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2.2 HIBRIDAÇÃO NAS DANÇAS MUNDIALIZADAS

2.2.2 Especificidades das danças mundializadas e da dança contemporânea

Se para Laurence Louppe a dança contemporânea pertence aos dias de hoje sendo “antes de mais, uma resposta contemporânea a um campo contemporâneo de questionamento” (LOUPPE, 2012, p. 20), as danças mundializadas referem-se ao passado e a um território, por mais hibridizadas que sejam.

No texto "A dança contemporânea, laboratório de uma nova ação?", Sophie Guhéry (2004)46 enaltece os atributos da dança contemporânea colocando-os em paralelo às formas teatrais pós-dramáticas, abordadas na obra de Hans Thies Lehmann (2007). No estudo, a autora apresenta as particularidades da dança contemporânea, a qual busca o abandono de um "modelo imposto para inventar outro corpo, uma corporeidade própria de cada um [...] um retorno a um "corpo próprio", se desfazendo do "corpo objeto" (GUHÉRY, 2004). Esse corpo objeto incorporaria modelos mecanicistas de dança, o corpo próprio, por outro lado, nega esses modelos impostos e abre-se para que o bailarino permaneça na "escuta de seu corpo".

Partindo dos estudos em World Dance de (FOSTER; SAVIGLIANO, 2009; DILLS; SKLAR, 2013) e de Mundialização de Ortiz (2011), pode-se compreender que a mundialização da dança adquire propriedades pedagógicas e estéticas das danças dominantes e assim insere-se e dissemina-se no novo território. Mas o que ela mantém para continuar sendo definida como exógena? Segundo Savigliano, o

46 Tive contato com este texto por meio da tradução oferecida pela professora Dra. Marta Isaacson durante em disciplina do curso de Pós Graduação em Artes Cênicas - Mestrado,(UFRGS, 2014).

que a dança mundializada mantém é o virtuosismo exótico definido como "uma virtuosa diferença, uma alteridade capaz de ser apreciada dentro dos parâmetros do campo da dança"47 (SAVIGLIANO, 2009, p. 167). Os parâmetros do campo da dança referido por Savigliano podem ser compreendidos como o capital corporal (DANTAS, DA SILVA, 2014) valorizado das danças dominantes. Durante a banca de apresentação final desta tese, a própria autora Suzane Weber da Silva citou alguns destes parâmetros: como a expectativa de ir além dos limites do corpo em termos de flexibilidade, força e equilíbrio.

Assim, entendo que o corpo anfíbio inserido no subcampo de atuação da dança contemporânea mantém o virtuosismo exótico, porém, transforma-o de forma a abarcar também um novo sentido e comunicar-se diferentemente com o espectador.

A dança contemporânea, segundo Guhéry, além de desenvolver por meio de sua metodologia de ensino e composição coreográfica, potencial para que o bailarino desenvolva seu corpo próprio, é precursora de um "drama puro". Para Laurence Louppe (2012), o drama puro seria a "capacidade que a dança pode ter, ao mesmo tempo na sua relação com a imanência e o movimento, para estar nas origens de uma nova teatralidade" (GUHÉRY, 2004). Guhéry explica que a desconstrução do dramático dá-se na passagem de uma transcendência a uma imanência. Por esta afirmação, entendo a capacidade da dança contemporânea em afastar-se do espetacular e da narrativa e aproximar-se do espetacular intrínseco ao corpo em movimento, sem emanar nenhum sentido externo a si. O sentido da dança consolida-se no espectador que o depreende desenvolvendo seu desejo semiotizante. Ainda que bailarino e coreógrafo trabalhem para produzir um sentido, que pode não ser o mesmo atribuído pelo espectador, a dança contemporânea é capaz de produzir um sentido.

Para Dantas (2013b), o espectador não é passivo em relação à fruição coreográfica. Dantas aborda aspectos capazes de favorecer a inscrição da obra no corpo do espectador, dentre eles , o corpo como presentificação/manifestação:

O corpo como manifestação, como presentificação, se opõe à ideia de representação enquanto imitação ou simulacro. Um dos princípios do corpo como manifestação é integração, incorporação, personificação da energia da ação (DANTAS, 2013b, p. 6).

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Exoticism here is qualified as virtuosic difference, an othernesess capable of being appreciated within the Dance filed's parameters (trad.livre).

