios, o coreógrafo desistiu de utilizar pontas a atribuiu sua escolha ao fato de “Paula estar no elenco” (FINN, 2018).

Fotografia: registro da pesquisadora.

Ao assistir Paula Finn ensaiando, apesar de seu discurso, conhecendo sua trajetória e vendo-a falar de suas realizações, é difícil perceber sua insegurança196. Durante o ensaio com Gustavo Silva197, presenciei Paula Finn auxiliando os demais bailarinos a compreenderem o tempo de realização de cada movimento proposto pelo coreógrafo. Com o apoio de Paula Finn, batendo palmas e contando, os bailarinos compreenderam a realização de uma sequência de chutes muito rápidas (footwork) compensada com inclinações de tronco para os lados, características do estilo house dance (SILVA, 2018)198. No espetáculo Pedra Verde (2018), Finn toca um instrumento de percussão em frente à cena, enquanto os bailarinos dançam ao

196 Muito do relato de Finn refere-se à insegurança natural de qualquer bailarino ao ingressar em uma companhia em meio a um grupo que já está trabalhando há mais tempo, que conhece a rotina de trabalho, e que já conquistou o respeito e aprovação dos colegas. No entanto, julguei importante abordar suas dificuldades como informação de como lidou com suas inseguranças a fim de colaborar com outros bailarinos e coreógrafos no futuro.

197 Diretor da companhia de danças urbanas New School Dreams. Coreógrafo de danças urbanas com poética de composição contemporânea (SILVA, 2018).

fundo. Sua interpretação corporal e musical confirmam sua habilidade interdisciplinar alcançada com a prática do flamenco.

Além da complexidade da sequência de footwork, essa deveria ser realizada em Cânon199dividido em duas filas de bailarinos. O primeiro da fila deveria iniciar o

movimento no tempo um, e os demais realizavam sequencialmente, iniciando meio tempo atrasado em relação ao bailarino a sua frente. Além de realizar o Cânon contando tempo e contratempo, a habilidade rítmica exigia anular o sentido cinestésico (ROUQUET, 2017) dos bailarinos. O sentido cinestésico é também um elemento de informação do bailarino para dançar em grupo, é uma habilidade treinada por anos: ele observa o movimento no outro e modula seu corpo em busca do mesmo tônus, sensação, ritmo, deslocamento no espaço e ao mesmo tempo que o grupo, pois a maioria do aprendizado das danças requer imitação do movimento. Anular esta informação corporal foi muito difícil para o grupo, mas não pareceu difícil para Paula Finn.

Por outro lado, Paula Finn é consciente de que também os demais bailarinos têm suas fraquezas e inseguranças:

Eu demorei alguns meses para me colocar horizontal com eles. Aí eu comecei a ver que, na verdade, todo mundo tem fragilidade, que não é todo mundo tão alongado assim, que está todo mundo meio junto ali. E aí, eu comecei a ver as potências de cada um… (FINN, 2018).

Acredito que a insegurança de Paula Finn refere-se mais a sua adaptação na Companhia em que muitos já dançam desde 2014. Além dos mais antigos bailarinos já estarem habituados com a rotina de aulas e ensaios com diferentes coreógrafos, eles já provaram seu valor na dança para os colegas, coreógrafos e diretores, enquanto Paula Finn está construindo esse espaço. No entanto, o fato de o balé clássico e as habilidades desta técnica a intimidarem aponta para a possibilidade de que o discurso hierárquico das danças bem estabelecidas encontre consonância na visão sobre a dança de Paula Finn. Qual o valor derivado atribuído ao capital corporal do flamenco dentro da CMDPA?

Porém, a intimidação de Paula Finn não a impede de inserir o virtuosismo exótico em suas criações de movimento. Durante ensaio de Pedra Verde, em dado momento da composição, os bailarinos desenvolvem diferentes movimentos

espalhados pela sala, até que Paula Finn inicia uma sequência realizando complexas ondulações e movimentos circulares com o quadril. Em seguida, os bailarinos agrupam-se em torno de Paula Finn e tocam seu corpo como que demonstrando o estranhamento frente a sua alteridade. Para Gustavo Silva (2018), a alteridade do corpo de Paula Finn é percebida em seus movimentos de tronco, cintura pélvica e cintura escapular. Enquanto no balé clássico a coluna é alongada e rígida e nas danças urbanas a coluna é levemente arqueada, no corpo de Paula Finn o coreógrafo percebeu a liberdade de torção do tronco. Segundo Gustavo Silva, a habilidade de realização de torções confere à Paula Finn mais possibilidades de realização de movimentos laterais com o tronco.

De fato, ao assistir os bailarinos trabalhando juntos para executar a sequência de footwork, foi possível perceber o modo com que Paula Finn compensou as rápidas trocas de peso do movimento na cintura escapular, torcendo o tronco e virando os ombros levemente lado a lado. O mesmo movimento realizado de maneira muito diferente de seus colegas, e essa diferença foi visível em seu tronco.

Gustavo Silva identifica as diferentes partes do corpo exercendo diferentes funções na dança: os braços expressam a legenda do que se quer comunicar com o movimento, a face apresenta a expressão de um estado de espírito, as pernas marcam o ritmo e no tronco localiza-se a essência do bailarino, seu feeling:

Eu posso colocar o ritmo que eu quiser, posso colocar a legenda que eu quiser, posso colocar a expressão que eu quiser, mas tirar o meu feeling, minha essência, eu não posso tirar. Então acho que nas cinturas e no tronco dá para ver muito quem tem origem de que área... (SILVA, 2018). Também para Hubert Godard em seu texto Gesto e Percepção (2001), o tronco é o local do corpo responsável pela organização gravitacional do bailarino. Para Godard (2001), “a organização gravitacional de um indivíduo é determinada por uma mistura complexa de parâmetros filogenéticos, culturais e individuais” (GODARD, 2001, p. 20). Assim sendo, os músculos antigravitacionais situados na cintura escapular e tronco organizam-se de acordo com a prática do bailarino, sua cultura, além de fatores filogenéticos de sua anatomia.

