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CHOEIRA DO SUL/RS

3. REVISÃO TEÓRICA: ESPAÇO – TEMPO, RUGOSIDADES, PAISAGEM E PA TRIMÔNIO CULTURAL

3.2. A TÉCNICA, O TRABALHO E O CAPITAL COMO ELEMENTOS CONSTITUIN TES DAS RUGOSIDADES

3.2.2. Espaço e trabalho

A divisão do trabalho se constitui no motor da vida social e da diferenciação espacial.

Santos (2012) ao discutir a diversificação da natureza e a divisão do trabalho entende que o mundo natural, mediante as trocas de energia entre seus elementos, vive um movimento perpétuo pelo qual sua identidade se renova enquanto se modi- ficam seus aspectos. O papel do mundo natural é representado pela diversificação da natureza. Já o papel no mundo histórico é representado pela divisão do trabalho,

a qual é movida pela produção e atribui, a cada momento, um novo conteúdo e uma nova função aos lugares.

Nesta perspectiva, Santos (2012, p. 131) afirma que:

A primeira presença do homem é um fator novo na diversificação da nature- za, pois ele atribui às coisas um valor, acrescentando ao processo de mu- dança um dado social. Num primeiro momento, ainda não dotado de próte- ses que aumentem seu poder transformador e sua mobilidade, o homem é criador, mas subordinado. Depois, as invenções das técnicas vão aumen- tando o poder de intervenção e a autonomia relativa do homem, ao mesmo tempo em que se vai ampliando a parte da “diversificação da natureza” so- cialmente construída. (SANTOS, 2012, p.131).

As economias-mundo marcam uma etapa importante desse processo, cujas mudanças afetam, cada vez mais, os lugares e não tem origem unicamente local. O capitalismo amplia a ideia de que sobre a diversificação da natureza se realiza outra diversificação comandada pelas forças sociais. Com a indústria isto fica mais eviden- te, devido às técnicas que o homem passa a dispor e que interferem em todo o pro- cesso produtivo, através das novas formas de energia. Atualmente, o motor da divi- são do trabalho é a informação. Neste contexto, Santos (1997, p. 81) ressalva “o que é importante é que, com a evolução dos sistemas de engenharia, a própria noção de tempo muda: o tempo da produção, o tempo da circulação, o do consumo e da reali- zação da mais valia”.

Enquanto que a diversificação da natureza é um processo e resultado repetiti- vo, a divisão do trabalho é um processo progressivo, cujo resultado é a divisão terri- torial do trabalho. A divisão do trabalho é vista como um processo pelo qual os re- cursos disponíveis se distribuem social e geograficamente. Santos (2012, p. 132) define: “recursos são coisas, naturais ou artificiais, relações compulsórias ou espon- tâneas, ideias, sentimentos, valores.”

Em função da distribuição destes recursos na espacialidade geográfica é que o homem vem mudando a si mesmo e ao seu entorno. Por isso, a formação socio- espacial, torna-se um instrumento adequado para compreender a história e o pre- sente de um lugar, de um país, pois cada atividade representa uma manifestação concreta do fenômeno social total, e o seu valor efetivo é dado pelo conjunto do lu- gar em que se manifesta.

A distribuição da totalidade dos recursos resulta da divisão do trabalho, cujos lugares, a cada momento, recebem determinados vetores e deixam de receber mui- tos outros, determinando sua individualidade e funcionalidade. Desse modo, o mo- vimento do espaço é o movimento dos lugares, o qual é discreto, heterogêneo e conjunto, desigual e combinado. Os lugares, assim constituídos, passam a condicio- nar a própria divisão do trabalho, sendo ao mesmo tempo, um resultado e uma con- dição. Assim, a divisão do trabalho é portadora das forças de transformação geridas por ações novas ou renovadoras e, encaixadas em objetos recentes ou antigos, que as tornam possíveis. (SANTOS, 2012).