Nas danças mundializadas, inseridas em seu subcampo de atuação, seu sentido é sempre o de representação. Ainda que o bailarino de flamenco, ou de Bharatanatyam, ou de outra dança de origem longínqua, deva ser analisado individualmente em sua performance, ele representa o estilo que dança, o qual está intrinsecamente ligado a um território e seu contexto, pois seu sentido é de uma identidade cultural incorporada (ALBRIGHT; DILLS, 2001).

Se a significação em dança contemporânea é mais explicada por meio das teorias da fenomenologia do que da semiótica, é porque o sentido, além de abstrato, não necessita de referentes externos, ele é perceptível, é o corpo significado e significante. Segundo Lehmann, a dança contemporânea [...] “não formula sentido, mas articula energia; não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é gesto" (LEHMANN, 2007, p. 339-340). Por outro lado, a dança mundializada carrega seu referente territorial, histórias e sentidos de um passado e um espaço territorial e comunidade, como por exemplo, os mudrás das danças indianas clássicas e as pisadas fortes em roda do dabke libanês, ou o arrastar dos pés das danças afro- brasileiras.

Uma vez fora de seu subcampo específico de atuação, a dança mundializada mantém-se somente no corpo do bailarino, que transforma seus movimentos tradicionais de forma a dar-lhes outro sentido que não mais o de representação de um território ou de um imaginário territorial como o orientalismo48 romântico proposto por Edward Said (2007). O movimento desfaz-se do modelo tradicional para agregar o sentido imanente da dança contemporânea. A estética de tal dança mundializada, em perspectiva contemporânea, não corresponde mais às especificidades de sua matriz, mas sim à proposta coreográfica contemporânea.

Pode-se conceber o corpo dançante das danças mundializadas como um corpo treinado tanto a partir de técnicas em perspectiva pós-colonial, quanto por meio do contato com a poética de coreógrafos de diferentes estilos, inclusive a composição contemporânea. O corpo dançante das danças mundializadas, fora do âmbito do subcampo de produção restrito, é construído pelo bailarino a fim de desenvolver suas habilidades na dança sem uma forma estética definida. O corpo das danças mundializadas, quando inserido neste âmbito, está na iminência de

48 Para mais informações sobre o conceito de Orientalismo aplicado à dança, ver em (SOARES, 2014, p.34-52).

desenvolver algo novo, em processo de mudança constante a fim de alcançar o subcampo da grande produção em dança.

Neste capítulo, apresento o paradigma, perspectiva e teorias os quais guiaram a escolha metodológica e o desenvolvimento deste trabalho.

Segundo Zamboni (2006), "quando o artista trabalha em determinado paradigma, está sujeito a conjunto de leis, normas ou teorias mais ou menos formalizadas, sendo que o grau de consciência dessa teoria, ou conjunto de teorias em que se enquadra seu trabalho, é fundamental para a pesquisa em arte" (ZAMBONI, 2006, p. 621) (Grifo do autor).

Para Fortin e Gosselin: "Um paradigma é um conjunto de pressupostos, de crenças e de valores que determina o ponto de vista de uma disciplina ou de uma área do conhecimento. Paradigmas são molduras que padronizam a condução do conhecimento” (FORTIN; GOSSELIN, 2014, p. 3).

Primeiramente, situo esta como uma pesquisa orientada a partir do paradigma pós-positivista de ordem qualitativa em prática coreográfica a qual faz uso de dados etnográficos para compor a epistemologia de estudo. A pesquisa utiliza uma abordagem etnográfica interpretativa, realizando uma análise fenomenológica e contextual (FORTIN; GOSSELIN, 2014; SAUKKO, 2003). A perspectiva de análise sustenta-se nas teorias pós-coloniais e descoloniais (CANCLINI, 2011, BHABHA, 2010).

Segundo Fortin e Gosselin (2014), "O paradigma pós-positivista/qualitativo postula a existência de múltiplas construções da realidade segundo os pontos de vista dos pesquisadores. Ele difere do paradigma positivista quanto à crença de que o conhecimento não pode ser separado do investigador" (FORTIN; GOSSELIN, 2014, p. 3).

Desta forma, é característica principal do paradigma pós-positivista o postulado de que os fenômenos sociais são únicos e complexos. O pós-positivismo considera a subjetividade do pesquisador tanto como atribuindo sua interpretação ao fenômeno estudado quanto interferindo no campo de observação de modo a modificá-lo com sua presença.

Sendo assim, o paradigma pós-positivista pressupõe a interpretação do fenômeno estudado por parte do pesquisador. Para compreender o fazer artístico

dos bailarinos, o estudo desenvolveu a descrição da realidade percebida, o que Fortin e Gosselin (2014) definem como abordagem etnográfica interpretativa.