Em 2017, ao entrevistar Paula Finn, perguntei a ela como era trabalhar com bailarinos de outras formações de dança. Paula Finn explicou-me que o estranhamento era algo sempre presente, pois o que era muito simples de executar para ela poderia não ser simples para os outros.

Antes de sua entrada na CMDPA, Paula Finn já possuía uma trajetória, já havia sido premiada e indicada a importantes premiações como o Prêmio Açorianos de Dança da Prefeitura de Porto Alegre, já havia realizado importantes trabalhos comoHiato, e participado de espetáculos fora do âmbito do flamenco, como Sagração da Primavera(2014), enquanto ainda fazia parte do GED (FINN, 2018).

Segundo Paula Finn, só recentemente, ao iniciar suas atividades como professora de flamenco, ela aproximou-se da prática tradicional do flamenco (FINN, 2018). Isso porque, enquanto bailarina da Companhia Cadica, a prática envolvia fusões. Já ao ingressar na Companhia Silvia Canarim, trabalhou o flamenco sempre em composição contemporânea, já que Canarim utiliza a reflexão do sentido contemporâneo do flamenco em seus trabalhos.

Realizando a analogia da mutação do anfíbio para abandonar a água, enquanto para Driko Oliveira e Fernando Queiroz tal processo foi desenvolvido ao ingressar na CMDPA, para Paula Finn, graduada em dança pela UFRGS, onde a dança contemporânea é o estilo principal (FINN, 2018), e a partir de sua origem do flamenco já envolvendo hibridações, este processo não foi repentino, envolvendo rápida adaptação. Ao contrário, a partir da descrição de sua trajetória, acredito que Paula Finn nunca tenha pertencido somente à água, assim como hoje não pertence somente à terra.

Por outro lado, ao habitar diferentes territórios simultaneamente, Paula Finn preservou seu virtuosismo exótico e aprendeu outras técnicas as quais lhe garantiram agregar habilidades sem que ela precisasse negociar com a alteridade de sua dança. Na CMDPA, pela primeira vez, ela sente que seu corpo preserva muitas características “aquáticas”, ainda que transite nos dois ambientes:

Eu estou tentando, cada vez mais, não ter ele [o flamenco] óbvio, não ter ele ali, as pessoas olharem e não verem que eu sou do flamenco. Eu estou tentando muito, porque eu preciso me desvencilhar, porque eu quero mudar o meu corpo. Estar na companhia está fazendo com que eu queira mudar o meu corpo…(FINN, 2018).

Ainda que Paula Finn possuísse treinamento em um flamenco não tradicional, nunca antes ela havia sentido a necessidade de mascarar sua prática de origem como na CMDPA. Ao contrário dos colegas anfíbios, ela já possuía habilidades de improvisação, movimentos de chão, rolamentos, saltos e giros por meio de sua prática em dança contemporânea e contato improvisação. No entanto, nunca havia

sentido a necessidade de mascarar seu virtuosismo exótico de tal forma como agora. Em contato com os “outros” bailarinos ambientados à demanda de múltiplas habilidades e ao desenvolvimento de corporalidades similares, apesar de suas diferenças, Paula Finn reconheceu sua alteridade. Paula Finn reconheceu sua estraneidade.

No subcapítulo 3.2,refleti o território como sendo demarcado e sentido na pele a qual recebe primeiro a informação de nossa semelhança ou estraneidade. Para Paula Finn, estes limites são invisíveis, mas ela os sente no plano emocional e o vive no corpo. Seu virtuosismo exótico, em meio à comunidade da CMDPA, tornou- se evidente para ela, pela primeira vez. A partir desta percepção de sua alteridade, Paula Finn tem buscado a similaridade de forma a integrar-se, cada vez mais, à demanda criativa da Companhia:

[...] quando eu vou criar com outros artistas eu acabo procurando similaridades porque, para mim, sair do corpo que eu construí, é uma coisa que eu tenho muita vontade, mas é muito difícil. E é muito mais fácil partir de um corpo que você já construiu (FINN, 2018).

Analisando seus trabalhos fora da Companhia, percebo a semelhança da descrição de Weber (2011) em relação aos trabalhos experimentais de artistas do Canadá. Para Weber (2011), os trabalhos experimentais caracterizam-se, entre outros aspectos, por certa liberdade de obrigação da conclusão da obra, da divisão disciplinar de linguagem e de sucesso diante do grande público: “[...] elas dão uma continuidade ao que as vanguardas do início do século nos ensinaram…” (WEBER, 2011, p. 14).

A liberdade e descompromisso com o grande público permitem ao bailarino também a liberdade de criar e gerenciar sua obra, ainda que em colaboração com outros artistas. Uma vez inserida no subcampo da grande produção em dança, o compromisso com o grande público, o qual é imposto à CMDPA como forma de tornar-se competitiva no mercado da dança do grande campo de produção, exige da bailarina adaptações e a realização de escolhas artísticas.

As práticas que fazem parte do subcampo da grande produção em dança como as que a CMDPA realiza estão sujeitas a uma lógica econômica “e será difícil escapar às pressões de uma certa conjuntura de valor econômico” (WEBER, 2011, p. 14). A CMDPA necessita ajustar-se aos padrões de mercado de editais, premiações e agregar valor ao seu capital artístico o qual é medido de acordo com o

número de produções, visibilidade de público, alcance de circulação (nacional,