A divisão do trabalho supõe a existência de conflitos. Dentre eles, destaca-se a disputa entre o Estado e o mercado, a qual não pode ser encarada como uma dis- puta maciça, pois, muitas vezes, o Estado se torna apenas um regulador dos inte- resses das grandes corporações ou age como um agente capitalista. No mercado, as empresas de acordo com o seu poder e em função dos respectivos processos produtivos, leva a uma divisão do trabalho baseada em seus próprios interesses. As modalidades de exercício do poder público e privado estruturam a divisão territorial do trabalho a sua imagem e aos seus interesses.

Desta forma, a divisão territorial do trabalho cria hierarquias entre lugares e, de acordo com sua distribuição espacial, redefine a capacidade de agir das pessoas, firmas e instituições. (SANTOS, 2012).

As relações entre as rugosidades e o trabalho se produzem sob o enfoque das divisões do trabalho, sucessivas e sobrepostas. De acordo com Santos (2012) a divisão do trabalho sob o enfoque do tempo compreende duas perspectivas: a pri- meira considera as diferentes divisões do trabalho sucessivas ao longo do tempo histórico, uma cadeia das transformações ocorridas, suas causas e consequências, períodos estabelecidos e sua duração e, os lugares de incidência; a segunda reco- nhece as divisões sobrepostas num mesmo momento histórico, de caráter propria- mente geográfico, obrigando uma análise têmporo-espacial.

Cada lugar, cada subespaço, assiste como testemunho e como ator, o desen- rolar simultâneo de várias divisões do trabalho. Geograficamente, o “resto” das divi- sões do trabalho, em tempos anteriores, imprime na espacialidade formas, as quais não se extinguem com o passar do tempo, as rugosidades.

Lembremo-nos, em primeiro lugar, de que a cada novo momento histórico muda a divisão do trabalho. É uma lei geral. Em cada lugar cada subespa- ço, novas divisões do trabalho chegam e se implantam, mas sem exclusão da presença dos restos de divisões do trabalho anteriores. Isso, aliás, dis- tingue cada lugar dos demais, essa combinação específica de temporalida- des, diversas. Em outra situação, consideremos, apenas, para fins analíti- cos, que, dentro do todo, em uma dada situação, cada agente promove sua própria divisão do trabalho. Num dado lugar, o trabalho é a somatória e a síntese desses trabalhos individuais a serem identificados de modo singular em cada momento histórico (SANTOS, 2012, p.136).

O tempo da divisão do trabalho visto genericamente seria o tempo do modo de produção, cujos elementos definidores do modo de produção seriam a medida geral do tempo. Assim, o tempo, ou melhor, as temporalidades conduzem à noção de formação socioespacial, onde os diversos tempos trabalham e se ressignificam a partir do funcionamento e da ação conjunta. (SANTOS, 2012).

A divisão social do trabalho é comumente analisada como a repartição do tra- balho vivo. Essa divisão vista através da localização dos seus diversos elementos é denominada de divisão territorial do trabalho. Entretanto, além do trabalho vivo, há uma divisão territorial do trabalho morto, e a ação humana depende tanto do traba- lho vivo como do trabalho morto. O trabalho morto, como meio ambiente construído, tem importante papel na repartição do trabalho vivo, cujas feições do território têm ainda influência sobre a maneira como se dá a divisão do trabalho.

O meio ambiente construído guarda as formas do processo social, cujas for- mas, ali materializadas, estão à espera de exercer funções, ainda que limitadas pela sua própria estrutura. O trabalho já realizado se impõe ao trabalho a ser feito, cuja divisão atual da repartição territorial do trabalho repousa sobre as divisões territoriais do trabalho anteriores, e a divisão social do trabalho somente pode ser explicada à luz da divisão territorial do trabalho, que depende, ela própria, das formas geográfi- cas herdadas.

Portanto, as rugosidades são demonstrações concretas das diversas divisões do trabalho, que acontecem de maneira sucessiva, sobrepostas e concomitantes. Representam o modo de produção anterior materializadas no espaço.