Para Paula Saukko (2003), a escolha pela metodologia em um estudo é sempre uma escolha política. Isso porque, segundo a autora, a forma como nos aproximamos de nosso estudo determina a forma como este trará o objeto ao conhecimento. Sendo assim, a metodologia configura também uma instância ética da pesquisa.

A autora apresenta a nova etnografia como sendo uma forma de pesquisa no campo dos estudos culturais em que se busca conferir maior veracidade à realidade das pessoas estudadas. A revisão dos métodos etnográficos ocorreu como resultado de uma revisão crítica dos procedimentos tradicionais a partir de críticas sobre sua relação com sujeitos e grupos estudados. O objetivo dessa revisão foi propor modos de representação mais comprometidos com a realidade vivida abordada e seu contexto (DANTAS, 2017; SAUKKO, 2003).

Para a nova etnografia, as metodologias de pesquisa não são objetivas e nem mesmo neutras, pelo fato de estarem localizadas em um tempo e espaço, sujeitas a um contexto histórico e sociocultural e à subjetividade do pesquisador.

Para dar conta da contextualização da pesquisa em um microcosmo e em um macrocosmo, utilizam-se várias abordagens metodológicas, pois para Saukko:

A experiência é também moldada por discursos sociais, como definições médicas, e pelo contexto histórico e social em que está localizada. No entanto, para capturar essas outras dimensões da experiência da anorexia [por exemplo] é necessário uma diferente abordagem e método, como a análise do discurso ou a pesquisa histórica (SAUKKO, 2003, p. 7).49 Assim, a realidade muda de acordo com a perspectiva sobre a qual o estudo é analisado. A nova etnografia do pós-positivismo propõe que existem múltiplas realidades. Ao invés de apontar uma verdade o qual pode ser comprovada, como no positivismo, a nova etnografia busca validades que podem conferir confiabilidade à pesquisa. Isto requer, do pesquisador, ser mais atento ao contexto do estudo, bem como seu próprio ponto de vista e interesse no objeto estudado.

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Experience is also shaped by social discourses, such as medical definitions, and by the historical and social context, in which it is located. However, in order to capture these other dimensions of the experience of anorexia one needs different methodological approaches and methods, such as discourse analysis or historical research (Trad.livre).

Considerar a confiabilidade da pesquisa por meio de validades, em vez de por meio da comprovação de uma verdade, garante vantagens. Segundo Saukko, a primeira diz respeito a apontar o ponto de vista do pesquisador a partir de teorias, métodos e modos de escrita os quais utiliza, esclarecendo sua visão parcial da realidade. Em segundo lugar, reconhece que há mais do que uma maneira de fazer sentido sobre os fenômenos sociais, o que requer uma análise mais ampla e complexa para se entender o objeto de estudo (SAUKKO, 2003).

A nova etnografia contesta a triangulação, modo de metodologia e validação da pesquisa tradicional. A triangulação combina a observação de experiências vividas, relatos e textos, bem como considera o contexto histórico, social e político para conferir verdade ao estudo. Ao invés disso, Saukko propõe a combinação de dois modos de análise e validação. O primeiro diz respeito à ideia de pesquisa em prisma desenvolvida por Richardson (2000)50. O prisma serve como metáfora para

elucidar o fato de que a realidade oferece mais do que três lados e muda conforme a perspectiva sob a qual o estudo analisa o objeto. A segunda refere-se à ideia de Donna Haraway sobre a construção ator-material-semiótico51 de realidade. Para Haraway, tal construção considera que os sujeitos estudados não são objetos de estudo e sim atores os quais são ativos e co-criadores com vida e agência. A validade dialógica proposta por Saukko (2003) diz respeito a interagir com ambos os modos de análise, desenvolvendo assim a validação dialógica: criando diálogo entre as metodologias: “O modo dialógico de fazer pesquisa estaria atento aos aspectos vivos, culturais, sociais e materiais, de nossas realidades, e reconhece que pode haver disjunções entre eles” (SAUKKO, 2003, p. 34-35)52.

Saukko elucida que a nova etnografia não necessariamente implica na utilização do método etnográfico em si, possibilitando ao pesquisador utilizar uma série de ferramentas em seu estudo. É também o que propõe Fotin (2009) com a ideia de bricolagem metodológica. Para Fortin, pesquisadores podem fazer uso de diferentes descrições etnográficas como a heurística, fenomenológica, etnográfica e

50 Disponível em: <http://gege.fct.unesp.br/docentes/geo/necio_turra/PPGG%20-

%20PESQUISA%20QUALI%20PARA%20GEOGRAFIA/Qualitative%20parte%202.pdf> Acesso em: 12 de nov. 2018.

