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CHOEIRA DO SUL/RS

3. REVISÃO TEÓRICA: ESPAÇO – TEMPO, RUGOSIDADES, PAISAGEM E PA TRIMÔNIO CULTURAL

3.2. A TÉCNICA, O TRABALHO E O CAPITAL COMO ELEMENTOS CONSTITUIN TES DAS RUGOSIDADES

3.2.3. Espaço e capital

A organização do espaço é resultado do trabalho humano acumulado ao lon- go do tempo. No sistema de desenvolvimento capitalista, o trabalho se realiza sob o domínio do capital, o qual atua de forma heterogênea no espaço e no tempo. (COR- RÊA, 1986).

Seguindo as ideias do autor, acima citado, se distingue algumas ações do ca- pital, como: a dinâmica contraditória do capital, decorrente dos conflitos entre o capi- tal e o trabalho e da concorrência dos capitalistas, e gerou, no final do século XIX, a centralização e a concentração do capital envolvendo empresas industriais, bancos e capital financeiro; a centralidade e concentração do capital possuem uma materia- lidade espacial que é a sua internacionalização, cujo capital busca lugares atrativos à sua reprodução; o Estado capitalista, cujos investimentos cada vez maiores têm contribuído para a organização do espaço, suas ações estão ligadas à necessidade de reprodução do capital, muitas vezes o Estado torna-se empresário, diversificando investimentos, insere-se na dinâmica de acumulação de capital, e se desvirtua do seu papel; o pequeno capital, que ainda não se ampliou, diversificou e nem foi ab- sorvido pelo capital, vive a sua sombra e viabiliza o grande capital.

Cada um destes agentes estabelece uma estratégia de reprodução especifica que tem um desmembramento na organização espacial. A organização capitalista, inicialmente, toma decisões de investimentos em lugares onde o pequeno capital não é capaz de realizar. Opera através de uma organização interna que diversifica suas atividades, atuando em diversos ramos de atividades. As restrições locacionais são mínimas e juntamente com a geração de empregos servem de poder frente ao Estado. Trabalha através da dispersão do processo fabril, evitando problemas de nacionalização. Espalha sua força de trabalho em cidades próximas a fim de evitar conflitos trabalhistas e, induz o Estado a instalar a infraestrutura técnica necessária. (CÔRREA, 1986).

Introduz um novo produto agrícola e a modernização tecnológica em uma área rural, cujas grandes corporações diretamente ou indiretamente podem alterar sua estrutura agrária (concentração fundiária, novas forças produtivas constituídas por boias-frias, êxodo rural), aceleram a exaustão do solo e, nas cidades ao entorno, alteram suas funções em função da nova demanda rural. As grandes corporações

criam desta forma, uma organização espacial própria, baseada em seus interesses, “o espaço do capital”. (CÔRREA, 1986).

Neste contexto, Côrrea (1986) menciona que ao lado da grande corporação atua nos países subdesenvolvidos um enorme conjunto de atividades, muitas vezes de natureza familiar, com pouco ou nenhum crédito, com pouca formalidade admi- nistrativa ou de mercado, ao que Santos (1978) denominou de circuito inferior da economia.

O Estado, normalmente, vincula sua ação através das necessidades de acu- mulação do capital e a consequente reprodução social. Assim, age de modo desi- gual, beneficia certas frações do capital e possui aparelhos repressivos e ideológi- cos. Através das ações desiguais e contraditórias dos agentes do espaço, materiali- zam-se nas espacialidades estruturas de tempos distintos e anteriores, que ao se relacionarem com o presente, formam as rugosidades.

Neste contexto, reporta-se a Oliveira (2001, p.18) quando menciona que o capital “é portanto, em si, contraditório e desigual”. O processo desigual e contraditó- rio não ocorre de forma absoluta em todo lugar, destruindo totalmente as formas de produção e reprodução, consideradas, muitas vezes, tradicionais ou arcaicas. Essas formas são necessárias para o próprio desenvolvimento do capital, pois é desta jus- taposição que o capital cria e recria mecanismos para que sua reprodução seja pos- sível e continua no tempo e no espaço. (OLIVEIRA, 2001).

Essa realidade se evidencia quando se toma como referência a parte norte do município de Cachoeira do Sul, cuja área é influenciada pelo tipo de colonização ocorrida (Colônia Santo Ângelo), que desenvolvia uma agricultura inicialmente de subsistência, diversificada e de base familiar e, que ao se inserir no modo de produ- ção de mercado, torna-se uma agricultura especializada, integrada à indústria e vol- tada ao abastecimento do mercado que determina relações de trabalho assalariado.

Assim, se estabelece o processo de monopolização do território pelo capital monopolista, uma vez que, este agricultor antes responsável pelo abastecimento do mercado local/regional passa a produzir exclusivamente para a indústria a fim de garantir sua reprodução social. O capitalista industrial é uma pessoa e, o trabalhador e proprietário são outras pessoas. Esse processo contraditório revela que o capital monopoliza o território sem territorializar-se. (OLIVEIRA, 2001).

Outro exemplo dessa relação se materializa na área em estudo e diz respeito à criação de novos capitalistas, agricultores produtores de arroz, que além da agri-

cultura são os donos de silos de armazenagem, secadoras de arroz, transformam, embalam e comercializam o produto, adquirem terras, normalmente vizinhas a sua propriedade, e empregam através de trabalho assalariado antigos agricultores fami- liares ou filhos de agricultores para realizarem o processo produtivo no campo. Con- comitante a isto, produzem, na cidade, trabalho assalariado, portanto, dominam terri- torialmente a relação campo-cidade.

Essa lógica que o capital impõe é denominada de territorialização monopolista do capital, onde o capitalista domina as partes ou etapas de um mesmo processo, ou seja, o capitalista da indústria, o proprietário de terra e o capitalista da agricultura são uma só pessoa, têm um só nome e para produzir utilizam o trabalho assalariado, base da produção capitalista, como menciona Oliveira (2001).

Neste sentido, Oliveira (2001) considera esse processo uma moeda de dupla face ao desenvolver, ao mesmo tempo, os dois lados da moeda, e à medida que expande o trabalho assalariado expande também o trabalho familiar. Este se apre- senta cada vez mais dependente do capital monopolista para se reproduzir, à medi- da em que é criado pelas contradições internas do capital e assume para si as rela- ções capitalistas.

Além disso, cabe ressaltar a desigual e contraditória expropriação da terra pe- lo capitalismo, pois ao mesmo tempo em que aumenta sua concentração nas mãos dos grandes proprietários, aumenta a luta pela manutenção da terra através de for- mas de resistência. Estas atividades, tidas como “novas” formas de produção no es- paço rural, resultam de processos sobrepostos de saberes e fazeres, construídos historicamente pelo grupo social, as quais são, normalmente, revisitadas em mo- mentos de esgotamento das relações de produção, assumindo novas roupagens frente à conjuntura socioeconômica vigente.