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material-semiotic actor (Tradução livre) Disponível em: <http://www.zbi.ee/~kalevi/monsters.html> Acesso em: 12 de nov.2018.

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The dialogic mode of doing research would be attentive to the lived, cultural as well as social as material aspects of our realities, and acknowledge that there may be disjunctures between them (Trad. livre).

sistêmica sem que estejam realizando uma etnografia, propriamente: "A coleta de dados se torna uma operação articulada comum às diferentes ‘bricolagens’ metodológicas dos pesquisadores em prática artística” (FORTIN, 2009, p. 79).

Para Saukko, o que define a nova etnografia é o compromisso “em ser verdadeira com a experiência vivida das pessoas” (SAUKKO, 2003, p. 56)53 e interrogar de modo crítico conceitos e estereótipos para categorizar a experiência vivida do outro. Para tanto, a autora sugere critérios de validação da pesquisa científica de abordagem etnográfica.

A primeira refere-se à escrita colaborativa a qual se define como uma forma de validação relacionada à participação das pessoas envolvidas no estudo na escrita do trabalho ou atestando verdade ao texto do trabalho.

Em seguida, Saukko propõe a validade autorreflexiva, a qual requer do pesquisador estar consciente do próprio interesse com a pesquisa, dada a impossibilidade de o pesquisador ser imparcial em seu estudo. Para Saukko, tornar- se consciente de seus próprios preconceitos e de seu ponto de vista habilita com que outros pesquisadores possam analisar diferentemente o estudo.

Outro critério proposto é o da polivocalidade, que diz respeito a considerar o testemunho de diferentes pessoas e seus pontos de vista sobre o estudo, evitando apresentar o estudo como um ponto de vista único e verdadeiro. Para tanto, é necessário apontar o critério do testemunho, ou seja, apontar o sistema ou regra o qual determinou a escolha das pessoas ouvidas para o estudo. Assim, segundo Saukko, o estudo escaparia ao relativismo, em que qualquer ponto de vista é tão importante quanto outro, e tornaria o trabalho ético.

Por fim, Saukko aponta a contextualização como critério de validação importante na pesquisa de abordagem da nova etnografia. A autora defende que o discurso deve estar consciente de que a observação é mediada pelas mesmas estruturas de dominação e subjugação as quais o estudo aponta. Tal observação corrobora com a proposição de Grau (2005)54 de que os conceitos de dança e corpo estão imbricados com a forma ocidental de dar sentido ao corpo. De acordo com Saukko, a nova etnografia propõe que uma metodologia sensível e crítica com as estruturas sociais e suas inadequações e é consciente de que apresenta apenas um ponto de vista de muitos outros possíveis (SAUKKO, 2003).

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to be ‘truer’ to lived realities of other people (trad.livre). 54 Ver nota 42 deste trabalho.

Após esclarecer sobre o paradigma pós-positivista e a nova etnografia deste trabalho, passo agora a explanar sobre teorias pós-coloniais as quais ofereceram uma perspectiva de análise ao estudo. A perspectiva teórica pós-colonial buscou uma análise não hierárquica e requisitou cuidado irrestrito com a representação dos sujeitos estudados.

Para Martins Savransky (2017), o pensamento pós-colonial na sociologia aponta para a preocupação de como a sociologia se aproxima de seu objeto de estudo e argumenta que, para que se faça um pensamento não eurocêntrico, é preciso desenvolver a imaginação decolonial, cuja ideia é ir além da epistemologia e reconhecer que não há justiça social e cognitiva sem justiça existencial, não há política de conhecimento sem política de realidade (SAVRANSKY, 2017).

Para Boaventura de Souza Santos e Maria Paula (2014), é preciso um conhecimento do mundo excedendo o conhecimento ocidental em que este é submetido por uma linha abissal, dividido entre metrópole e colônia. É preciso que o conhecimento pós-colonial se configure em uma realidade pós-colonial (SAVRANSKY, 2017).

Uma das abordagens que De Souza Santos e Paula (2014) apontam como importante para se superar o abismo entre epistemologia e ontologia, entre conhecimento e realidade é a aproximação da sociologia com a antropologia.

Segundo Savransky (2017), a aproximação da antropologia e da sociologia requer ter em mente a realidade do outro, vivendo-a e vendo as consequências que se pode produzir em nossas vidas, isto quer dizer, "ao invés de pensar sobre a diferença, pensar com a diferença de que o próprio pensamento do sul faz" (SAVRANSKY, 2017, p. 19)55 (Grifo do autor).

No texto “Sambando para não sambar: afroperspectivas filosóficas sobre a musicidade do samba e a origem da filosofia”, Renato Nogueira (2015) utiliza a ideia de perspectividade para desenvolver seus estudos sobre o samba, e para ele, a perspectividade define-se como:

[...] a capacidade de vestir um ponto de vista, ocupar um olhar. O corpo aqui está investido da capacidade de imprimir interpretações ao mundo, não é a cultura que estabelece pontos de vista, porque, em termos multinaturalistas, ela é única. Ou seja, a realidade é monocultural, O que modifica cada

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"rather than attempting to think about difference, it seeks to think with the difference that thinking from the South itself makes".(tradução livre)

interpretação e produz as mudanças no mundo são os corpos. [...] A perspectividade descrita por Viveiros de Castro diz respeito à capacidade de partir da mesma cultura, da mesma cosmovisão usando as especificidades do próprio corpo que interpreta, o seu modo de estar vivo (NOGUEIRA, 2015, p. 43).

Desta forma, os estudos acima citados apontam para uma abordagem próxima ao objeto, uma abordagem que não se distancie de forma a ver o objeto como um estranho, fetichizando-o, nem que omita sua diferença devido ao excesso de proximidade. Por meio da perspectiva pós-colonial, compreende-se que as culturas são concepções diferentes de um mesmo modo de habitar o mundo: conhecendo-o e vivendo-o através do corpo.

Os textos de autores como Stuart Hall, um jamaicano que viveu em Londres; Homi Bhabha, indiano que viveu em Londres; Edward Said, palestino que viveu nos Estados Unidos; Sara Ahmed, de origem australiano-britânica, filha de pai paquistanês e mãe britânica; além da inspiração no trabalho do artista Akram Khan, indiano que vive em Londres,favoreceram o desenvolvimento de um ponto de vista liminar, um olhar para além das oposições binárias e das generalizações consolidadas sobre o outro.

Os estudos pós-coloniais contribuem com a dança propondo uma nova concepção, na qual, todas as danças são igualmente potentes artisticamente (FOSTER, 2009), independentemente de sua origem étnica. A perspectiva pós- colonial propõe uma análise não hierárquica das danças, o que requer métodos e procedimentos escolhidos criteriosamente e a constante autoanálise por parte do pesquisador sobre a adequação da forma de representação utilizada no trabalho.

A tese foi realizada por uma bailarina interpretando dados do campo artístico da prática coreográfica, o que Dantas (2007) define como uma pesquisa em prática coreográfica. A pesquisa em prática coreográfica contribui para que se alcance a “objetividade solidária” descrita por Chizzotti (2003), pelo fato de que o pesquisador está estudando o próprio macrocampo do qual faz parte. Assim, a pesquisa em prática coreográfica já determina o contexto do pesquisador como um artista que emprega seu olhar sensível para o campo de estudos em dança.

Sylvie Fortin (2009) propõe que a pesquisa de prática artística pode ser realizada por outro artista que não o realizador da obra, e mesmo nesta situação, segundo Fortin, a pesquisa ainda seria em arte, por se tratar do olhar de um artista sobre uma obra artística. A pesquisa em dança, por sua vez, difere-se da pesquisa

sobre dança, no qual um pesquisador externo ao campo da arte realiza a pesquisa. A pesquisa em dança,é realizada por um artista/bailarino sobre o campo da dança (DANTAS, 2016; FORTIN, 2009). De modo mais específico, Dantas (2007) propõe a pesquisa de prática coreográfica como aquela que: “[...] explicita os saberes operacionais que são implícitos ao fazer coreográfico. Associa, num mesmo processo, a produção de uma obra coreográfica a uma forma de saber sobre esta produção que interage com a obra”. (DANTAS, 2007, p. 3).

Dantas destaca a reflexão de Sklar (1991) sobre “o caráter particular da pesquisa etnográfica em dança, pois a etnografia da dança é única entre outros tipos de etnografia porque é necessariamente ancorada na experiência do corpo” (DANTAS, 2016, p. 172).

Sendo assim, um importante dado na pesquisa em prática coreográfica refere-se à empatia cinestésica. A pesquisa em prática coreográfica interpela a corporeidade do pesquisador, pois, uma vez no campo de observação da dança, ele